Educação inclusiva deve ir além dos alunos e se estender também aos professores

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Mesmo com avanços na legislação, ainda há muito a ser feito para garantir a inclusão de quem ensina. (Matéria de Carol Firmino, da Revista Nova Escola)

Embora os debates sobre acessibilidade nas escolas se concentrem muitas vezes nos estudantes, a questão sobre professores com deficiência também faz parte das discussões sobre Educação inclusiva. É igualmente importante refletir sobre as condições de trabalho dos docentes que enfrentam esses desafios. Hoje, eles ainda encontram uma série de barreiras, desde a falta de infraestrutura nas instituições até a ausência de políticas públicas que garantam de fato a inclusão.

Para que haja a real integração de todos os indivíduos no ambiente escolar, independentemente de suas características, o local deve ser acessível e acolhedor também para os professores com deficiência. Isso inclui desde adaptações físicas nas escolas, como rampas e elevadores, até tecnologias assistivas, materiais pedagógicos adequados e um ambiente que valorize a diversidade. Apesar de alguns avanços, como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), de 2015, muitos professores precisam superar obstáculos diários para exercer sua profissão.

Desafios persistentes

A LBI é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Mas, segundo Talita Delfino, coordenadora pedagógica na rede municipal de São Paulo e mestre em Educação, os resultados de seu estudo “Atividades e grupos: formação de professores, pessoas com deficiência, desigualdade” indicam que há uma longa distância a ser percorrida quando se trata dessas condições igualitárias. 

A pesquisa, que focou na capital paulista, apontou que apenas 0,05% dos professores do município têm algum tipo de deficiência, indicando estar longe do que prevê a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei nº 8.213/1991). Conforme a legislação, as empresas privadas de todo o país devem reservar entre 2% e 5% das vagas para pessoas com deficiência ou reabilitadas, conforme o número total de empregados. O índice também fica longe do que determinam a Lei nº 8.112/1990 e o Decreto nº 9.508/2018, vigentes no setor público, que estabelecem que concursos federais, estaduais ou municipais precisam separar, no mínimo, 5% e até 20% das vagas para PCDs, sempre que houver essa possibilidade.

Porém, há muitos desafios para a plena implementação dessas leis, principalmente em relação à adaptação dos ambientes e à capacitação para receber os profissionais de maneira adequada.

No caso da docência, Talita explica que essas dificuldades já se iniciam antes mesmo da contratação e do ingresso na carreira: “São etapas violentas e arbitrárias, na medida em que há mecanismos violentos para fazer o candidato comprovar reiteradas vezes que tem uma deficiência. E a cada questão de saúde, sua capacidade laboral é posta à prova, ainda que não haja qualquer relação com o quadro clínico”, diz. Uma professora com mobilidade reduzida entrevistada por Talita relatou que já recebeu questionamentos sobre sua competência até mesmo em uma perícia por gripe. 

Preconceito e ausência de políticas públicas

Em Brejo Santo (CE), Maria Luciana Alves Lima Rocha, que tem baixa visão, é professora e formadora da rede municipal. Ela conta que, apesar de não ter enfrentado muitas dificuldades para entrar no mercado, pois é concursada, percebe a ausência de políticas públicas para professores PCDs. Ela comenta que muitos costumam ser desviados de sua função ou até mesmo afastados ao atestar uma deficiência. 

No seu dia a dia, Maria considera que um dos maiores obstáculos está relacionado à tecnologia assistiva , pois a disponibilidade de ferramentas ainda é limitada. Esse tipo de tecnologia visa compensar limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, proporcionando maior independência e inclusão. “Em 2023, participei de uma formação para pessoas com deficiência visual com dois professores que têm cegueira. Só assim consegui ampliar meus conhecimentos para usar as [poucas] ferramentas disponíveis. Por exemplo, quando o material didático usado em sala traz letras muito pequenas, eu as amplio com o tablet.”

Além disso, a dúvida sobre a competência dos educadores PCDs, muitas vezes, é reproduzida pelos pares, que não confiam 100% na condução das turmas por esses profissionais. “Existe o preconceito de acharem que sou menos capaz porque enxergo menos e uso óculos com grau alto. Certa vez, uma colega disse que eu não serviria para determinada atividade porque não enxergava de longe”, completa. 

Trabalhando com autonomia

Professora na EM Terezinha Picoli Cezarotto, em Cascavel (PR), Angela Maria de Souza tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e faz parte da rede Conectando Saberes (CS) da Comunidade NOVA ESCOLA. Ela recorda que, ainda como aluna do Ensino Médio, a atenção que recebeu de uma educadora a fez perceber que era alguém capaz e inteligente. “Despertou em mim um interesse pela aprendizagem que antes não existia. Esse apoio emocional me encorajou a buscar conhecimentos e a desenvolver uma nova relação com a escola, que, até então, eu via com desconfiança.” 

Mais tarde, trabalhando com alunos pequenos, Angela diz que passou a perceber a importância de um olhar sensível e inclusivo na Educação. “Compreendi que não se tratava apenas de ensinar conteúdos, mas de construir um ambiente acolhedor, onde cada criança pudesse se sentir valorizada e segura”, destaca. 

No entanto, ela lembra que o mercado de trabalho lhe apresentou desafios, como a necessidade de ressignificar sua comunicação e interação com outros professores, por mais que tenha encontrado apoio: “A maioria deles respeita minhas limitações e oferece suporte sempre que necessário. Mas sei que ainda existem pessoas que estão em processo de desenvolvimento da empatia e compreensão sobre o tema.” 

Entre as adaptações que Angela considera importantes para que mais professores com deficiência possam atuar de maneira autônoma e segura, ela cita:

  • no que se refere às condições físicas, é fundamental que as escolas tenham estruturas acessíveis, com espaços que permitam a circulação de todos, independentemente de suas necessidades. Isso inclui rampas, banheiros adaptados, mobiliário etc.;
  • do ponto de vista pedagógico, é necessário formação continuada que capacite os profissionais da Educação a lidar com diferentes realidades, por meio da troca de experiências e práticas entre colegas, além de workshops que ajudem a desmistificar preconceitos;
  • em relação aos recursos tecnológicos, usar ferramentas que facilitem o registro de atividades e a comunicação, como softwares de transcrição, programas de leitura e plataformas de ensino a distância, podem contribuir com o trabalho do professor, permitindo que ele se concentre mais na interação com os alunos. Recursos adaptativos, como quadros digitais interativos e dispositivos móveis, também podem enriquecer o ambiente de aprendizado.

A presença de professores com deficiência nas escolas é um dos caminhos para desenvolver uma sociedade mais inclusiva, diversa e equitativa. Esses profissionais não só desempenham seu papel no processo educacional, como também trazem consigo contribuições únicas que enriquecem a experiência de aprendizagem dos alunos. 

“Quando os estudantes veem um professor com deficiência atuando ativamente em sua função, há uma quebra de estereótipos e preconceitos, mostrando que as limitações não definem a capacidade de alguém”, defende a professora Angela. “Essa visão inclusiva também ajuda a promover o sentimento de empatia e aceitação entre as crianças, preparando-as para interagir de maneira mais respeitosa e solidária com a diversidade que existe no mundo.”

Por Carol Firmino

16/10/2024

FONTE: https://novaescola.org.br/conteudo/21970/educacao-inclusiva-deve-se-estender-tambem-aos-professores?

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