Promover processos educativos que nos ajudem a pensar, a conviver de forma saudável com os outros, perceber o valor das pequenas coisas e, acima de tudo, cultivar as virtudes da prudência, temperança, gratidão, tolerância, simplicidade e amor podem se constituir estratégias educativas para vencer a sociedade do cansaço.
Li recentemente o livro Sociedade do cansaço do filósofo coreano Byung-Chul Han. Trata-se de um provocativo ensaio que aborda um dos complexos problemas da sociedade contemporânea. Segundo ele, cada época tem suas doenças paradigmáticas.
Assim como existiu a época bacteriana e viral que durou até a descoberta dos antibióticos, a entrada do século XXI caracteriza-se pela presença visível das doenças neuronais, tais como depressão, transtorno por déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ou certas perturbações da personalidade.
Na época bacteriana e viral (imunológica), o grande inimigo era o corpo estranho (o outro) que precisava ser eliminado. Por isso, era necessário ter mecanismos imunológicos que pudessem expelir, jogar para fora a ameaça. Em termos biológicos, o sistema imunológico possibilita que o organismo produza mecanismos de defesa (anticorpos) podendo assim expelir qualquer corpo estranho ameaçador. Em termos sociais, a imunologia se faz sentir nas práticas de defesa contra os inimigos que representam uma ameaça a existência da ordem e do funcionamento normatizado de uma determinada comunidade ou grupo social.
Para o filósofo coreano, a dialética da negatividade é o princípio fundamental da imunidade. O outro imunológico é o negativo que se introduz sutilmente e passa a constituir uma ameaça. Por isso precisa ser eliminado. Em termos simples, a presença de um vírus gripal representa uma ameaça ao organismo que tenta de todas as formas se defender. A utilização de antibióticos representa a solução instantânea para auxiliar o organismo a realizar mais depressa a eliminação do intruso que constitui uma ameaça.
Para o filósofo coreano, as doenças neuronais seguem uma dialética da positividade, ou seja, o inimigo não é mais um corpo estranho, um estrangeiro que precisa ser eliminado, mas sim um idêntico que produz excesso e que gera o esgotamento, a fadiga e a sensação de sufoco.
As doenças neuronais produzem a sociedade do cansaço, do excesso, da fartura exagerada. Nosso tempo se caracteriza justamente por um excesso de tudo: de informação, de comida, de consumo, de atividades, de ocupação, de imagens, de produtos, de desejos, de trabalho, de produção.
Como diz o filósofo coreano, o aumento excessivo de produção leva ao enfarte da alma. O cansaço da sociedade de produção é um cansaço individual, um cansaço que separa e isola, um cansaço alienante. Este cansaço alienante provoca no indivíduo a incapacidade de ver, de perceber, de dar-se conta.
As reflexões de Byung-Chul Han em seu escrito Sociedade do cansaço, podem se apresentar a nós como um elemento educativo importante. Seja na escola ou na vida diária, seja na forma como conduzimos nossas atividades rotineiras ou como nos relacionamos com os outros, precisamos nos dar conta se não estamos absorvidos pela sociedade do cansaço, ou seja, uma condição de excesso que gera fadiga, depressão, sensação de sufoco.
O uso exagerado de antidepressivos, a medicalização precoce das crianças, os diagnósticos apressados de Transtorno por Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou certas perturbações da personalidade, atestam que a sociedade do cansaço se faz presente no nosso cotidiano.
Promover processos educativos que nos ajudem a pensar, a conviver de forma saudável com os outros, perceber o valor das pequenas coisas e, acima de tudo, cultivar as virtudes da prudência, temperança, gratidão, tolerância, simplicidade e amor podem se constituir estratégias educativas para vencer a sociedade do cansaço.
O futuro depende da forma como conduzimos nossas escolhas no presente. Viver a falsa esperança de que o universo conspirará para que no futuro as coisas estejam sintonizadas com o que gostaríamos de ter é alimentar um modo conformista de enfrentar a vida, é esperar que o destino se encarregue de ajustar os caminhos para termos uma vida melhor. Leia mais: https://www.neipies.com/filosofia-para-viver-intensamente-o-presente/
Autor: Dr. Altair Alberto Fávero
Edição: Alexsandro Rosset
Excelente apontamentos professor Altair! Já fiquei interessada na leitura do livro. Obrigada por compartilhar.