O que de mais intenso aprendemos com aqueles que, no decurso das nossas vidas, elegemos eventualmente como mestres, muito provavelmente nem eles mesmos sabiam que sabiam ou pretendiam ensinar. E, o que de mais significativo ensinamos, resultou muito provavelmente de uma transparência que sequer poderíamos reconhecer diante do espelho.
No que ensinamos sem saber que ensinávamos, e no que aprendemos sem saber que aprendíamos, o que percebemos como eu-mesmo se desfaz. Repentina e desafiadoramente, tornamo-nos eu-para-outrem.
Responsabilidade imensa: ensinar às cegas, ‘pelas costas’. E, mesmo assim, assumir o desafio de autoaprender o que se é, mesmo sem saber quem somos diante de outrem, que autoaprende a ser a si mesmo em sua proximidade a nós. Nos autoeducamos juntos, mesmo sem ver, sem saber e sem querer.
Aprendemos com a criança que acariciava um animal? Com a sutil expressão de um amigo ou com o tempo transfigurado na face dos nossos pais? Autoaprendemos com as árvores, com a paisagem, com os detalhes do cotidiano? E quantas vezes ensinamos a nós mesmos a desejar cada dia de nossas vidas, ao amanhecer? Em quantas ocasiões aprendemos a nos surpreender, e até mesmo a desaprender, por observar com carinho alguém que admirávamos? E, quem sabe, não teríamos ensinado a criança que brincava ao nos observar? Teremos aprendido com o seu olhar? E teremos ensinado nossos filhos com nossas ausências em algum inverno de nossas jornadas?
Há muito mais entre o aprender e o ensinar que uma relação direta e linear possa dar conta. Há muito mais que as palavras possam dizer. O gesto unilateral que põe, de um lado, o ensinar e, de outro, o aprender, é míope com relação ao que mais importa: o inusitado, o encontro, o prazer que confere sentido humano ao tempo das nossas vidas.
Pois a transparência de uma relação está também naquilo que ela pretende ocultar, ou sequer percebe que oculta. Há sempre uma conexão a continuamente refazer entre a vida do outro e a minha vida, em um mosaico sempre de novo incompleto onde miríades de significações são postas, depostas e transpostas, em contínua criação.
Aquele que sabe, não sabe que não sabe. Aquele que não sabe, não sabe que sabe. A visão é a primeira cegueira a ser ultrapassada. Quando, então, o invisível situa-se e situa-nos no centro de toda cena que nos religa à nossa humanidade.
A humildade de quem se põe diante da presença do infinito que emerge em outro-eu torna-se, mesmo sem querer, sabedoria; de quem, ao retornar ao seu próprio centro, aprende que a sua própria liberdade inicia quando, simplesmente por amor, deseja gestar algo em si mesmo que possa gratuitamente ofertar, torna-se, mesmo sem querer, sentido: pois sabe que a vida permanece mesmo com a sua total ausência.