Escravos da utilidade

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A utilidade é a máscara favorita da mediocridade. Quem não possui talento, seja por questões inatas ou, simplesmente, por não cultivá-lo, deseja, a todo custo, ser “útil”. Alguém assim não se presta à Arte, Filosofia ou mesmo à apreciação contemplativa da Ciência.

A imbecilidade nunca se dá bem com o ócio. Não fazer nada revela a cada um sua própria estupidez. Como vivemos em um mundo extremamente estúpido, estamos quase sempre fazendo alguma coisa. Jogos, novelas, fala-se sobre o tempo ou acerca de outra banalidade qualquer.

O importante é não ficar só, não pensar, não notar-se. Somos, em grande parte, ruins: não devemos deixar o inconsciente “subir”, assomar à consciência. Somos, em grande parte, fracos: pressentimos não ter forças para enfrentá-lo.

Somos como um rei destronado em seu castelo, um apátrida em seu próprio país.

É preciso ser razoavelmente “bom” para ficar só, caso contrário, cai-se vítima de seus próprios demônios. Esses seres poderiam, aliás, ser controlados, ter sua força incorporada à dimensão consciente. Mas não; temos de falar sobre o tempo, se chove ou se faz sol…

O furor do mundo contemporâneo pela utilidade é uma prova de como nosso tempo (talvez sempre tenha sido assim…) é medíocre.

O típico cidadão de hoje é incapaz de perceber que o cultivo da cultura, a princípio sem nenhum outro objetivo, é fonte incrível de novos conhecimentos, origem de descobertas extraordinárias. Trata-se do encontro com o veio aurífero, da procura da fonte, da descoberta da raiz.

A aplicação prática do conhecimento é o final de um processo iniciado muito antes. A utilidade é quando o rio encontra o mar, mas, para haver um rio, é preciso haver uma fonte. Essa fonte existe na atmosfera da inutilidade, onde a água não tem outro objetivo se não o de, simplesmente, jorrar.

Qual a utilidade da poesia? Nenhuma. A Arte, em si, é inútil. O que é útil é o que se espalha a partir dessa fonte.

Isso também é verdade, inclusive, para a Ciência. Ao prospectar sobre a natureza da luz, um estudo à primeira vista inútil, Einstein ajudou a criar todo um novo paradigma científico, com desdobramentos práticos, influenciando todo o século XX.

Um filósofo, ao ponderar sobre a conceituação da justiça, pode inspirar os juristas a forjarem leis mais adequadas a sua época. Essas leis, por sua vez, irão orientar a vida de inúmeras pessoas e também o trabalho de juízes e advogados.

Um artista, ao usar as cores de um modo diferente, ao compor uma música em um novo estilo, pode influenciar os pensamentos e as ações de toda uma geração futura.

A vida começa onde ela não é útil, mas prazerosa, encantadora, transcendente. É ali que inicia aquilo que chamamos de “humanidade”, na falta de uma palavra melhor.



Veja também o comentário sobre o texto, exclusivo para esta publicação.



Sugestões de uma atividade pedagógica- Disciplina Filosofia

Esta sugestão de atividade foi elaborada para Nonos Anos do Ensino Fundamental, Unidade temática: Política, conhecimento e estética. Objeto de conhecimento: O conhecimento (as diferentes explicações da realidade: senso comum, religião, ciência, filosofia e arte). Habilidades: Reconhecer que as verdades podem ser relativas, formular e resolver problemas a partir do conceito de verdades dadas.

QUESTÕES PARA PENSAR

  1. O que é útil?
  2. Segundo o texto, tudo que é “inútil” é ruim?
  3. De acordo com o texto, o “furor do mundo contemporâneo pela utilidade é uma prova de como nosso tempo (talvez sempre tenha sido assim…) é medíocre”. Explique com suas palavras. 
  4. Ainda de acordo com o texto, a arte é útil ou inútil? Isso é bom ou ruim? Por quê?
  5. Faça uma lista de coisas úteis e inúteis. Quais você considera mais valiosas? Por quê?

PARA SABER MAIS

Sobre o livro “A utilidade do inútil”, do filósofo Nuccio Ordine:






Autor do texto e sugestões de atividades: Aleixo da Rosa

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