O que adianta cumprir formalmente a escolaridade e não se encontrar preparado em sua essência para o vestibular, ENEM e mesmo vida profissional? Não é um incentivo ao analfabetismo funcional?
A complacência não ensina nada.
Sem rigor, sem disciplina, o aluno estará fingindo que passou de ano.
Você gostaria que seu filho tivesse uma aprovação sem mérito?
Contesto com veemência à portaria 305/2022 da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc), que altera as formas de avaliação dos estudantes da rede estadual de ensino. Publicada em 30 de dezembro, permite que os alunos que não tiveram frequência mínima de 75% das aulas possam fazer uma prova final e, caso alcancem a média 5, sejam aprovados.
É um encorajamento descarado para gazetear as aulas, um tributo à inadimplência.
Não compreendo como a criança e o adolescente serão capazes de evoluir mantendo-se ausentes da escola.
É um novo sistema de aprendizagem por telepatia? Quem sabe não transformamos o nosso ensino presencial em curso por correspondência? Não seria mais honesto?
Porque estaremos invalidando as conquistas do saber em prol das facilidades da obtenção de grau para os estudantes do 3º ao 9º ano do Ensino Fundamental e de todo o Ensino Médio. A portaria 305/2022 põe por terra os requisitos mínimos da avaliação, antes estabelecidos em frequência igual ou superior a 75% do total da carga horária e média anual igual ou superior a 6.
O que adianta cumprir formalmente a escolaridade e não se encontrar preparado em sua essência para o vestibular, ENEM e mesmo vida profissional? Não é um incentivo ao analfabetismo funcional?
Já não bastam as lacunas e sequelas de conteúdo herdadas da epidemia da COVID-19 no último biênio, com transmissões online absolutamente irregulares?
A decisão vai contra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e apenas transmite a primeira impressão de maquiagem de estatísticas pelo Governo do Estado, que não me parece preocupado com a qualidade do ensino, porém em manter índices para futuras avaliações positivas do mandato.
Isso que os nossos números nem são promissores, talvez seja o medo de que eles se tornem ainda piores e evidenciem uma calamidade.
De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2021, o Rio Grande do Sul ficou com 5,9 nos anos iniciais do ensino fundamental da rede estadual, em posição de igualdade com a média nacional. Nos anos finais, foi avaliado em 5,0, também em conformidade com a média brasileira. No ensino médio, o estado se mostra estacionado com sofrível 4,1, praticamente igual ao índice de 2019 (4,0) e pouco acima da média nacional (3,9).
Mesmo sob a égide de “Estudos de Recuperação”, bem temos a consciência de que não há como reaver no ano seguinte as habilidades e competências previstas no ano anterior.
É um funil impiedoso do currículo que não oferece tempo para resgatar deficiências retardatárias individuais no atendimento coletivo da turma, até porque cada matriculado precisa ter assimilado uma base para acompanhar desafios cada vez mais complexos. É como querer começar um game a partir da sua fase mais avançada, não entendendo as suas regras de sobrevivência.
A medida pode até inibir a evasão escolar, entretanto, criará um problema mais sério lá adiante, autorizando a precariedade da formação.
Autor: Fabrício Carpinejar
Coluna publicada no jornal Zero Hora, GZH, Última página, Porto Alegre (RS), 20/2/2023.