A ausência de valores e escolhas, ou mesmo quando temos valores que inflacionam e desinflacionam constantemente, a vida torna-se entediante, e, com isso, há perda de sentido. O que fazer diante de uma vida contaminada pela cultura do tédio? É possível, educacionalmente, criar estratégias para vencer a cultura do tédio?
A palavra “sentido” remete a muitos significados. Se formos ao Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, encontraremos 18 significações que o termo carrega em nosso idioma. Não nos interessa aqui analisar cada uma delas. No entanto, gostaria de abordar brevemente dois aspectos existenciais complementares que se tornam decisivos na abordagem que estou fazendo: trata-se dos termos “direção” e “significação”.
O conceito de direção está associado à ideia de rumo, de indicativo, de lugar futuro. Se pergunto “em que sentido devo seguir?” estou me referindo à ideia de direção, projeção, intencionalidade. Certamente, é essa “falta de sentido de direção” que tomou conta da vida de quem está imerso na cultura do tédio. O outro sentido existencial diz respeito à significação. “Uma vida com sentido é uma vida significativa […]”, diz La Taille (2009, p. 75), e é significativa porque está ancorada em valores, escolhas, metas.
A ausência de valores e escolhas, ou mesmo quando temos valores que inflacionam e desinflacionam constantemente, a vida torna-se entediante, e, com isso, há perda de sentido. O que fazer diante de uma vida contaminada pela cultura do tédio? É possível, educacionalmente, criar estratégias para vencer a cultura do tédio?
Para La Taille (2009, p. 79), “[…] somente uma cultura do sentido pode vencer uma cultura do tédio”, mas para que tal cultura se estabeleça são necessárias duas condições: i) que o sujeito se veja imerso num contexto problemático; ii) que estejam ao alcance do sujeito elementos que possam alimentar a construção de novas soluções. Concordo com La Taille que ambas as condições estão presentes no contexto atual e é sobre elas que a educação, de forma mais ampla, e a escola, de forma mais específica, ocupam um lugar de destaque.
A educação é considerada por La Taille a “atividade incontornável” para que se torne realidade a construção de uma cultura do sentido, e a escola pode ser “[…] uma verdadeira usina de sentidos” se conseguir promover espaços de convivência e de cidadania compatíveis com a cultura do sentido. Contudo, para que isso aconteça é necessário que os responsáveis de ambas (educação e escola) sejam capazes de executar tarefas imprescindíveis para a promoção da cultura do sentido.
Quem seriam esses responsáveis e quais seriam essas tarefas? Para La Taille, os responsáveis pela educação e pela escola são os adultos (pais, professores, lideranças, diretores, coordenadores), e uma das primeiras tarefas é cuidar do mundo.
Ao analisarem a tese de que estamos deixando para nossas futuras gerações uma sociedade e um planeta em péssimas condições, os franceses Denis Jeambar e Jacqueline Rémy (2006), em seu livro Nossos filhos nos odiarão, sentenciaram nosso tempo da seguinte maneira: “Uma sociedade que não cuida de seu futuro é uma sociedade que não ama seus filhos.” Ancorado nas considerações dos escritores franceses, La Taille (2009, p. 82-84) analisa a contradição dos que hoje comandam o Planeta: “Quando jovens, os adultos que hoje têm entre 45 a 65 anos, contestaram o conformismo de seus pais […]”, criticaram a sociedade individualista, consumista e autoritária que os tornavam vítimas; quando esses jovens cresceram, “ocuparam seu lugar no mundo do trabalho, criaram famílias, desenharam contornos de convivência, se alimentaram do planeta e dirigiram a educação.”
A contradição reside na ação diametralmente oposta aos ideais que pregavam 40 anos atrás: de contestadores do egoísmo e individualismo construíram uma sociedade hiperindividualista e de relações sociais fragmentadas; de críticos à sociedade do consumo, produziram uma verdadeira bulimia de consumo; de proclamadores da paz e do amor, elegeram a agressão e a violência como características normais de convivência; de zombadores da segurança dos seus pais, vivem hoje na fantasiosa segurança dos condomínios fechados e das companhias de seguros; exigiram a valorização dos jovens e inventaram o culto da juventude, mas hoje descuidam da educação, direito fundamental para uma juventude autêntica. Penso que mais uma vez são apropriadas as palavras dos escritores franceses Denis Jeambar e Jacqueline Rémy (2006, p. 8) quando dizem:
Tivemos todos os trunfos na mão, exercemos sem piedade nosso direito de inventário sobre os valores que as gerações anteriores nos haviam transmitido, crescemos em uma sociedade em plena expansão econômica. E que futuro preparamos para nossos filhos? Somos a primeira geração que legará à próxima menos do que recebeu da anterior. (JEAMBAR; RÉMY apud LA TAILLE, 2009, p. 84).
O que deu errado?
Qual foi o caminho torto que escolhemos para chegar a essa situação que tanto nos amedronta? Como promover uma cultura do sentido diante de uma realidade que está se tornando pesadelo?
Para La Taille (2009, p. 86), “[…] não há ‘cultura do sentido’ sem educação para o sentido.” Para que isso aconteça é necessário reabilitar a verdade; dar crédito à autêntica política; denunciar a falsidade dos apelos publicitários; desmascarar a perversidade dos falsos ídolos; ser mais precavido diante do entusiasmo ingênuo que muitos têm em relação aos meios tecnológicos; ser mais cuidadoso com os julgamentos precipitados e, por isso, preconceituosos; recolocar o conhecimento como âncora essencial do ato educativo; e possibilitar “[…] às novas gerações uma bagagem intelectual sólida.” (LA TAILLE, 2009, p. 101).
Referências:
LA TAILLE, Y. de. Formação ética: do tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed, 2009.
Autor: Altair Alberto Fávero – altairfavero@gmail.com Professor do Mestrado e Doutorado em Educação – UPF. Também escreveu e publicou no site “Quando a cultura do tédio toma conta da vida”: www.neipies.com/quando-a-cultura-do-tedio-toma-conta-da-vida/
Edição: A. R.