O comportamento humano não é algo dado ou meramente natural da espécie, mas é produzido e transformado pela atividade do próprio homem, de forma coletiva. Portanto, assumir a natureza social do desenvolvimento humano significa dizer que sua dimensão orgânica é impregnada pela cultura, ou seja, a família tem um papel importante na vida do sujeito, mas não determinante.
As desigualdades dos cidadãos que se fundamentavam na diferença das classes sociais reaparecem atualmente sob a forma de desigualdade das capacidades intelectuais, como se a falta de dinheiro fosse condição para a falta de inteligência.
Podemos fazer uma analogia da relação da escola com os alunos segundo a visão de Aristóteles a respeito do escravo onde ele diz que: homem é um “animal é constituído de alma e corpo, para o corpo é natural e conveniente ser governada pela alma”. Para ele o corpo seria representado pelo escravo e a alma pelo senhor. Ou seja, somente tem direito a uma vida intelectual o senhor que desfruta de uma vida farta e teria tempo livre para o ócio e uma vida contemplativa. O escravo por não ter tempo livre, pois a ele são delegadas as funções de manutenção do status do senhor, então este não teria alma, pois esta estaria ligada as questões do saber.
Será que esta relação não se estabelece ainda hoje? A condição econômica dos alunos se coloca como fator preponderante no processo da educação, não tem dinheiro, logo não tem alma, logo não tem direito a uma educação de qualidade. Podemos constatar esta relação quando comumente dentro do contexto escolar ouve-se por parte de direção e professores a fala de total desistência em relação aos alunos “eles não querem nada com nada, não se interessam por nada”, “não querem aprender, os pais mandam para a escola por causa do Bolsa Família”. De certa forma não trocar de lugar, não mudar de ideia, operar de acordo com os pré-conceitos, pode parecer confortável a todos, ou seja, onde há fragilidade há dominação e manipulação.
A família, entendida como o primeiro contexto de socialização, exerce enorme influência sobre a criança e o adolescente. A atitude dos pais, suas práticas de criação e educação, e a atmosfera cultural vivenciada no ambiente doméstico são aspectos que interferem no desenvolvimento individual e, conseqüentemente, influenciam o comportamento da criança na escola, bem como o resultado que ela irá atingir. (OLIVEIRA; REGO, 2002. p.5) Pensando em um contexto fraco de estímulos e perspectivas, a educação trará a possibilidade da construção de uma história diferente da protagonizada pelos pais.
Não podemos deixar de pensar a relação familiar e a importância desta na vida escolar das crianças, porém, podemos pensar a escola sem esta, ou pensar uma escola que se mobilize no sentido de aproximar a família na vivência escolar, pois a falta da participação dos pais não pode se colocar como mais um desculpa, dentre muitas, para que a escola desista de desempenhar seu papel em construir cidadãos, ou pelo menos se esforçar para que alguma modificação positiva aconteça na vida dos sujeitos que a ela foram entregues.
Escolarização e constituição dos sujeitos
A escolarização desempenha um papel fundamental na constituição do indivíduo. O fato do indivíduo não ter acesso à escola significa um impedimento da apropriação do saber e de um instrumento de atuação no meio social e de condições para a construção de novos conhecimentos. Porém, não podemos pensar que a freqüência da criança na escola seria suficiente para apropriação do saber. Este saber dependerá entre outros fatores de ordem social, política econômica, e da qualidade do ensino oferecida.
Nesse sentido, fica a cargo da escola possibilitar uma vivência social diferente a do grupo familiar, tendo um relevante papel, o de oferecer a oportunidade à criança de ter acesso a informações e experiências novas e desafiadoras capazes de provocar transformações e de desencadear processos de desenvolvimento e comportamento.
O comportamento humano não é algo dado ou meramente natural da espécie, mas é produzido e transformado pela atividade do próprio homem, de forma coletiva. Portanto, assumir a natureza social do desenvolvimento humano significa dizer que sua dimensão orgânica é impregnada pela cultura, ou seja, a família tem um papel importante na vida do sujeito, mas não determinante.
De acordo com o modelo histórico-cultural, os traços de cada ser humano estão intimamente ligados ao aprendizado, ressalta-se aí o papel da escola. O comportamento e a capacidade cognitiva do individuo dependerá de suas experiências, de sua historia educativa. A singularidade do individuo não resultará apenas de fatores isolados (ex: exclusivamente da educação familiar, do contexto socioeconômico), mas sim de uma multiplicidade de influências que recaem sobre o sujeito no curso do seu desenvolvimento.
Segundo Vygotski (1984, p. 99) o aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas.
O julgamento sobre a possibilidade de desempenho das crianças terá sérias consequências podendo ser, muitas vezes, determinante para o prosseguimento da escolaridade, pois pode modificar e até mesmo deteriorar profundamente as relações da criança com a possibilidade do sucesso na escola e na vida.
Lacan (Revista Educação, n° 9, p. 22) acredita haver ensino somente quando aquele que ensina desencadeia algo no outro, ou seja, quem ensina tem sempre que pagar um preço: por um pouco de si. Só é ensino verdadeiro aquele que consegue despertar uma insistência naqueles que escutam, este desejo de saber só pode surgir quando ele próprio (o aluno) toma a medida do possível, a apropriação deste desejo pelo conhecimento.
O tipo de escolarização vivenciada (propostas pedagógicas desenvolvidas, o perfil do professor e o modo como lida com o conhecimento e com os alunos, tipo de tratamento e expectativa depositada no estudante, possibilidades de interação com os colegas, a experiência nos planos social, cultural, artístico promovidas ou possibilitadas pela instituição) é um fator importante na definição da natureza e do impacto sobre o indivíduo.
Referências
CORDIÉ, Anny. Os atrasados não existem. Porto Alegre: Atmed, 1993.
CANDAU, Vera Maria (org.). A didática em questão. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1997.
OLIVEIRA, Marta Kohl; SOUZA, Denise; REGO, Teresa Cristina (org.). Psicologia, Educação e as Temáticas da Vida Contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002.
Revista Educação, n°9. Especial Lacan Pensa a educação. São Paulo: Editora Segmento, Ano II.