Escola perdida? Alunos ausentes?

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Já pensou na angústia que pode ser a manhã de um aluno que precisa sair urgente da sala… para mergulhar nas redes?

Vamos falar francamente: não parece que a Escola vive seus dias de maior provação? E que neste confronto com as redes sociais pode vir nascer uma escola totalmente diferente?  Para melhor ou pior? Alguém aí lembra em que época, a Escola, como a conhecemos, enfrentou um momento tão desafiador para manter seus alunos em sala? Ou, para a sua própria sobrevivência, manter os alunos acordados?

Um adolescente, sentado em sua cadeira, em apenas 1 minuto, pode passar com seu dedo no celular mais de 20 vídeos. Caso ele se interesse por algum deles, o tempo vira para um minuto. E todos concordam: vídeos acima de 30 segundos, tornam-se chatos.

Até o início das aulas pela manhã, supomos 7h30, a cada dia, um jovem pode ter visto mais de 50 vídeos, somente a esta hora da manhã. E a aula de Física deve começar em minutos. Qual a motivação que este seguidor terá para enfrentar sua rotina na classe, e trocar um mundo de fantasia à sua disposição? Imagens excepcionais e ainda humor, excitação, dança e música? Quem não quer?

E qual a motivação extra que o seu professor terá de tirar da cartola, para segurar uma turma ávida por um mundo que as aguarda fora, muito mais atraente, muito mais empolgante – mesmo que fantasioso, cheios de tramas e imagens superficiais e viciantes.

Porque de nada adianta nós batermos nas mesmas teclas que expurgam as redes e mídias sociais, alertando sobre seus efeitos deletérios sobre crianças e adolescentes… elas simplesmente estão mais atrativas, mais apelativas. Para todos, adultos, inclusive.

Será que a Escola já se deu conta que seu método, pode torná-la obsoleta, isolada, dando de ombros para o que vem aí? 

Foi justamente um professor de Física que nos falou semana passada:

_Os alunos não têm qualquer motivação.  Sequer a inscrição para o Enem os mantém motivados. E completou:  Temos de admitir que está vindo uma grande mudança.

_Sim, completei.  Uma mudança jamais vista.

Ponha-se no lugar de um adolescente, que vive sufocado em meio a uma sociedade de consumo, escandalosamente consumista, ele, magnetizado pelas redes, e pelo seu catálogo, sim, ele fica sabendo que jovens podem faturar alto apenas avaliando produtos, montando lojas virtuais, acessando sites que sequer os seus pais imaginam, para depois…gastar e ostentar. Não é o que se vê na Internet?

O potencial das redes é ilimitado e elas furaram uma bolha de milênios: o mundo da informação!

Gratuito, 24 horas, apresentado por inúmeras fontes, muitas delas legais, regulares e confiáveis, o saber, ou a sua pretensão, está ao alcance na prateleira das ilusões on line.

Desde a invenção da escrita, sabe-se lá em que milênio, passando pela prensa de Gutenberg em 1450, jamais, em tempo algum, o conhecimento esteve à disposição de tantos, ao mesmo tempo, sem custos e de forma instantânea. Sem falarmos nas catacumbas da Internet, da deep web, onde se pode aprender a armar granadas e a contratar matadores de aluguel.

Hoje, em uma parada de ônibus, em qualquer parte do Globo, a pessoa que está a sua espera, voltando para sua casa, pode acessar pelo celular a vida de São Francisco, as Cruzadas, o fim da segunda Guerra Mundial ou uma receita de vatapá.  Não há limites!  E cada vez mais não haverá!

Tanto no nascimento de novas empresas, inovadoras, quanto nos investimentos dedicados às novas tecnologias, nos números de seguidores encantados pelas novidades tecnológicas e pela monetização do ambiente online, a cada mês, a cada dia, afirmo que teremos à mão uma descoberta a nos maravilhar. Ou a nos perturbar!

E a escola? Vai suportar a presença dos alunos ausentes, a invasão de estudantes fantasmas, com o olhar preso às horas que não passam, ávidos para dar um salto rumo ao mundo fantástico das telas do novo querer e da nova alienação. O que restará para fazer na Escola? Em quais investimentos ela está comprometida, na divulgação e na busca de novos empreendimentos escolares e fazer-se genuinamente atualizada, comprometida com as transformações que explodem a cada dia em nossas casas? 

Mas quem é a Escola? 

Creio que como as famílias, Igrejas ou quaisquer instituições, a Escola tem de olhar com grande apreensão os novos tempos que batem em nosso rosto. E o ambiente de troca, de formação do caráter, da afetividade e do crescimento, pode ceder a um consumo das relações, aonde quem tem mais seguidores, dita as regras do comportamento e ainda os objetos de sua adoração.

 Então temos de falar e gritar: vem muita mudança pela frente!

Fica difícil imaginar que a humanidade volte atrás. Hoje, você nem precisa levantar-se da cama para ganhar, gastar, endividar-se, ou mudar de vida, inclusive, permanecendo na cama. Tudo está a distância de um palmo. Como então queremos enquadrar crianças e jovens em padrões de comportamento e avaliações se o mundo real, onde vivem, não para de mudar? Sim, o mundo que começa depois do ‘sino tocar’.  E eles nem precisam alcançar a calçada que estão com seus smarts em punho.

E ouve-se de tudo: 

_corta o celular, disciplina sobre todos, horário para dormir e para desligar as redes…tira o celular!

Mas como? Se os pais saíram para jantar e, preocupados, deixaram o celular ao alcance dos menores para o caso de um imprevisto!

Mas como? Tirar o celular da mão do aluno, às 20 horas, justamente quando ele decidiu pesquisar sobre a República Velha, pois o tema cairá na próxima prova. E não foi possível ligar o lap top por que estava sem energia…e como não tem livro físico, apelou-se pelo cel.  Mais rápido que um milhão de Enciclopédias Barsa, todas as respostas explodem numa telinha brilhante, que reflete os seus olhos como espelho de água azul, mágica.

As propostas que tenho ouvido, de pais amigos a professores, de autores irados ou Secretarias omissas, todas elas, as que têm uma proposta de banir e disciplinar o acesso às plataformas, todas, terão apenas o efeito de incitar uma curiosidade absurda nos controlados. A vontade de ver, ‘curtir’ e rolar suas telas aumentará, na proporção direta de sua proibição.

Será que nos demos conta dessa batalha quase perdida? Ou não está perdida, mas é apenas mais uma batalha?

Quantos estudantes evadidos teremos de assistir, até tomar uma posição que atenda o momento histórico e assustador pelo qual alunos e famílias vivem hoje? Estamos todos tão imersos na rede que quase ninguém pode apontar o dedo. Não há caminhos fáceis quando a inovação exige mudanças constantes. Mas temos de fazer algo! Talvez grifar, sublinhar e ou engarrafar no que temos insistido, em todos estes meses: leitura.

E aqui, uma reflexão aos centralizadores escolares que direcionam livros e conteúdo:  muito do mal que assola o mundo, nasce justamente da leitura e do estudo físico.  E aos alunos que se sentem atraídos pela TI ou pela AI, serão ignorantes contextuais por não saberem interpretar temas ou expor a complexidade que cresce nas demandas no seu entorno. Justamente pela sua falta de contato com livros.

Manter alunos acordados ou, pelo menos atentos, será o grande desafio de professores e profissionais daqui pra frente. Eles estão sendo acostumados a passar rapidamente adiante… o que não os interessa.  E em 10 minutos, caso o assunto não os atrair, serão apenas alunos ausentes, devidamente uniformizados e disciplinados, cumprindo as normas escolares estabelecidas, dezenas de anos atrás, para, em seguida, chispar de qualquer ambiente inanimado para mergulhar nas redes.

A Escola regular não se deu conta que a velocidade desses tempos, ofusca o olhar dos matriculados e todos querem consumir?

Consumir qualquer coisa?  Poderemos nos aliar à Escola, para que ela, mais uma vez, seja a resistência, o espaço de acolhimento e diversidade, como que antecipando o tipo de sociedade real que queremos? Ou que não queremos?

A luta pelo retorno do livro físico deveria ser a bandeira principal do Estado, do País… no mundo inteiro. Não somente o livro, contudo: a leitura, interpretação, o debate, a sistematização das informações (resumo ou esquema dos conhecimentos estudados), o confronto saudável de temas que sempre beiram o futuro e lançam a todos em um labirinto de dúvidas e questionamentos, que, ao final, agrupam os tijolos emocionais e racionais para a construção da humanidade.

Mas, acreditem: será somente na leitura e na escrita que a cognição das próximas gerações poderá ser salva das garras dos gigantes midiáticos e seus ‘influencers.’ E que os pátios de ternura e tolerância das Escolas, que fizeram parte do nosso despertar, nunca sejam trocados por telas enfadonhas.

Retornando à sala, como hoje presenciei, o aluno com quem conversava retornou para estudar a Velha República. Não que não seja importante, hein? Jamais! É que…cá pra nós: entre a história maravilhosa e estes tempos cansativos, eles querem mais é jogar Roblox e Hay day. Querem perguntar ao diretor se ele sabe o que é?

Se quiser, querido leitor, leia esta matéria que aprofunda a temática do monopólio do google e dos celulares fora da escola no Brasil:  https://www.uol.com.br/tilt/colunas/helton-simoes-gomes/2024/08/09/o-monopolio-do-google-e-os-celulares-fora-da-escola-no-brasil.htm

Autor: Nelceu A. Zanatta. Também escreveu e publicou no site “Há cinquenta países que leem mais do que nós: o que nos atrasa”?: www.neipies.com/ha-cinquenta-paises-que-leem-mais-do-que-nos-o-que-nos-atrasa/

Edição: A. R.

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