Sou solidário às lutas feministas.
Além de solidariedade, quero dividir convicção de que o conhecimento,
a valorização e a participação ativa na vida da sociedade são
as mais importantes ferramentas para enfrentar a discriminação e a violência
a que são injustamente submetidas mulheres do Brasil e do mundo.
Não condeno e nem questiono os apaixonados que usam dia 08 de março – Dia Internacional das Mulheres – para prestar-lhes justas e bonitas reverências e homenagens. Mas prefiro entender este dia como uma oportunidade de reflexão que toda sociedade deveria fazer neste dia que foi instituído como um dia de memória às lutas de tantas mulheres que se desafiaram a lutar por mais condições de igualdade.
Masculino sou. Machista me torno
Certo dia, numa atividade educativa, uma estudante me interpelou perguntando: “professor, o senhor falou tão bem das relações respeitosas entre homem e mulher. O senhor é machista?”. E eu respondi, tornando para mim a resposta como uma aprendizagem, recém descoberta: “sou machista, sim, pois vivo e convivo numa cultura machista. Se lhe dissesse que não, estaria dizendo uma inverdade; sou daqueles poucos que procuro me assumir para me corrigir.
Desde então, quando dialogo com alguém o tema “Relações de Gênero”, tomo esta aprendizagem como uma referência para a disposição masculina de corroborar com as lutas feministas. Não acredito que alguém mude seu posicionamento sem antes assumir a condição histórico-social em que esteja envolvido. Se o machismo não for assumido pelos homens, não haverá sinalização de mudança de pensamentos, atitudes e ações que enfrentem os problemas decorrentes deste.
Mulheres “perigosas” quando organizadas
Em duas oportunidades ímpares, colaborei, de forma orgânica e sistemática, com processos de formação e organização de mulheres.
Ajudei a coordenar Campanha de Superação da Violência contra a Mulher e de afirmação de seus direitos, num município do interior gaúcho, onde pude verificar a “ânsia represada” das mulheres daquela localidade na temática “dominação masculina”. Imagino, não seja privilégio daquele lugar. Como único homem (masculino) presente em todos os 12 encontros de formação e organização, recolhi ressentimentos, queixas, medos, constrangimentos.
A experiência vivenciada me remeteu ao pensamento de Aldous Huxley: “os fatos não deixam de existir porque são ignorados”. Sim, o fato que ignoramos é que nós homens gostaríamos de continuar “dominando as mulheres”, controlando sua ascensão social, sua sexualidade, seus sentimentos, suas atitudes, suas ideias.
Ajudei a coordenar equipe multidisciplinar de um Projeto do governo federal, em parceria com o município de Passo Fundo, Mulheres da Paz. O projeto foi executado pela Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo. Num trabalho de um pouco mais de um ano, envolvendo organização, formação e atividades sociais com mulheres vítimas de violência doméstica, pude testemunhar o quanto ainda falta apoio, incentivo e segurança para que as mulheres possam denunciar, com segurança, as agressões e a violência que sofrem, cotidianamente.
Não suportando mais serem espancadas, maltratadas e inferiorizadas, exigem dignidade e dizem Basta à violência. Mas, por outro lado, empodeiradas de conhecimento e organização, tornaram-se “mulheres temidas e perigosas” aos olhos da sociedade que ainda não se assume machista.
[quote_box_center]“Por onde passam ou falam, nas atividades ou eventos que promovem ou são convidadas, as Mulheres orgulham-se de sua identidade: MULHERES DA PAZ. Vestem, com orgulho, a sua identidade de promotoras de uma cultura de paz e de direitos humanos. Sentem-se cidadãs de nossa cidade, valorizadas, reconhecidas e com voz ativa no combate à violência contra as mulheres. E se perguntam se tudo isto vai acabar dentro em breve, desconstruindo sua identidade e seu poder coletivo de cidadania”. Veja mais.[/quote_box_center]
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Reportagem sobre o trabalho das Mulheres da Paz em Passo Fundo, RS.
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Quando interessará aos homens discutir a dominação masculina?
Às mulheres interessa há muito tempo enfrentar o tema da dominação masculina. Quando este assunto interessará a nós homens? Assim diziam as mulheres na Campanha: “mas quando a gente conversará isto com os nossos maridos, os pais de nossos filhos. Eles é que deveriam estar ouvindo sobre os direitos da mulher e não a gente”. E a reação dos homens não tardou para chegar aos nossos ouvidos: “só estão ensinando às mulheres os direitos. Cadê os deveres?”
O que os homens ignoram, em relação às mulheres, é que cada direito já traz implícito também os deveres. Quando insistem que mulheres só têm direitos, expressam, tão somente, a vontade de perpetuar a dominação masculina.
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Memórias de uma mulher impossível – Cinco sobre cinco (Rose Marie Muraro)
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Rose Marie Muraro, feminista e estudiosa do assunto, diz que “nas sociedades de caça iniciam-se as relações de força, e o masculino que passa a ser o gênero predominante, vem a se tornar hegemônico no período histórico – há oito mil anos-, quando destina a si o domínio público e à mulher, o privado”. Esta ideia, que se tornou histórica, não pode ser eterna.
O que as mulheres gostariam de construir conosco (os homens) são relações mais respeitosas, mais compartilhadas, complementares e que trouxessem, na prática, mais oportunidades para o cuidado consigo mesmas, para a sua valorização, para o respeito de sua dignidade, para a sua felicidade.
Sou solidário das lutas feministas. Além de solidariedade, quero dividir convicção de que o conhecimento, a valorização e a participação ativa na vida da sociedade são as mais importantes ferramentas para enfrentar a discriminação e a violência a que são injustamente submetidas mulheres do Brasil e do mundo.
*Foto do post: Ato público realizado pela Organização Não Governamental (ONG) Rio de Paz em junho de 2016 na praia de Copacabana, zona sul do Rio. A ação foi promovida para denunciar e repudiar abusos sexuais sofridos por mulheres. Veja mais.