Não podemos deixar as crianças sozinhas
com suas dúvidas, como fizemos na tenra idade,
ou seja, tratá-las como depósitos de conhecimentos.
O ensino hoje é reflexivo e exige
interpretação de textos, gráficos e mapas.
Vivemos tempos difíceis no mundo inteiro no que concerne à saúde e à educação dos nossos filhos. Antes éramos sufocados pelo trabalho fora de casa e não tínhamos tempo para cuidar das nossas famílias. Estávamos sendo robotizados, a diferença é que ainda sonhamos, e as máquinas, não.
Como nos falou Zygmunt Bauman, “Amores líquidos e Tempos líquidos”, ou seja, tudo se desfaz rapidamente, tudo cessa com o passar do tempo, nada é para sempre.
No entanto, com o início da pandemia e a recomendação da OMS – Organização Mundial da Saúde – para que fizéssemos o isolamento social, de repente, tudo parou.
As crianças deixaram de ir à escola, e nós começamos a trabalhar “home office”. Adaptar-se a esse novo modelo de trabalho tem sido um desafio para nós adultos, imagine para os jovens e as crianças estudantes do mundo inteiro.
A educação de jovens e crianças foi bruscamente atingida e os pais se vêem às voltas com seus filhos na frente das telas de computadores, muitas vezes compartilhando horários com as suas tarefas. Não para jogar videogame ou para acessar as redes sociais, coisas que eles, os filhos, bem sabem fazer e já virou prática nos seus cotidianos. Não! A coisa agora é outra.
Os pais se viram no dever de estudar junto com seus filhos, tirar as dúvidas deles, ajudar nos exercícios escolares e, dessa vez, sem poderem contar com a ajuda das secretárias do lar ou babás porque elas não podem ir trabalhar para não infectar as famílias ou serem infectadas.
O cuidado é grande. Em casa, apenas a família: pai, mãe e filhos. E agora? O que vamos fazer com os nossos filhos? Como vamos incentivá-los nos estudos se estamos assoberbados de trabalho?
Os pais não têm escolhas. É hora de sentar na frente do computador e assistir à aula online em que professores driblam todas as dificuldades tecnológicas, as distâncias e as metodologias nunca antes aprendidas para dar o melhor de si.
Os pais estão estudando junto com seus filhos, ou seja, reaprendendo o que viram quando mais jovens ou mesmo na infância. Muitos têm falado que é uma experiência incrível poder tirar a dúvida do filho; outros acham complicado porque não conseguem mais se lembrar da lição vista há tantos anos.
Tenho amigos que estão nesse dilema. Nos últimos dias, quando ligo para meus amigos, sempre escuto a mesma conversa de que não podem mais cuidar da casa e trabalhar direito porque estão estudando, junto com seu filho, matemática, a saber, máximo divisor comum e mínimo divisor comum, assunto visto no sexto ano do Ensino Fundamental.
Meu irmão me ligou para saber quem tinha inventado o conceito de habitus na sociologia, pois meu sobrinho de doze anos de idade estava estudando Pierre Bourdieu pela aula de sociologia online, e ele, o pai, nunca tinha ouvido falar sobre esse sociólogo.
Minha amiga com pouco mais de setenta anos, poetisa e cordelista, se viu às voltas com um problema sério outro dia com seu netinho, uma vez que a professora pedira na aula online para ele citar qual a função de uma mitocôndria, organela celular, coisa que ela, a avó, estudou no antigo segundo grau há mais ou menos trinta e cinco anos.
A verdade é que os pais saíram do comodismo e se viram estudando com seus filhos assuntos os mais diversos. Recordaram-se das suas vidas escolares.
Os pais engenheiros que mal sabem rabiscar uma poesia tiveram de estudar Carlos Drummond de Andrade; pais médicos que mal sabem desenhar tiveram de aprender para ajudar o filho no desenho do mapa da América Latina, enquanto pais advogados tiveram de aprender o novo conceito da antropologia “decolonial” para explicar a seus filhos o significado.
Não está sendo fácil essa nova rotina para os pais. Alguns não vêem a hora de ver os filhos voltarem à sala de aula presencial, outros se divertem ligando para os amigos atrás de auxílio. O importante é que a lição ensinada pela aula remota seja aprendida, e os exercícios, resolvidos.
Afinal, não podemos deixar as crianças sozinhas com suas dúvidas, como fizemos na tenra idade, ou seja, tratá-las como depósitos de conhecimentos. O ensino hoje é reflexivo e exige interpretação de textos, gráficos e mapas.
Os pais estão vendo a importância de nunca deixar de rever o que foi estudado na juventude e os saberes interdisciplinares tão importantes nos dias atuais. Não é mais valorizado o especialista em alguma coisa, mas aquele profissional que se destaca em várias áreas do conhecimento, por isso o ensino se dá de forma interdisciplinar com os conhecimentos ligados uns aos outros.
O divertido nisso tudo é que a maioria das crianças e dos jovens acaba ensinando a seus pais coisas que estes não sabiam ou haviam esquecido, como fez a sobrinha de um amigo ao lhe explicar como ocorre o processo de fotossíntese nas plantas.
O ensino remoto tem seus problemas, porém uma coisa podemos afirmar: aproximou pais e filhos.
Em casa, sozinhos, os alunos não têm a quem pedir ajuda senão a eles, os pais, e são estes que ajudarão na escrita da redação para o ENEM, apontando erros de ortografia e gramática. Claro que sempre com a ajuda do professor da escola através da aula online, a questão é que o professor fica apenas cerca de quarenta a cinquenta minutos com o aluno, enquanto os pais têm o dia inteiro para estudar com seus filhos. E quanto maior o tempo de estudo maior será a aprendizagem.
Esperamos que o ensino remoto nos traga boas experiências ou que, pelo menos, solidifique uma proximidade maior entre pais e filhos no ensino-aprendizagem, seja na escola, seja em casa. Os frutos de tudo isso virão em breve. Para a minha surpresa, vi um amigo poeta discutindo química no nosso grupo de poesia, isto é, pelo visto já estamos colhendo os frutos.
Um salve a nossos heróis professores, que estão se desdobrando nesse novo modelo de ensino.
A tarefa dos pais e mães na educação de seus filhos e no seu acompanhamento na escola tornou-se mais complexa e sofisticada. Veja boas dicas desta especialista, Sueli Ghelen Frosi, da Associação dos Pais do Brasil.