Em dúvida quanto à intenção do outro, devo agir como se ele fosse mau ou bom?

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strong black man

Procuro decidir com base nas probabilidades e não nas possibilidades. Por exemplo: é possível que eu, digamos, iniciando uma viagem, possa sofrer um acidente de carro, mas não é provável que isso aconteça. Posso, então, viajar.

Estou num apartamento em reformas, em um andar muito alto de um prédio ainda inacabado de uma grande cidade. Fim de tarde. Os trabalhadores foram embora.

De repente, me vejo sozinho, na sala da frente, com um homem muito musculoso que ri sadicamente para mim e bate lenta e repetidamente na palma da mão esquerda um cano grosso de ferro, que segura com firmeza com a mão direita. Um frio corre pela minha espinha. Vou morrer, é óbvio. Não sou páreo para ele.

É tão forte e seguro de sua força que, sempre rindo, faz um sinal com a cabeça indicando, no chão, um cano semelhante. Quer me matar numa luta, suponho. Abaixo-me para pegar o cano e penso: minha única chance é bater primeiro.

No mesmo movimento de erguer o corpo com toda a força, movo os dois braços segurando o cano e atinjo sua cabeça. Ele cai.

Batem na porta. E agora? O que fazer?

Ergo o corpo morto. É tão leve quanto um balão. Levo-o à sacada e jogo-o num terreno baldio que descubro existir ao lado do prédio.

Aflito, pergunto-me se devo me apresentar à polícia ou aguardar, na expectativa de que não me descubram. Sei que tudo depende da explicação convincente que eu conseguir criar.

Esse sonho, na verdade pesadelo tipo Stephen King, me trouxe culpa: será que ele me mataria ou apenas estava a mostrar algum defeito no cano que segurava e no que estava no chão? Porém, havia indícios de que se tratava de alguém perigoso: sorriso sádico, mutismo, músculos à vista, aparecer de surpresa.

O busílis da questão: se deduzi certo, agi certo, minha única chance de sobreviver estava na atitude de atacar primeiro. Mas, se deduzi errado, matei, no sonho, um operário da construção civil, no final da tarde de uma grande cidade, quando estava a mostrar canos defeituosos.

O pesadelo — felizmente foi pesadelo, nada mais que pesadelo — me colocou frente a esta questão: se estamos em dúvida quanto à intenção do outro, devemos agir como se ele fosse mau ou como se ele fosse bom?

Procuro decidir com base nas probabilidades e não nas possibilidades. Por exemplo: é possível que eu, digamos, iniciando uma viagem, possa sofrer um acidente de carro, mas não é provável que isso aconteça. Posso, então, viajar.

No sonho era possível, mas não provável que eu fosse atacado. O problema é que eventos possíveis, mesmo não prováveis, podem ocorrer. E, no caso, decidindo pelas probabilidades, se enganado, estaria morto. Seria este o caso de uma exceção em que a decisão tem de se basear nas possibilidades e não nas probabilidades?

Como tenho a tendência meio errada de imaginar que a intenção dos outros é sempre boa, não faria o que fiz no pesadelo.

Autor: Jorge Alberto Salton. Também escreveu e publicou no site “Fui me transformando em gaúcho, precisava”: www.neipies.com/fui-me-transformando-em-gaucho-precisava/

Edição: A. R.

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