As religiões têm a nobre missão de conduzir o humano ao transcendente, mas cumprem, igualmente, a não menos nobre missão de conduzir o humano ao humano, colaborando para a fraternidade universal e a defesa da justiça.
A religião cristã fala a partir de Jesus Cristo, mas reconhece a legitimidade de outros pontos de vista e de experiências religiosas e, em diálogo, sonha com um mundo onde reine a paz. Essa parece ser a síntese do oitavo e último capítulo da Encíclica que o Papa elabora dois momentos.
O fundamento último
Poderá haver razões sólidas e seguras para a fraternidade universal sem a “abertura ao Pai de todos”?
Para o Papa Francisco essa é a questão de fundo a ser respondida e a sua resposta é “não”. Sem uma referência última a Deus, diz o Papa, não há como fundamentar uma convivência fraterna.
A Razão, diz o Papa, não é capaz, por si só, de fundar a fraternidade. No máximo, é capaz de fundar a igualdade e a liberdade cívica, porém, a fraternidade só é possível se houver reconhecimento da transcendência amorosa de Deus.
A afirmação do Papa parece apologética, dogmática e acrítica, afinal, a razão humana não pode ser descartada como formuladora de princípios últimos e de valores universais capazes de estabelecer acordos em torno de direitos humanos, por exemplo, que faculte a vivência da fraternidade e da paz.
Contudo, o Papa Francisco insiste que sem o postulado de Deus, a razão será sempre parcial e ideológica, levando, cedo ou tarde para totalitarismos e triunfos da força do poder que oprime e cultua ídolos. E diz mais, sem a religião o mundo entra em crise, perde a esperança, e os ideais de paz, justiça e fraternidade se esfumaçam. Só pela afirmação da transcendência pode o humano se libertar do individualismo e materialismo a que fomos conduzidos pela modernidade.
O Papa Francisco reivindica o direito de recolocar a religião no patamar que nunca deveria ter perdido no debate público e na formulação de políticas e ações efetivas que “promovam o homem e a fraternidade universal”.
Com isso não está querendo desconhecer a autonomia da política e, muito menos pretende “disputar poderes terrenos”, mas oferecer o que a religião tem de sabedoria acumulada na história e que pode ajudar para recuperar a esperança num mundo melhor (FT 172-276).
O Papa Francisco fala a partir da religião cristã, contudo reconhece o valor das outras religiões e com elas cria pontes de diálogo e reconhecimento, sabedor de que não há paz entre os povos e culturas sem paz entre as religiões.
O que une as religiões é muito maior e mais importante do que as dividem e por isso, convoca a todas as religiões a se congregarem em torno da paz, fraternidade e justiça a serviço da humanidade (FT 277- 280).
Religião e violência
“Entre as religiões, é possível um caminho de paz!” (FR 281). O ponto de partida e horizonte comum, para tanto, deve ser o olhar de Deus. E o olhar de Deus é o olhar com o coração que ama, tanto o crente quanto o ateu.
O amor de Deus a todos e a tudo alcança e nele não há espaço para violência e vinganças. Se alguém, em nome de Deus, se vale do recurso da violência, saiba, diz o Papa, que está interpretando equivocadamente a Deus e interpretando erradamente as fontes das religiões. “A verdade é que a violência não encontra fundamento algum nas convicções religiosas fundamentais, mas nas suas deformações” (FR 282).
Nesse sentido, o terrorismo é um desvio, um erro, um ato execrável e sua origem não se deve à religião, embora os terroristas a instrumentalizem, mas tem “origem em interpretações erradas de textos religiosos, nas políticas de fome, de pobreza, injustiças, de opressão e arrogâncias” (FT 283).
Por isso diz o Papa, é preciso parar de financiar o terrorismo e denunciar quem patrocina, pois são tão criminosos quanto quem o pratica. E faz uma afirmação e um apelo final. Às vezes, diz o Papa, as violências em nome da religião são devido a imprudência dos seus líderes que deixam de ser o que deveriam ser, a saber, mediadores dialogantes da paz. O apelo é de que as religiões nunca incitem à violência ou ao derramamento de sangue e não reivindiquem para si sentimentos de ódio e de extremismos, mas sejam um caminho de paz, justiça e fraternidade.
O Papa é ou não é um oásis no deserto e uma luz que brilha na escuridão?
Autor: Gilmar Zampieri
Edição: Alex Rosset