Contar a história desta educadora é resgatar um pouco do esforço de outras tantas pessoas e movimentos sociais que foram além da crítica à escola formal; foram capazes de realizar e comprovar a importância de experiências metodológicas de educação popular.
Soloá Citolin é educadora, por essência. Na sua formação acadêmica e na sua trajetória de educadora, pode experimentar diferentes experiências que vão desde a sua atuação em escolas particulares, escolas estaduais e também em escolas ou projetos que se propunham a uma educação popular (Projeto Integrar Metalúrgicos, Escola de Braga (ligada aos movimentos sociais) e Escola Josué de Castro do MST que abrange a Via Campesina e Escola Sindical Sul (de formação de lideranças sociais e Ensino Profissionalizante).
Sua formação inicial é em Pedagogia. Suas especializações: Sociologia da Educação, Psicopedagogia e Arteterapia.
Conhecemos Soloá já na sua fase madura, como pessoa e como profissional. Nos anos 1997 a 1999, estivemos juntos na realização do Projeto Integrar dos Metalúrgicos, um projeto de elevação de escolaridade com qualificação profissional. Sempre exigente com seu trabalho pessoal, mas muito empenhada em valorizar os esforços e as habilidades dos jovens educadores e educadoras como a gente.
Contar a história desta educadora é resgatar também um pouco do esforço de outras tantas pessoas e movimentos sociais que foram além da crítica à escola formal; foram capazes de realizar e comprovar a importância de experiências metodológicas de educação popular.
Soloá Citolin, por ela mesma.
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SITE NEIPIES: Como, quando e porquê nasceu a ideia de ser educadora?
Soloá Citolin: Na verdade meu sonho de criança era ser arqueóloga. O Ensino Médio escolhi fazer magistério e acabei gostando e fui ficando.
SITE NEIPIES: Seu pai viajava pelo Estado do RS para ajudar na construção de escolas do campo (as famosas Brizoletas). Esta história de seu pai te inspirou a seguir o caminho da educação?
Soloá Citolin: Não porque eu era muito pequena. Mas ver minha mãe não medir esforços para assistir comícios do Brizola e falar sobre política a partir das concepções brizolistas acho que criou em mim, em nível de inconsciente, esta busca por mudança e justiça social.
SITE NEIPIES: Desde o início, ainda jovem, já conciliavas família e profissão. Como foi esta experiência?
Soloá Citolin: Bem difícil. Ter filhos pequenos, estudar e trabalhar exigiu muito esforço. Lecionava no interior, voltava e tinha 15 minutos para almoçar e pegar novo ônibus e ir para a faculdade. E a noite com filhos, estudo e preparação de aulas. Geralmente eu preparava minhas aulas no final de semana, mas também fazia o serviço da casa, cuidava os filhos, fazia trabalhos da faculdade e lia os livros que os professores pediam. A maioria das professoras passaram por isso.
SITE NEIPIES: Que lições tiraste a partir de tua atuação em escola particular, escolas estaduais e escolas de movimentos sociais e sindicais?
Soloá Citolin: Sempre digo que tive sorte neste sentido. Foi uma benção ter tido estas experiências. Na escola pública vi como era ter que enfrentar o sistema. De um lado querer colocar em prática a teoria aprendida nos livros de outro a realidade nua e crua, onde a fome, a miséria, a violência contra as crianças e suas mães me colocava na realidade mais dura e sofrida que eu já tinha visto.
Muitas crianças levavam os cadernos para casa e não traziam mais. Eu dava outro que acabava não voltando também. Até que descobri que o caderno servia para fazer fogo ou um irmão pequeno fazia xixi em cima, porque o caderno era guardado embaixo das cobertas onde dormiam. Passei a visitar as casas e foi ai que comecei a ver e entender a realidade e a mudar minha estratégia/planejamento pedagógico. Só aqui poderia escrever um texto sobre minha experiência.
Na escola particular foi excelente porque era de irmãs franciscanas e um grupo estava engajado com a teoria de Paulo Freire. Então aprendi e contribui em muitas construções inovadoras.
Com os Movimentos Sociais foi muito bom porque lá podia colocar as teorias que eu tinha estudado e aprendido na prática. Era uma pedagogia alicerçada na base social que visava e visa até hoje não só a construção do conhecimento, mas a transformação social. Aprendi muito com eles. Ali lecionei e coordenei cursos e participei de uma caminhada histórica. Uma longa história também com muito para contar.
Com o Movimento Sindical foi outra experiência marcante. Construímos uma proposta pedagógica com elevação de escolaridade, mas com uma organização curricular que tinha como mote principal o trabalho como princípio educativo. Aprendi e vivenciei muitas experiências marcantes. Também muita história para contar.
SITE NEIPIES: Qual é a crítica mais contundente que podemos fazer ao Ensino ou Escola regular/formal?
Soloá Citolin: Penso que é o formato do currículo que me parece desvinculado da realidade da vida. A organização curricular e a organização da escola deveriam, a meu ver, serem repensadas.
SITE NEIPIES: Qual é a contribuição das experiências educativas, gestadas pelos movimentos populares e sociais, para qualificar a educação brasileira, de modo geral?
Soloá Citolin: Elas tem muito a dizer e ensinar se fossem ouvidas, mas infelizmente não é assim que acontece. Ao longo da história, podemos ver, ler e estudar várias experiências exitosas que poderiam servir de luz, não para copiar, mas para mostrar que é possível uma educação transformadora alicerçada na realidade do sujeito.
SITE NEIPIES: Por que as escolas formais do Brasil ainda têm tanta dificuldade de aceitar ou assimilar metodologias de educação popular?
Soloá Citolin: Penso que tem vários fatores. Um é a concepção de educação que tem cada gestor público. Cada troca de governo muda tudo e as escolas estão em um eterno recomeçar. Também há uma visão conteudista, preparatória para vestibular ou ensino profissionalizante, ou seja, uma visão unilateral, alienada e reificada. Esquece-se que o ser humano é um ser omnilateral, que precisa de um conhecimento teórico/prático a partir da realidade social onde vive, do aqui e agora até o conhecimento mais amplo que permita ler a realidade local e geral. Entre outros.
SITE NEIPIES: Qual foi, desde sempre, a importância da leitura e da literatura na tua formação e atuação como educadora?
Soloá Citolin: De total importância. Sem leitura não há conhecimento. Quem não lê mal, escreve e tem grande dificuldade de refletir, analisar e sintetizar. Eu amo ler. A leitura é o ar que respiro e o alimento para minha mente e minha alma.
SITE NEIPIES: Agora estás distante das salas de aula, mas atenta aos movimentos e desafios da educação. O que dizer sobre a educação no Brasil, em tempos de pandemia e isolamento físico e social?
Soloá Citolin: Vivemos tempos sombrios. Em uma conjuntura onde se jogou toda a responsabilidade educacional em cima do professor que não tem mais horário e nem vida porque deve ficar disponível para os alunos e pais o tempo todo.
O mais surreal que vejo é quando os meios de comunicação falam se devem voltar às aulas presenciais ou não, pedem a opinião de governantes, pais, alunos, jornalistas, representantes de ONGS e nunca para os professores. Quando falam sobre ensino a distância e presencial entrevistam todos, menos os professores. Parece que o professor é um ser invisível na hora de ser ouvido, mas muito visível na hora das cobranças. Penso que desta forma o processo educativo não pode melhorar.
SITE NEIPIES: Uma frase que ajude a definir a sua pessoa e a sua trajetória educadora.
Soloá Citolin: Sou uma eterna aprendiz com uma ânsia infinita para adquirir novos conhecimentos.
SITE NEIPIES: Que mensagem aos teus colegas professores e professoras neste momento histórico?
Soloá Citolin: Não sofra sozinho/a. Lute engajado/a com sua categoria. Com o grupo nos fortalecemos e no grupo nos apoiamos e avançamos. Não há saída individual. A luta pela educação de qualidade, para todos e transformadora passa pela luta social.