Está em marcha o anti-intelectualismo, alimentado pela
falsa noção de que a democracia significa que a minha ignorância
é tão boa quanto o seu conhecimento.

 

No Brasil imperial predominou a união entre “o trono e o altar”, prevista na Constituição de 1824, que representava em sim mesma fonte potencial de conflito.

Se a religião católica era oficial, a própria Constituição reservava ao Estado o direito de conceder ou negar validade a decretos eclesiásticos, desde que não se opusessem à Constituição. Com a República, veio o estado laico.

O Brasil de Bolsonaro acena com um retrocesso, contrariando um dos princípios mais elementares do iluminismo, o da separação entre Igreja e Estado.

Explico: os evangélicos, após exercer papel decisivo na vitória do capitão e elegerem um número recorde de parlamentares, querem ministros fiéis aos seus valores e um espaço generoso no governo.

Entre suas reivindicações está/estava o superministério das Cidades, que reunirá Desenvolvimento Social, Cultura, Esportes e Política sobre Drogas.

Fico imaginando a Cultura sob o controle de evangélicos. Tal hipótese é assustadora e comprovará que está em curso uma disputa narrativa em torno de valores, um ataque não simplesmente ao campo das esquerdas, mas a um vasto campo progressista e humanista.

Uma revolta conservadora capitaneada por uma figura, Bolsonaro e seus aliados, que encarnam o que o sistema tem de pior e mais brutal, no dizer da professora Ivana Bentes, da UFRJ.

A medieval Bancada da Bíblia, nos últimos 20 anos, dobrou de tamanho no Congresso, passando de 44 para 84 deputados, de 3 para 7 senadores.

Um exemplo da força dos evangélicos está na escolha do Ministro da Educação, o colombiano Ricardo Rodriguez, um reacionário católico, ex-trotskista e com profundas afinidades ideológicas com a Bancada da Bíblia.

Na verdade, está em marcha o anti-intelectualismo, alimentado pela falsa noção de que a democracia significa que a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento.

Como escreveu o jornalismo alemão Phillip Lichterbeck, da Deutsch Welle, no Brasil de hoje, “ Paulo Freire dará lugar a Alexandre Frota; Kant será substituído por Silas Malafaia; Rousseau por Olavo de Carvalho”. Eu acrescentaria; a Bíblia Sagrada tende a substituir a Constituição.

Neste contexto se dá o crescimento político dos evangélicos, que data do final dos anos 1980 e, agora, chega ao apogeu. Até então, a maioria das igrejas era avessa à mistura entre Estado e religião. Política era coisa mundana, que não devia entrar na agenda de seus pastores. Sua dedicação devia ser exclusiva ao rebanho de fiéis, vendendo milagres e a salvação.

Hoje os evangélicos representam uma força política das mais reacionárias: são contra a questão de gênero, o aborto ou casamento gay, etc. O pastor-deputado Marco Feliciano se tornou famoso quando declarou que a Aids era o “câncer gay” e que os africanos descendem de um “ancestral amaldiçoado por Noé”. Palavras da salvação!!

A forte influência dos evangélicos denota uma tendência à formação de uma teocracia no país, respaldada pelo capitão. Às favas os avanços do pensamento dos renascentistas, iluministas e dos revolucionários franceses.

O novo brasileiro não deve mais questionar, ele precisa obedecer: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Aleluia!!

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