Amor demais, amor não é.
As notas musicais são frequências diferentes do som. Se você aumentar o fá, ele não será mais um fá, será um fá sustenido ou um sol. Não é possível exagerar na nota sem desafinar a música. Um sol exagerado é um sol sustenido ou um lá. O exagero altera a nota desarmonizando a melodia, ou seja, tornando-se outra coisa.
Para cozinhar é preciso controlar o fogo. Fogo demais queima e estraga tudo. Uma excelente comida, com excesso de fogo, pode transformar-se em carvão e fumaça. Adeus ao requinte dos ingredientes e à combinação dos temperos.
Quando os filhos se tornam tiranos dos pais, imaturos e dependentes, fala-se que foi amor demais. Dizem do ciúme que é um amor exagerado. Como assim “amor demais”? É possível dizer se é pouco ou muito aquilo que não tem medida? Como acertar a dose daquilo que não cabe nos frascos?
Recomenda-se aos pais que sirvam aos filhos, até a idade escolar, cinco xícaras de amor por dia, em três momentos diferentes, com quatro horas de intervalo, no mínimo. Para um filho amadurecer equilibrado, após a adolescência, reduza-se o amor para três colheres de sopa antes e depois das festas e após chegar muito tarde de uma festa noturna.
Santa Ignorância, socorrei-nos quando mais precisarmos! O amor é, e ponto final. O amor é sábio, e ponto final. O amor é auto-dosável e tem bom senso, o resto é amor do Paraguai.
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Amor demais é egoísmo com maquiagem barata. O medo da responsabilidade faz dos pais superprotetores dos filhos por culpas mais ou menos conscientes. Quem sabe as ausências injustificadas. Quem sabe a falta de exemplos na vida. Quem sabe uma preocupação mórbida com as finanças da casa, como se nelas, unicamente, repousasse a felicidade da família. Quem sabe os pais mimam os filhos tentando resgatar tardiamente um amor que não tiveram.
Quando se está na floresta do mundo, os filhos precisam referências e segurança, e elas são dadas por marcas claras plantadas pelos pais como árvores coloridas, pegadas profundas, desenhos na terra.
O filho pode andar seguro na floresta do mundo porque sabe os limites. Limites não comprimem, não afogam, não impedem qualquer aventura. Limites são linhas seguras para que a criança, adolescente ou jovem, caminhe no mundo e atravesse a floresta. Pais amorosos e conscientes não prometem pão ou dinheiro para o caminho. Lembrem-se da história de João e Maria em que as migalhas de pão são comidas pelos pássaros e as crianças continuaram perdidas.
Peço perdão aos poetas por preferir dizer que o amor é música e não fogo. É que o fogo pode ser medido no tamanho das chamas, intensidade dos graus. A música precisa de harmonia, ritmo, melodia. Se o sol não estiver lá, tenha-se dó, melhor dar ré e tapar os ouvidos.
Fico com o apóstolo João que diz: “Deus é amor e quem ama permanece em Deus”. Se Deus é perfeito o amor não pode produzir frutos intragáveis. Amor é uma trilha feita pelos pais. Como toda trilha tem pontos escorregadios, pedras, alguns rios para atravessar e até pode e deve haver riscos. Quando o pais não estiverem por perto, os filhos saberão seguir seu caminho a sós. Aliás, é para isso que os bons pais podem morrer serenos. Eles sobreviverão sem nós. Amor demais, amor não é.