“Filosofar é uma viagem em que cada um está só.
Mas isso não impede encontros. Ao contrário é o
que os torna ao mesmo tempo possíveis e preciosos”.
(Sponville & Luc-Ferry)
Para começar a contornar conceitos que incidam sobre o que é Filosofia devemos nos valer daquilo que se destaca no universo humano, que se torna fundamental, a ideia de partilha, cujo substrato ético é a philia. A amizade é um registro peculiar no fazer filosófico, que pode conduzir à felicidade. Seria essa uma meta da filosofia, sermos amigos e sermos felizes.
A exortação ouvida por Sócrates do oráculo de Delfos, “conhece-te a ti mesmo”, leva-nos a não descuidarmos desse amparo investigativo, inspirado na racionalidade do sujeito. Articula-se, mais uma vez, a pergunta: quem sou eu?
Para sistematizar o conjunto de possibilidades, que emerge a partir dessa questão, temos que tomar um indicador que permita começar uma resposta – a ratio.
Eu sou um sujeito do logos, eu sou alguém que fala, porque pensa e, ao pensar, constrói significados e interações lingüísticas baseadas na ratio, no logos. Então somos sujeitos da razão e da palavra; essa é a identidade do mesmo, do que pergunta por si, pelo seu sentido, pelo seu destino.
A Filosofia se envolve com essas questões – compreender o humano no seu processo de humanização e de diferença com os demais seres da natureza. A condição humana é a do uso da razão e do pronunciamento da palavra.
A tarefa filosófica, o que fazer filosófico é um dos traços mais genuínos do humano, que permite a postulação das questões paradigmáticas: – Quem sou eu? De onde eu vim? Para onde eu vou?
Encontra-se na História da Filosofia, no nascedouro do pensamento como experiência reflexiva, o registro de que os que se ocuparam da filosofia se envolveram com a pergunta acerca do ser. Esse marco inicial do espanto e da admiração do homem, que formula a pergunta pelo ser, configura sua capacidade de ratio, de logos e permite, como autor da pergunta sobre o ser, formular a pergunta sobre si mesmo, sobre sua condição, sobre sua história. Ele investe filosoficamente nesse pronunciamento elucidativo – o ser é uma articulação de sentido, dada pelo homem.
Sobre a inteligibilidade do mundo e da vida, o homem traça seu percurso de sujeito de saber e de poder, sujeito que inaugura a história do humano como a história da razão. É, pois, a filosofia o evento da razão no cosmos, evento que aproxima os humanos numa aventura comum, a da linguagem como expressão do pensamento.
Quando trabalhamos conceitos, por exemplo, de ciência e filosofia temos de considerar, desde logo a compreensão do conteúdo desses conceitos. Ou seja: o que há de específico no conceito de ciência, que não aparece no conceito de filosofia e o é que próprio do fazer filosófico, que não integra o fazer científico. Não se trata de supremacias, trata-se de especificidades, de movimentos conceituais diferenciados, com propriedades explicativas e sistêmicas. Esses pressupostos exigem precisões que possam conduzir às categorias de singularidade e universalidade, sem estarem freados por determinismos absolutos.
Ao falarmos da ciência, pensamos num corpo teórico inserido em interesses específicos de investigação, embora, alinhados a um eixo metódico necessário para ordenar as investigações e descobertas. Daí a construção de paradigmas.
Ao tratarmos da filosofia, pensamos na condição de um saber ordenado, cujo regramento metódico vincula-se às províncias mapeadas pelo sujeito epistêmico.
Esse sujeito pronuncia discursos acerca do cosmos, da história, da religião, da psiquê, do direito, da ética, como discursos articulados, a partir das reflexões de caráter metafísico, dialético, analítico, hermenêutico, conforme sua intencionalidade investigativa, no âmbito do saber filosófico. É a filosofia, pois, um saber, que prescinde do comprovável e do verificável, uma vez que sua inclinação conceitual não está voltada para a calculabilidade do mundo, nem para as mensurações quantificadoras da verdade.
É evidente que os conceitos, sendo os resultados das reflexões e criações dos homens, sofrem como eles estágios, evoluções, superações, negações, eliminações. Assim, permanecem na sua vida epistemológica o tempo necessário para o seu uso, ou seja, o critério de sua validez tem o caráter contingente da vida e história humanas.
Daí o falarmos em revoluções científicas e tecnológicas, como a experiência do conhecimento humano que troca de eixo, uma vez identificadas novas encruzilhadas no caminho investigativo, as quais possibilitam mudanças de ponto de partida e de ponto de chegada. A revolução copernicana identificada por Kant no seu fazer filosófico demonstra isso. A descoberta do genoma humano pela engenharia genética revela a paciência e a disciplina necessárias da ciência que constrói seu objeto, numa atitude relacional com diferentes áreas de pesquisa, para chegar ao conhecimento desejado.
A unicidade conceitual não ocorre o tempo todo, nem no âmbito da filosofia, nem na esfera da ciência. Um tema filosófico fundante, como o tema da verdade, já não reúne um consenso teórico em torno de si, como no tempo dos gregos.
As investigações científicas das diferentes áreas, antes ancoradas nos critérios de exatidão e verificabilidade de fenômenos, hoje necessitam de outros aportes para desenvolverem o procedimento científico de forma não-determinista. Deparamo-nos com uma tensão necessária entre o sujeito do processo e o resultado das investigações. Nem tudo é previsível e a imponderabilidade integra o mundo da filosofia como o mundo da ciência, na expressão mais eloqüente de que o fazer humano passa por vicissitudes não controláveis na totalidade.
Conceitos científicos e saberes filosóficos são construções humanas necessárias, como balizas teoréticas do mundo, ainda que tomadas pela característica da falibilidade. Isso revela nossas limitações e pode aproximar-nos em todo processo investigativo, sem construir inimizades e sem perturbar as emoções.
Esse exercício da nossa racionalidade permite a perspectiva da sabedoria dos simples e dos serenos. Não há necessidade de guerrear devido às descobertas e inovações. Basta a inteligência, cuja ousadia aprimora o bom senso e afasta a prepotência daqueles que tudo sabem.
Ao nos reportarmos ao “Conhece-te a ti mesmo”, enfrentamos questões aproximativas, que decorrem da exortação apresentada a Sócrates: Quem somos? Quem nos atrevemos a ser? Qual coragem comanda nosso discurso e nossa ação investigativa?
Conheça vídeo “Os sofistas e Sócrates”.
O sujeito histórico que somos, pode buscar o perfil de Caim, da dissimulação pela inveja, negando a fraternidade, ou, seguir os passos de Prometeu, de cumplicidade com os humanos, contra os deuses, ou, ainda, pode repensar sua práxis, na encruzilhada de um destino cujos comandos não estão tão distantes de seu imaginário como possa parecer.
Basta que se torne menor a fala da soberania individualista e heroica e se apresente mais simples o discurso de partilha e de compromisso, para que se efetive uma ação cujas luzes não sejam apenas as do esclarecimento, mas as da cultura da paz.
Conheça um pouco mais da história de Sócrates.
Autora: Cecília Pires
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Sugestões de uma prática pedagógica – Disciplina Filosofia
Esta atividade pode ser aplicada a estudantes de Nono Ano do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio.
No Nono Ano, Unidade temática: Política, conhecimento e estética, Objetos de Conhecimento: Possibilidade de conhecer as coisas a partir de Sócrates. Habilidades: Entender o processo de conhecimento e as diferentes formas de conhecer desenvolvido pelo ser humano de modo a utilizá-las, respeitá-las e valorizá-las.
Questões para pensar:
- Após ler este texto, resumo com palavras próprias o que você entendeu sobre esta reflexão “Filosofia: como pronunciá-la”?
- Como você pronunciaria a filosofia a partir das ideias do texto?
- A autora Cecília Pires utiliza em seu texto as ideias de Sócrates, utilizando a frase “Conhece-te a ti mesmo”. O que você já sabe de Sócrates?
- Assista ao vídeo (https://youtu.be/48YutxLmG_E?t=149 ) sobre Sócrates e os sofistas. Faça um breve resumo do que você entendeu sobre a vida, os fundamentos e o método de Sócrates.
- Após assistir o vídeo (https://youtu.be/809bdDKp1BA?t=20 ), escreva um pouco mais sobre este importante pensador na filosofia que é Sócrates.
- Você já conhece os 3 filtros de Sócrates? Assista o vídeo (https://youtu.be/qFFYB-ptb7Y?t=39 ) e escreva sobre os filtros.