Educação: prioridade ou interesses em disputa?

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A educação baseada em testes, reconhecimentos e premiações meritocráticas, agravará as desigualdades regionais e educacionais vigentes.

Durante a campanha eleitoral em 2022 e, agora, ao iniciarmos o novo ano de 2023, com novos governos (re)eleitos e empossados, a Educação será de fato e de direito uma prioridade ou continuará uma arena de disputa de interesses de direção política e cobiça dos fundos públicos?

Na coluna de agosto de 2021,  Não há mágica em educação, afirmamos que a educação é processo complexo, cujos resultados dependem do bom funcionamento de um conjunto de instituições de cada sociedade e de um longo tempo de desenvolvimento.

Ela precisa, também, estar assentada em um projeto de país; e não se desenvolve em sociedade em que as disparidades de renda são elevadas e inexista oportunidades iguais para todos.

Após quatro anos de uma gestão federal que destruiu a educação no país, o novo governo, seja pelo seu passado bem como pelo programa apresentado, nos permite sonhar e esperançar que vamos cuidar melhor da educação, dos estudantes e dos profissionais da educação, especialmente no âmbito nacional.

Porém, não podemos tolerar mais meras promessas governantes, mas exigirmos, enquanto sociedade, políticas públicas de estado, programas e ações construídas coletivamente pelas comunidades escolares e acadêmicas.

Não é suficiente repetir velhas promessas que a “educação será prioridade”, que “vamos arrumar as escolas”, que se dará “ênfase à formação de professores” para “disputar a atenção do aluno com o TikTok, o Instagram e outras redes sociais”, através de novas técnicas, de revisão de conceitos e melhores condições para que “professores cumpram a sua função”, conforme manifestações iniciais do governador reeleito do RS.

Os problemas estruturais da educação brasileira e gaúcha são muito mais complexos.

Sem escutar e dialogar com estudantes e professores; sem valorização e melhores condições de trabalho dos professores; sem enfrentamento das desigualdades sociais e educacionais; sem combate a fome de crianças e adolescentes; sem retomada e cumprimento das metas do PNE e do PEE, sem ampliação de investimentos nas escolas públicas, tais promessas e medidas não irão tornar nossa educação melhor e com a qualidade social necessária.

Destaco três paradoxos em curso no sistema educacional que, se não equacionados, persistiremos em um modelo educacional excludente da grande maioria dos estudantes (86%) matriculados nas redes públicas de ensino: escola de inclusão versus escola de avaliação; educação emancipatória versus educação reacionária e, escola que educa pela ciência versus escola do empreendedorismo individual.

A escola de inclusão versus escola de avaliação

Há evidências que se acentuaram, tanto no processo eleitoral bem como na transição do MEC, a disputa de um projeto de educação e de escola baseado nas avaliações de desempenho (testes, provas, IDEB, PISA, SAEb, notas), da educação meritocrática, da formação para o empreendedorismo e o sucesso profissional individual, da educação mediada por tecnologias e ofertada em plataformas digitais.

Este modelo é oriundo das experiências fracassadas nos EUA, apoiando internacionalmente pela OCDE e, no âmbito nacional, com forte atuação das Fundações e Institutos empresais e o movimento Todos pela Educação. Esses atores disputam a direção política, pedagógica, os fundos públicos da educação e a formação dos estudantes.

Contrapondo, o campo da educação popular e democrática, representado por entidades científicas e educacionais, reafirmam que a educação nacional pública (com gestão pública, gratuita, laica, inclusiva, democrática e de qualidade social) é o sustentáculo das sociedades democráticas e soberanas.

Assim, não se pode admitir que a educação pública seja gestada por um paradigma empresarial com a apropriação dos recursos públicos (Fundeb), em detrimento dos serviços públicos de qualidade de que a imensa maioria do povo brasileiro necessita e que, com os últimos governos e suas iniciativas, foram sucateados e destruídos.

Considerando que o Brasil é um dos países com maior desigualdade histórica e estrutural do planeta, precisamos definir que projeto de nação queremos construir, que projeto de desenvolvimento social, econômico e ambiental adotaremos e, como a educação comporá e contribuirá com este projeto de sociedade.

O Brasil e seus estudantes precisam de uma educação com mais inclusão e menos avaliação de desempenhos. A educação baseada em testes, reconhecimentos e premiações meritocráticas, agravará as desigualdades regionais e educacionais vigentes.

A Educação da emancipação versus educação da precarização

A educação emancipatória e transformadora é aquela em que as escolas, pais, docentes, autoridades públicas, profissionais, gestores e a sociedade em geral, primam pela construção de um olhar crítico e emancipatório de crianças e adolescentes, promovendo a autonomia intelectual, ética e política dos estudantes.

Paulo Freire compreendia que o sujeito aprende para se humanizar. “Se aprende na relação com o outro, no diálogo com outro, na aproximação dele com o conhecimento do outro. Esse aprender coletivo tem a ver com o conhecimento sistematizado pelas outras pessoas. Saber que você precisa escutar e aprender com o outro é fundamental para romper com uma lógica de educação tradicional”.

Portanto, parte-se do princípio que empoderar o estudante para que ele possa se perceber como sujeito transformador da realidade, visto que se aprende para se emancipar e transformar a realidade que estamos inseridos, mais ainda a realidade excludente como a brasileira.

Porém, a lógica das reformas educacionais pós 2016 (BNCC e reforma do novo ensino médio) em implementação no Brasil assentam-se em uma perspectiva restrita e instrumental de uma formação técnica e qualificação profissional precoce crianças e jovens-adolescentes, através de uma pedagogia única das competência e habilidades, de forma submissa ao precário mercado de trabalho neoliberal.  

Da educação infantil à pós-graduação, habilidades e competências são desenvolvidas para atender aos interesses desse tal mercado. Do trabalhador de semáforo nas ruas, do jovem adolescente vendedor de balas que deveria estar numa escola acolhedora, passando pelo novo currículo das escolas do ensino médio, prepondera a mantra e o discurso falso da formação empreendedora e inovadora enquanto redentoras da realidade brasileira que ainda não universalizou a educação básica para os jovens adolescentes.

A escola que educa pela ciência versus negacionismo

A educação, a ciência e a cultura, na gestão de Bolsonaro (2019-2022), foram profundamente impactadas pelo negacionismo ideológico e por um pensamento fascista estruturado deliberadamente, com apoio e/ou conivência de milhões cidadãos brasileiros.

O combate à “ideologia de gênero”, o programa “escola sem partido”, a educação moral e cívica, o ensino religioso nas escolas públicas, a militarização das escolas públicas – por meio do Programa escola Cívico-militares – e, a educação domiciliar, constituíram o “Projeto Reacionário de Educação”, segundo historiador Luiz Antônio Cunha.

Esse posicionamento anti-intelectualista, contra a ciência e contra a cultura nacional, é característico de governos autoritários que chegam ao poder por vias populistas, mas se sentem ameaçados pela liberdade de pensamento, especialmente a liberdade de imprensa e a liberdade de cátedra.

A eleição e posse do novo governo gerou um ambiente de otimismo, esperança e necessidade restabelecer várias políticas educacionais estruturais de Estado – não de governo. Essas políticas devem abranger todas as áreas, da educação infantil a pós-graduação, escutando e legitimando as iniciativas pela participação da sociedade, em regime de colaboração com os entes federados, instituindo um  Sistema Nacional de Educação (SNE) e reafirmando um projeto de nação autônomo, democrático, justo e ambientalmente sustentável.

Somente um educar através da ciência – de todas as ciências – é capaz de contrapor o projeto negacionista e reacionário em curso e que sobrevive em grande parcela da população brasileira. Precisamos mais pesquisa e menos aula. O estudante precisa reconstruir conhecimento com os professores. A Pesquisa como estratégia pedagógica, é fundamental para motivar o surgimento do saber pensar, da habilidade de questionar, confrontar ideias e praticar a reflexão coletiva na diversidade humana.

O acesso à educação enquanto direito de todos brasileiros é responsabilidade de todos entes federados (União, Estados e Municípios) e da sociedade, pensada e ofertada em espaços comuns, com liberdade de pensar, ensinar e imaginar. A contribuição de organismos e entidades empresariais não pode sobrepor-se as instituições de ensino (escolas e universidades), pois quem mais entende de educação são os seus sujeitos: educadores e educandos.

Na Finlândia, jamais um CEO, militar, empresário ou especialista alheio a educação seria ministro, secretário ou diretor de escola ou universidade.

Naturalmente que os problemas e os desafios da educação nacional são muito maiores e complexos que estes três paradoxos e modelos de educação que abordamos. O Financiamento, a descontinuidade das políticas públicas e o descumprimento dos Planos Educacionais é tão mais grave quanto a disputa de interesses privados pelo controle da formação de dezenas de milhões de crianças e jovens com sonhos e projetos que o “tal mercado” não entregará.

Um Feliz e promissor 2023 para a Educação, Ciência e Cultura no Brasil.  Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!

Autor: Gabriel Grabowski

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