A história não se abre e fecha por si, são os homens e mulheres em luta que abrem e fecham o circuito da história” (Florestan Fernandes, 1977)
Para o professor, antropólogo e sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) o que se tem chamado de desenvolvimento no Brasil, em realidade, não passa de um processo de modernização e de capitalismo dependente, no qual a classe dominante brasileira.
Uma minoria prepotente que se associa ao grande capital, abrindo-lhe espaço para sua expansão. Isso resulta na combinação de uma altíssima concentração de capital para poucos com a manutenção de grandes massas na miséria, o alívio da pobreza ou um precário acesso ao consumo, sem a justa partilha da riqueza socialmente produzida.
O filósofo e educador Gaudencio Frigotto (UFRJ/Uerj) considera que a síntese do sociólogo Florestan, feita há décadas, ganha hoje um realismo sem precedentes.
A classe dominante brasileira, pequena, autoritária, racista, moralista, antipovo, anticlasse trabalhadora, antiEducação e Ciência, humanamente rasa e insensível sustenta, no momento presente, um (des)governo que nos transforma cada vez mais em um país gigante com pés de barro.
Logo, para o projeto da “elite do atraso”, destruir a Educação e a Ciência brasileira é necessário.
O novo bloqueio de 14,5% (R$ 3,8 bilhões) no orçamento das universidades federais em 27 de maio deste ano é emblemático e confirma a tese de redução contínua e sistemática, desde 2016.
Esse corte atinge os valores orçamentários de custeio e o investimento, conforme denuncia a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes):
“após todo o protagonismo e êxitos que as universidades públicas demonstraram até aqui em favor da ciência e de toda a sociedade no combate e controle direto da pandemia de covid-19; após o orçamento deste ano de 2022 já ter sido aprovado em valores muito aquém do que era necessário, inclusive abaixo dos valores orçamentários de 2020; após tudo isso, o governo federal ainda impinge um corte de mais de 14,5% sobre nossos orçamentos, inclusive os recursos para assistência estudantil, inviabilizando, na prática, a permanência dos estudantes socioeconomicamente vulneráveis, o próprio funcionamento das instituições federais de ensino e a possibilidade de fechar as contas neste ano” (Andifes).
Esse projeto em curso do governo brasileiro confronta-se com as propostas da III Conferência Mundial de Educação Superior (CMES) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) transcorrida em maio, na cidade de Barcelona, Espanha.
Foram destacados nesta conferência os valores que criaram as universidades, tais como: o ideal humanista, a emancipação por meio do conhecimento, a liberdade, os direitos humanos, a justiça e a paz.
As universidades sempre foram forças fundamentais para transformar a própria sociedade e a realidade em que estão inseridas.
A CMES 2022 revisitou e reafirmou a missão das universidades: formação de cidadãos globais preparados para atuar na complexidade; geração e compartilhamento de conhecimento, ciência aberta e abordagens transdisciplinares; engajamento social, desenvolvimento e responsabilidade ética.
Desmonte
Enquanto isso, no Brasil, a Rede Pública Federal composta de Universidades e Institutos Federais vêm sendo sistematicamente fragilizada e inviabilizada.
Paralelamente, o segmento educacional privado, com dois terços das matrículas do ensino superior, sob o efeito da financeirização, da EaD e sob ataque dos empresários do setor, colocam os professores enquanto categoria em extinção nessas faculdades.
Vejamos algumas evidências:
O mais recente Censo de Educação do Ensino Superior, divulgado em maio ano, registrou a primeira queda de matrículas nas universidades federais (UFs) brasileiras desde 1990.
No período de 2019 a 2020, o número de estudantes que entraram no ensino superior pelas UFs passou de 1,3 milhão para 1,2 milhão.
E, ainda, cerca de 270 mil estudantes suspenderam a graduação por tempo indeterminado. Essa queda de matrículas é, em parte, explicada pela redução dos investimentos nas instituições e suspensão das políticas apoio estudantil;
Já as instituições privadas registraram aumento no número de ingressantes, chegando a corresponder a 86% do total das matrículas no ensino superior em 2020.
Porém, 53,4% desse ingresso ocorreu no ensino a distância, foram mais de 2 milhões de estudantes que se matricularam no ensino remoto, enquanto 1,7 milhão de estudantes, cerca de 46,6%, ficaram no ensino presencial.
Modelo de negócios
Para Andrea Harada, Gabriel Teixeira e Plínio Gentil, em recente artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, o mercado educacional se converteu e se consolidou como modelo de negócios, atraindo investidores de toda natureza (muitos sem vínculo com a educação), sem qualquer relação com a democratização do ensino superior, com a redução das desigualdades ou com o desenvolvimento do país.
Na realidade, representam a efetiva oportunidade de valorização dos capitais privados de várias partes do mundo e, os estudantes, são tratados como ativos financeiros e, os docentes, como custos a serem eliminados.
Porém, neste ano decisivo para o futuro do país, a educação é novamente vítima de falácias eleitorais.
Os mesmos governantes e políticos que descumpriram os percentuais constitucionais de investimentos em educação, que reduziram gastos inclusive na pandemia, que apoiaram e aprovaram cortes orçamentários nas verbas da educação e da ciência, realizam novas falsas promessas da educação enquanto prioridade.
Princípios
Cabe registar que princípios como honestidade, coerência e compromisso com a educação não são negociáveis.
A primeira atitude séria deve ser alçar a educação e a ciência brasileira ao status de Política de Estado, fora do teto de gastos, impedindo ingerências político-eleitoreiras e de governos transitórios.
A primeira coisa a fazer para resolver um problema é admitir que ele existe.
A segunda é identificar sua origem e, a terceira, resolver a causa originária; no caso, os oportunistas e falaciosos defensores da educação.
É inadmissível que os cargos de ministros e secretários de educação sejam ocupados por pessoas alheias às escolas e às universidades.
Quem conhece e faz a educação são os professores. Jamais um CEO, um militar, um pastor, um técnico ou empresário deveria responder por essas funções educacionais, a exemplo das melhores experiências internacionais.
A nossa Constituição Federal (CF) de 1988 aponta os fundamentos da República brasileira: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.
A mesma Constituição define os seus objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigos 1º e 3º).
É nela, também, que consta a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, visando à garantia do pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (artigo 205).
Para que esses fundamentos e objetivos do Estado democrático se concretizem e a educação de qualidade se efetive, é necessário garantir o atendimento aos princípios do artigo 206:
– igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
– pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
– gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
– valorização dos profissionais da educação, com planos de carreira e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
– gestão democrática do ensino público;
– padrão de qualidade;
– e piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação pública, nos termos de lei federal.
Já dizia Florestan Fernandes: o intelectual, seja professor ou pesquisador, não cria o mundo no qual vive. Ele faz muito quando consegue ajudar a compreendê-lo, como ponto de partida para a sua alteração real.
Portanto, não será com privatização da educação, nem com educação a distância, muito menos com ensino domiciliar (homeschooling), com pactos paralelos pela educação, com educação meritocrática ou empreendedorismo individual (“Crie o impossível”) que vamos priorizar a educação como pilar para reconstruir e transformar o Brasil.
Portanto, estas eleições oportunizam substituir as bancadas da “bala”, “evangélica” e similares por representações legítimas e qualificadas de professores, cientistas, jovens estudantes e gestores de escolas e universidades.
A decisão está em nossas mentes e em nossas mãos. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!
Autor: Gabriel Grabowski
FONTE: Educação superior: mais retrocessos e falácia eleitoral – Extra Classe
Edição: Alexsandro Rosset