O paradoxo da educação é que se ela acaba por reproduzir desigualdades, sem ela não há a menor esperança. Políticas públicas é que podem e devem tornar a corrida mais igualitária.
Educar para quê? O tema é clássico. Emancipação ou reprodução das desigualdades vigentes?
Odiado pela direita, Paulo Freire apostava todas as suas fichas na emancipação. Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron também trataram disso, em “A reprodução” (1970). De lá para cá, tudo mudou? Não. Basta ler os jornais para saber que tudo muda para não mudar tanto assim.
Os adeptos da ideologia tecnicista acreditam que basta a tecnologia mudar para que tudo mude, surgindo democracia virtual e educação igualitária. Triste ilusão.
Um título da Folha de S.Paulo do último domingo joga uma pá de cal em cima do otimismo de muita gente desinformada ou cruel: “Elite brasileira capturou até 65% dos ganhos com educação nos últimos 40 anos”.
Em poucas palavras, um mesmo diploma premia de modo diferente os mais pobres e os mais ricos, os homens e as mulheres, os brancos e os não brancos. Resumo da tragédia: os 10% mais ricos ganham 50% mais do que os mais pobres mesmo com a mesma formação.
Quem quiser saber mais sobre isso, que dê um Google e procure a pesquisa de Guilherme Lichand e Maria Eduarda Perpétuo, da Universidade de Zurique (Suíça) e Priscila Soares, da Universidade de São Paulo. Está tudo lá.
Acesse aqui: https://politicalivre.com.br/2022/11/elite-brasileira-capturou-ate-65-dos-ganhos-com-educacao-nos-ultimos-40-anos/
Houve um tempo em que se podia sonhar com um efeito quase automático da educação para gerar igualdade. Uma declaração de Guilherme Lichand, destacada pela Folha de S.Paulo, dá o tom: “Pelos resultados, podemos observar que, se duas pessoas conseguem um diploma de ensino médio, ambas vão ter recompensas pelo investimento de tempo e dedicação, mas essa diferença é 50% maior se uma delas for da elite”.
Como dizia Pierre Bourdieu, nas suas aulas no Collège de France, para desespero de muitos: “O dinheiro costuma procurar o dinheiro, a elite tende a se reproduzir”.
Parece, de certo modo, a corrida entre a lebre e a tartaruga no sentido inverso ao abordado pelo escritor argentino Jorge Luis Borges: a tartaruga corre um centímetro, a lebre salta um metro.
Lichand faz a demonstração: “De 1980 até 2021, vimos saltos nos anos de estudo. Uma fatia maior da população em idade produtiva concluiu o ensino fundamental (passando de cerca de 20% para 80%), médio (de 15% para 65%) e superior (de perto de zero para cerca de um quinto). Como mais gente começou a se escolarizar, o prêmio pela formação diminuiu na média”.
Na fábula hiperlógica de Borges, era a tartaruga que, por ter largado na frente, ganhava. Se a lebre corria um metro, a tartaruga movia-se um centímetro e continuava levando a melhor. Na dita vida real, as lebres da elite, mesmo quando carregam o mesmo diploma na pasta, correm sempre bem na frente. É o que se chama de vantagem estrutural.
O sistema privilegia os donos do sistema por mecanismos de transferência oficiosa de vantagens. Ainda bem que existem brechas.
O paradoxo da educação é que, se ela acaba por reproduzir desigualdades, sem ela não há a menor esperança. Políticas públicas é que podem e devem tornar a corrida mais igualitária.
Não é suficiente fazer discurso sobre a política e a democracia, não é o bastante deixar registrado em projetos educativos a exaltação da política para que, de fato, a instituição de ensino atinja este objetivo. É preciso eliminar a diferença e a distância entre a intenção e a ação. (Autor José André da Costa) Leia mais: https://www.neipies.com/a-dimensao-politica-da-educacao/
Autor: Juremir Machado da Silva