E se Jesus aceitasse a oferta do diabo e assumisse as terras? diálogo improvável: para rir, refletir ou pensar?

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A literatura promove e provoca diálogos e realidades impossíveis ou imagináveis por pouca gente. É o caso nesta crônica, que remete a diálogos entre Jesus e o demônio. É um convite para você adentrar nesta história, livre de preconceitos. Daí, sim, podes rir, refletir ou mesmo pensar.

* Levou-lhe ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e lhe disse:  Tudo isto te darei se, prostado, me adorares. Mt 4-8,9

Bem, considerando que o diabo levou Jesus a um monte muito alto, teremos de supor que Jesus aceitou seu convite para a subida, caso contrário, poderia ter fuzilado o demo ali mesmo.  E ele aceitou, pois se tratava de uma tentação.  Você pode subir qualquer monte, como Jesus, mesmo as montanhas diárias, e nelas, sempre haverá fraquezas a romper. E você pode ainda subir mal acompanhado, tentado, com fome, farto de jejuns e de ausências, digamos. Mas suba!

A proposta em si não era ruim, do ponto de vista dos milhares de poderosos, hoje.  Um mundo de opulência e vaidade, uma quantia absurda de terras, colheitas, muitos escravos e empregados, muito poder.  E veja que para fazer uma oferta dessa magnitude, foi preciso levar Jesus ao monte, para que ficasse bem clara a proporção do latifúndio bíblico. 

Elas poderiam ter sido apresentadas ali mesmo, onde Jesus estava, em um mapa, por exemplo. Mas o diabo sempre anda sem mapas. E andar perdido, é a sua condenação eterna.

Subir ao monte muito alto, equivale a mostrar e impressionar a Jesus, apresentando a dimensão do negócio. 

Em uma terra disputada, já naquela época, imagine, uma terra fértil, a ainda sobre a posse, glória, ou seja, o poder, a aparência do poder, a extensão do poder.

Seria simples.  Jesus deveria se ajoelhar, fala o evangelho, prostrar-se. Uma equivalência a adoração. 

O diabo teria suas razões, mas foi com muita volúpia nesta oportunidade. Ele poderia ofertar os reinos, por exemplo, e mais tarde, combinar os termos, em um próximo Jejum, diante da fraqueza do Mestre, ou, mediante a incredulidade contínua de seus discípulos.

Mas, como o que vem do mal, vem precipitado e é sempre desonesto. Poderia o cão ofertar uma terra que não é dele?  Como pode ele tentar a Deus, se já estava escrito: ‘não tentarás ao senhor teu Deus’.  Temos um equívoco.  Senhor teu Deus?  Mas o diabo já não obedecia a Deus nenhum, uma vez que quis ser deus, ao seu próprio jeito.  E caiu.  Lucas, o evangelista, escreve inclusive que ele advogava para si este reino;  ‘ele me foi entregue e a dou a quem quiser.’ Lc 4-6. Como?  A sua pretensão nós a herdamos, decerto.

Primeiro tenta vender o que não é seu e depois afirma que lhe foi entregue?  Era o síndico da Galileia este diabo?

E não deu certo, não tinha como. 

O ponto é o seguinte:  quanto tempo Jesus e o diabo, caminhando, demoraram para chegar ao monte ‘muito alto?  A que distância do deserto e quanto tempo levaram para alcançar o cume? Uma hora de subida, mais ou menos?

-Mestre, não vai demorar minha proposta!  Já estamos chegando.  Sei de sua fome e sede, mas o que tenho a lhe dar, pode cancelar o ritual sangrento da cruz e ainda pode mudar  os rumos da humanidade, em seus próximos dois mil anos, por aí.

Jesus, cansado e faminto respondeu;

_ Seu demônio, procuras me tentar pois me sinto fraco.  Mas não tentarás o teu Senhor. E até porque tudo pertence ao meu Pai.

_ Mas, mas, eu fui excomungado da sua presença porque pedi demais.  Como não vou conseguir estes estádios de terra para um negócio futuro? E depois, Senhor?

Senhor? De quem?  Não de mim, pois eu fui expulso da família, esqueceu?  Só que porque brinquei de ser Deus, levei a pior e caí da presença de seu Pai.  Tudo sempre era com o anjo Gabriel… Nada pra mim.  Um dia, cansei.  Esqueceu que eu era da família? E então fui expulso, levando a culpa de tudo, até por coisas que nem fiz. E ainda o pior castigo: levar para sempre a culpa do que está no imaginário dos homens.  Por essa não esperava. Enquanto diabo, não me arrependo, mas dá vontade.

_ Apresse-te Satanás porque tenho pressa em ter com meus seguidores.  E muita fome.

_ Mas mestre, por que não transforma estas pedras em pão?

_ Porque não o quero.  O que tens para mostrar?

_ Aceita um cigarro?  Quer descansar? Eu sei que sou ruim, o centro de todos os males do mundo, vivo no seu meio. Sou mau de raiz, mas aprendo muito com os homens. E em meu nome, mesmo que não os autorize, você ainda verá a desgraça com que farão com a Terra, com ou sem a sua cruz. Com ou sem a sua salvação.

Abandona o seu sacrifício Mestre, assuma as terras, ponha seus discípulos a trabalhar, Pedro, o capataz, e, em seguida, pegue uma das galés e vá para Roma passar uns dias. Tenho um amigão chamado Pôncio, darei um jeito nas passagens.  Quer levar Madalena com você. Não há diabo que não goste de uma fofoca.

Vendo a impaciência de Jesus, desconversou.

_ Chegamos!  Estás vendo estas terras todas?  Estes Reinos? Expanda a vista.  É muito grande o terreno.  Veja a imensidão! Todas serão suas, basta me adorares. O negócio é rápido.  Ajoelhe rapidinho, fale que eu sou o teu senhor e assuma o pasto.

Mas o capeta não fez qualquer exigência. Conforme Lucas, foi de um tipo especial; ‘se prostrado me adorares’.  Ora, fazer um negócio deste tamanho, sem o consentimento de Herodes, o Rei do pedaço na época, seria temerário. Mas como não ouvir uma oferta tentadora, quando se está com fome, confuso?  Eis o momento em que a tentação toma forma. Agora, prostrado, seria demais.

Conversaram mais? Jesus teve paciência para a infinidade de mentiras ouvidas?  Foi uma caminhada em silêncio? Imaginando que tenha demorado três horas, Jesus faminto, 40 dias em oração e jejum pelo deserto, topa com uma tentação de poder, ao invés de uma tentação de alimento, fartura, uvas e vinhos sobre as pedras.  O diabo deveria ter pensado em outra estratégia. Desafiou Jesus a transformar pedras em pães. Um absurdo.  Oferecesse ele mesmo pães e água, e depois, satisfeito, a oferta das terras. 

Mas a estratégia sempre é o ponto mais fraco do tentador, em sua ânsia de seduzir e vender, atropelou os fatos e não encantou a Jesus, este sim, muito preparado para o que estava por vir. Nem o encantaria, claro.

E no topo do monte, que imagem!  A Galileia inteira sob seus olhos, uma imensidão de terras e pequenos povoados.  Jesus cansado, pelos dias no deserto e, agora, pela subida.  E ainda pelo sufoco em ouvir de alguém que lhe fizesse propostas, descansado. Vales a perder de vista, colinas com leves ondulações, onde o olhar o sol convinha a sonhadores e aos que pudessem ver…. Rios que se estendiam por mais vales, o Jordão, mais vilarejos…

O que de fato o diabo mostrou a Jesus?  Ali estava, representada, a Terra toda. A sua beleza, a sua herança, que, a frente de seu verdadeiro herdeiro, recebia a falsa oferta das mesmas paisagens, agora pelo usurpador. Como tem acontecido pelos séculos.

Tudo será seu, se me adorares!

Idiota! Nem um pão a oferecer, nada, nem um gole de água?  Que comerciante desumano, ops, pois que ainda não havia possuído a mente humana, até então, ficando apenas na descrição e no coração dos antigos.  Mas enfim, era o mesmo!

Descuidado e ganancioso, deixasse Jesus descansar um pouco, apreciar a paisagem, quem sabe esperar pela brisa do Jordão, para que a tentação da posse chegasse, e o fizesse um pouco interessado.

Porque era muito tentador, e satã o sabia muito bem.  Em tempo de disputas por palmos de deserto, ganhar de uma vez, um torrão bíblico nestas dimensões, poderia Jesus ter pensado…

E se ele aceitasse?  Tinha muitos irmãos a dar trabalho e pão, amigos, discípulos, gente de toda a Galileia, seguidores, quantos mais…

Aceitasse ele a oferta, no que seria a primeira posse de terras sem escrituras, porque não tinha como as transferir, Jesus estaria muito ocupado em fazê-las produzir e alimentar milhares.  Vinhas, oliveiras, campos de trigo, seus anos vindouros seriam os mais prósperos, em colheitas e poder.

O problema está no detalhe, o canto em que todos os diabos gostam de estar; a adoração que jurara ao cão.  Não haveria explicação ao seu Pai, evidente, pois que o enviou à Terra justamente para salvar os que que não queriam ser salvos. E o que dizer a sua Mãe, à João Batista, aos seguidores, a quantos mais?

_Senhores, dispersai a vossa fé, por ora, pois teremos uma cooperativa a administrar.  Imaginem na alegria dos fariseus e escribas?

E o mundo jamais seria o mesmo! Um mundo sem cruzes, sem santos, sem a quem adorar.  Um mundo sem fé é o que seguiria, sem qualquer amor ao próximo, sem empatia, sem devoção e muito desigual.

Ainda bem que Jesus resistiu à tentação e a vida dos que creem não é assim.  Antes, segue o curso da justiça, da piedade, da solidariedade… 

Ainda bem.

Esta crônica compõe a construção de uma peça de teatro: “A Tentação de Jesus”. Seguem alguns diálogos:

* A seguir, Jesus foi levado pelo Espírito, ao deserto, para ser tentado pelo diabo.

* E depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome…

* Levou-lhe ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles,

* e lhe disse:  Tudo isto te darei se, prostado, me adorares.

* Então, Jesus lhe ordenou:  Retira-te, Satanás, porque está escrito:

“Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto” Dt.6.13

* Com isto o deixou o diabo, e eis que vieram anjos, e o serviam.

(Mateus 4:1-11)

Autor: Nelceu A. Zanatta. Também escreveu: A paz profunda do Natal dos que não tem nada:https://www.neipies.com/a-paz-profunda-do-natal-aos-que-nao-tem-nada/

Edição: A. R.

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