Não havia até então me dado conta: meu pai era um valente! Que façanha difícil a dele. Sim, meu pai era um valente!
Para mim, quando menino, meu tio João era um valente. Já adulto, ao contar as façanhas que a mim justificavam o título que outorgara a ele, surpreendi-me ao incluir o tango.
Era valente por tomar mate fervendo, por dormir com revólver embaixo do travesseiro, por ser indigenista, por ter tido um negócio que o obrigava a dirigir um moderno caminhão em altíssima velocidade, ida e volta São Paulo/Buenos Aires.
E qual era o vínculo dele com o tango e o do tango com a valentia?
Bem, diziam que tio João dançava tango como um argentino e que tinha um caso com uma dançarina de Buenos Aires. Lembrei que na minha infância o tango era coisa muito séria, o escutávamos nas ondas curtas das rádios portenhas, e entendi um pouco mais ao ler Borges explicar a missão do tango: “Dar aos argentinos a certeza de terem sido valentes, de terem já cumprido com as exigências da valentia e da honra”.
Já com meu pai, Wolmar Salton, a surpresa que tive foi outra.
Não o via como valente. Simplesmente não o avaliava nesse quesito. Mas, numa noite em que eu, menino de uns oito ou nove anos, assisti assustado a meus familiares próximos e não tão próximos em desavença, fui levado a avaliá-lo. Parecia que todos tinham perdido a razão: acusações gritadas, choros raivosos… Tentei me desangustiar indo a uma janela. A noite era muito escura. Felizmente, como na foto de Jussara Gomez, algumas luzes (ou lucidezes) surgiram em meio ao tumulto.
Meu pai. Sim, meu pai manteve-se calmo e sereno. Ouviu a todos e, com poucas palavras (e acredito hoje que mais com sua postura), conseguiu que o ambiente sossegasse. A paz voltou, todos foram para seus cantos e com eles o meu medo. Como se luzes tivessem acendido na escuridão.
Puxa! Como ele conseguiu não se deixar abalar e conseguiu manter-se equilibrado? Não vacilou em momento algum, apenas algumas vezes assobiou baixinho. Fiquei impressionado ao perceber nele uma fortaleza, um homem “homem”!
Não havia até então me dado conta: meu pai era um valente! Que façanha difícil a dele. Sim, meu pai era um valente! Só quando adulto consegui definir sua valentia. E achei-a – até hoje acho – a de maior valor. Ele era valente de alma!
Autor: Jorge Alberto Salton