Educar para compreender a transcendência

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Muito mais que “treinar” para o mercado de trabalho, ou simplesmente fazer de conta que estamos escolarizando as novas gerações, um dos compromissos fundamentais dos educadores comprometidos é pensar a transcendência, para a projeção de um ser humano melhor, para construção de uma sociedade solidária, para a formação de um cidadão comprometido com a vida.

Em seu livro Tempo de transcendência, Leonardo Boff nos diz que o ser humano é um projeto infinito. Apesar da finitude ser inerente à condição humana, pois somos seres que caminhamos para a morte, o homem busca o infinito, e aí reside a dimensão da transcendência.

No dizer de Boff, “somos seres de enraizamento e seres de abertura” (imanência/ transcendência). “A raiz nos limita porque nascemos numa determinada família, numa língua específica, com um capital limitado de inteligência, de afetividade, de amorosidade”. Esta é nossa dimensão de imanência. “Mas somos simultaneamente seres de abertura”, pois ninguém segura os pensamentos, ninguém amarra as emoções, ninguém é capaz de aprisionar-nos totalmente. “Mesmo que os escravos sejam mantidos nos calabouços e obrigados a cantar hinos à liberdade, são livres, porque sempre nasceram livres, e sua essência está na liberdade”. Esta é a nossa dimensão da transcendência que nos possibilita romper barreiras, superar os interditos, ir além de todos os limites.

Poderíamos citar muitas situações de transcendência. Exemplos que emergem do cotidiano, que são narrados na literatura, na poesia, na ficção, na dramaturgia, nas obras de arte, na música.

O próprio Leonardo Boff cita vários na belíssima obra acima referida. Experiências que vão desde o enamoramento até a descrição dramática das memórias de Rudolf Hess, diretor nazista do campo de extermínio de Auschwitz, que mandou mais de um milhão de judeus para as câmaras de gás. Boff capta em suas memórias, escritas antes do seu julgamento em Nuremberg, o momento de transcendência dele. Foi quando mandou para a câmara de gás uma mulher com 5 filhos. A mulher suplicou de joelhos para que ele poupasse as crianças. Ele ficou perplexo por um momento, mas com um gesto brusco mandou que levassem todos. É nesse momento que, no relato das suas memórias, ocorre a transcendência.

Ele comenta: “Aquele olhar da mulher não posso jamais esquecer. Ele me persegue sempre, até os dias de hoje, porque havia nele tanto enternecimento, tanta súplica, tanta humanidade, que eu me senti o inimigo da própria humanidade”. Eis uma profunda e dramática experiência de transcendência, possível, pelo reverso, até no nazismo mais brutal.

Podemos dizer, para finalizar que a transcendência é talvez o desafio mais secreto e escondido do ser humano e, portanto, um grande tema filosófico.

Como nos diz com todas as letras Leonardo Boff, o ser humano “se recusa a aceitar a realidade na qual está mergulhado porque se sente maior do que tudo o que o cerca. Com seu pensamento, ele habita as estrelas e rompe todos os espaços. Essa capacidade é o que nós chamamos de transcendência, isto é, transcende, rompe, vai para além daquilo que é dado. Numa palavra, eu diria que o ser humano é um projeto infinito”.

Pensar a transcendência, compreendida a partir do que foi rapidamente exposto acima, talvez constitua um dos mais importantes papéis de todo aquele que tem a reponsabilidade da formação das novas gerações e uma tarefa intransferível do pensamento filosófico.

Muito mais do que “treinar” para o mercado de trabalho, ou simplesmente fazer de conta que estamos escolarizando as novas gerações, um dos compromissos fundamentais dos educadores comprometidos é pensar a transcendência, para a projeção de um ser humano melhor, para construção de uma sociedade solidária, para a formação de um cidadão comprometido com a vida.

Autor: Altair Alberto Fávero

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