Ecologia integral: o rumo da conversão

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É hora de converter a consciência para o cuidado da Casa Comum e de todos os ecossistemas. E de fortalecer a consciência de que somos terra e não apenas habitamos na terra. Cuidar dela é um compromisso de fé e uma condição indispensável para a nossa sobrevivência.

No princípio, Deus fez surgir o céu e a terra (Gn 1,1). E foi chamando à existência o conjunto da criação. Ao final, olhou para as criaturas e gostou. Viu que tudo estava bem feito e era muito bom (Gn 1,31).

Desta narrativa bíblica, três elementos chamam a atenção: a) a originalidade da obra; b) o poder do artista; c) a perfeição e a beleza da obra. Porém, no uso de sua liberdade inconsequente, o ser humano subverteu a relação com seu Criador, sendo expulso do jardim de Éden para cultivar o solo de onde fora tirado (Gn 3,23). Depois produziu o dilúvio (Gn 6-8: caos ecológico)e a babel (Gn 11, 1-9: caos social). Essas imagens e figuras de linguagem ajudam a compreender a nossa trajetória humana.

Agora estamos em um tempo estranho. O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirma que entramos na era da ebulição global. Trata-se de um estágio ainda mais caótico do que o aquecimento global.

O Papa Francisco vem repetindo ao longo dos últimos anos que a “Terra está com febre e está doente”. O relatório da Oxfam (2019) intitulado Igualdade Climática: um Planeta para os 99% alerta: “Só há um planeta em que podemos viver, até que não possamos mais”. Informa ainda que, em 2019, o 1% mais rico da população mundial produziu tanta poluição em 2019 quanto cerca de 5 bilhões de pessoas (dois terços da humanidade)[1].

As injustiças e as catástrofes socioambientais são múltiplas, bem frequentes e devastadoras.

O desmatamento, os gases de efeito estufa e a avalanche de resíduos que poluem a terra, o ar e as águas estão entre as causas dos extremos climáticos e das enchentes que estamos experimentando cada vez com mais intensidade. Nunca se ouviu dizer como agora, por exemplo, ser necessário cancelar aulas por conta das ondas de calor, no mesmo território em que o inverno apresenta temperaturas muito rigorosas. Jamais se viu, no Rio Grande do Sul, fumaça das queimadas que ocorrem na Amazônia, como foi possível ver no ano passado. Fatos que expõem uma realidade perigosa e preocupante.

Seja por amor ou pela dor, muitos se mobilizam. Mas, o apelo é para todos e para agora, como foi ressaltado na 47ª Romaria da Terra, realizada dia 4 de março em Arroio do Meio – RS, no Vale do Taquari, uma das cidades mais atingidas pelas enchentes de setembro de 2023 e maio de 2024. Com o tema “Reconstruir e cuidar da Casa Comum com fé, esperança e solidariedade”, os romeiros caminharam pela cidade sob um sol escaldante, vendo e refletindo sobre as profundas perdas e cicatrizes das enchentes.

Em sua reflexão, o bispo da diocese de Santa Cruz do Sul, dom Itacir Brassiani, conclamou a todos para colaborarem com “uma mudança sistêmica e estrutural desse modelo econômico tecnocrático, agressivo e destruidor”. E acrescentou: “se não fizermos isso, essas poucas crianças que hoje nos acompanham viverão num planeta destruído e terão um futuro inviável”!

É a advertência que o Papa Francisco faz a toda humanidade há mais de uma década. Em sua Encíclica Laudato Si, escrita em 2015, propõem a Ecologia Integral, a qual envolve as dimensões: ambiental, econômica, social, cultural, espiritual e do cotidiano. Ele enfatiza a necessidade de um cuidado especial com a saúde da Casa Comum. “Ninguém pode ser saudável em um mundo doente. Proteger o ambiente e respeitar a biodiversidade do planeta são questões que atingem a todos nós. As feridas causadas na nossa mãe terra são feridas que sangram em todos nós”.[2]

Leia mais aqui: www.neipies.com/laudate-deum-um-guia-de-leitura-em-dez-pontos/

A Campanha da Fraternidade de 2025 retoma o tema da Ecologia Integral.

Entre os grandes desafios está a conversão ecológica, conforme já a estimulava o Papa João Paulo II. É possível converter-se para melhor ou para pior, para uma direção ou para outra. Por isso, é determinante ter clareza, convicção e vontade para converter-se na melhor direção e nela permanecer. Nesses tempos em que o planeta sofre graves agressões e tem reações severas, a melhor direção é a Ecologia Integral. Para tanto, é fundamental superar os diversos tipos de negacionismos existentes. Há os que seguem negando fatos concretos, causas e consequências. E, assim, negam-se também a desenvolver qualquer ação em defesa da vida e da preservação da natureza.

É hora de converter a consciência para o cuidado da Casa Comum e de todos os ecossistemas. E de fortalecer a consciência de que somos terra e não apenas habitamos na terra. Cuidar dela é um compromisso de fé e uma condição indispensável para a nossa sobrevivência. Como afirma o grande líder indígena Ailton Krenak: “A gente não vai salvar o Planeta. Mas a gente podia fazer alguma coisa para nos salvar porque nós estamos em vias de extinção nessa balada capitalista, consumista que a gente se meteu”.

Ecologia Integral é mais do que só o estudo e o conhecimento da relação de todos os seres dentro de Gaia, o grande organismo vivo (James Lovelock), a que chamamos Casa Comum. Embora esse conhecimento seja vital, ele não pode restringir-se a mera teoria. Exige ação responsável, cuidado e proteção. A Ecologia Integral é o rumo e o horizonte da conversão essencial em tempos catastróficos. E precisa ser uma compreensão e uma atitude sistêmica e revolucionária em favor da vida!

Autor: Dirceu Benincá. Professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e do mestrado em Ciências e Sustentabilidade da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Autor do livro “Em tempos de ebulição”.


[1]. Cf. Igualdade Climática: um Planeta para os 99%. Disponível em: <https://www.oxfam.org.br/>. Acesso: 8 março 2025.

[2]. Cf. “Não podemos ser saudáveis em um mundo doente”, diz Papa. Época Negócios. 5 de junho de 2020. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Mundo/noticia/2020/06/nao-podemos-ser-saudaveis-em-um-mundo-doente-diz-papa.html>. Acesso: 8 março 2025.

Edição: A. R.

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