Perseguidos políticos são tentadores. O que penso mesmo não é nem no que um perseguido tem a dizer sobre o que determinou sua queda e sobre o que pode provocar sua redenção.
Brizola e eu entramos no quarto e logo percebemos que não havia cadeiras ou poltronas. Ele resolveu na hora:
– Vamos nos sentar na cama.
E nos sentamos. Liguei o gravador e Brizola começou a falar sobre a campanha da Legalidade. Eu era correspondente da Caldas júnior em Ijuí e recebera uma missão: deveria ouvir o ex-governador para um programa da Rádio Guaíba sobre o movimento por ele liderado contra a tentativa de golpe de 1961.
Sim, eu entrevistei Brizola na cama do quarto do casal Vanderley e Ivone Burmann, em Ijuí, em uma noite da primavera de 1979.
Burmann, líder trabalhista e ex-prefeito, enchera a casa de gente para um jantar com Brizola, que retornara ao país com a anistia, 15 anos depois do golpe. Era uma alegre barulheira pela volta da maior figura das esquerdas.
Tentamos conversar na sala, depois na cozinha. Não era possível caminhar pela casa. Muito menos no pátio. Dona Ivone nos socorreu:
– O quarto, o quarto.
Entramos e fechamos a porta. Mas, volta e meia, abriam e espiavam para saber se ele não queria que me mandassem embora. Brizola fazia um sinal de que estava tudo bem. Abriram e fecharam a porta umas 10 vezes.
Todos queriam vê-lo na mesa, e o grande líder trabalhista continuava sentado na cama. Em algum momento, cheguei a pensar em pedir: levem o Brizola de volta, porque o homem vai começar um novo levante no quarto, e eu vim apenas entrevistá-lo.
Me recordo desse encontro de meia hora com Brizola e penso como seria hoje uma outra entrevista. Uma conversa com Dilma Rousseff. Histórias, personagens e circunstâncias são distintas. Brizola estava encerrando um exílio. Dilma está começando o seu, mesmo que fique aqui.
Perseguidos políticos são tentadores. O que penso mesmo não é nem no que um perseguido tem a dizer sobre o que determinou sua queda e sobre o que pode provocar sua redenção.
Nem penso numa conversa intimista com Dilma, porque não estou habilitado para tanto e porque falas com o coração, logo depois de um episódio traumático, estão condenadas a serem revisadas alguns dias depois.
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Também não teria a pretensão de querer obter de Dilma um balanço racional de seus últimos atos, dos erros e de coisas das quais se arrepende.
Nem perguntaria sobre as apostas furadas no próprio Temer, no Padilha, no Joaquim Levy, nas alianças, no PMDB que a traiu. Não falaria nada da sua relação tumultuada com o PT, das coisas não ditas a Lula. Nem tocaria no pato da Fiesp e nas pedaladas.
Estou destreinado como repórter. Evitaria a armadilha das perguntas erradas, da pressa que come pausas e silêncios, da tentativa de ser mais esperto do que o entrevistado. Nem levaria uma pauta de assuntos.
Eu não levaria nem mesmo gravador, como levei para o quarto com Brizola. Não faria indagações ditas objetivas. Levaria apenas um mate e uma rapadura.
Poderíamos sentar no chão, em pedras ou em cadeiras de praia, na enseada do Veludo, em Belém Novo, na beira do Guaíba.
Mas eu gostaria de conversar com Dilma logo depois do golpe. Alguns analistas já anunciaram sua morte política. É apenas uma torcida, porque não se abrevia a vida de um político ou de um centroavante muito antes do tempo.
Dilma tem Getúlio Vargas como referência. Getúlio caiu em 1945 aos 63 anos. Foi eleito senador logo depois, passou a fazer articulações e voltou como presidente em janeiro de 1951. Tinha 69 anos.
60 anos sem Getúlio
Dilma foi derrubada aos 68 anos. Se a política fizesse os movimentos que costuma fazer, e Dilma inventasse de disputar e vencer a eleição de 2018, voltaria ao poder com apenas dois anos acima da idade de Getúlio em 1951. Em 1951, um homem de 69 anos era considerado velho. Hoje, não.
A direita dirá que Dilma talvez esteja hoje além da idade para aspirar alguma coisa, mesmo no curto prazo. Um certo jornalismo diz a mesma coisa. Ela terá 71 anos em janeiro de 2019.
Alguns coronéis que derrubaram Dilma, dentro e fora do Congresso, estão perto dos cem anos. Mas 71 anos talvez seja, dizem os detratores, demais para Dilma. Até porque irão encontrar outros defeitos.
Penso na sua vitalidade e imagino a conversa com Dilma à beira do Guaíba, mesmo sabendo que tal encontro é improvável. Porque todos querem, claro, conversar com Dilma.
Eu não perguntaria nada. Para puxar conversa, apenas começaria contando que já entrei nas águas do Guaíba ali na volta do Veludo. Ela, se quisesse, poderia me dizer o que fazia em Brasília nas horas de folga. Eu levaria o mate e a rapadura.
Artigo originalmente publicado em 2 de setembro de 2016 no Jornal Extra-classe.