Para os reacionários, o termo carrega um caráter ideológico. Falar em gênero, para essas pessoas, equivale a incentivar o fim da família tradicional, pois reforçaria a ideia de que cada sujeito pode ser o que quiser, independentemente do seu sexo biológico – este sim, um desígnio divino.
“Bom dia e sejam todxs bem-vindxs”. Esta saudação da Escola St. Patrick, em nossa cidade Passo Fundo, RS, a seus alunos e alunas foi o que bastou para desencadear uma avalanche de críticas ligadas a uma pretensa pregação de gênero. Coisa que passou longe da direção do educandário. Mas, aproveitando o gancho, vamos ao tema.
A medicina, na verdade, já considerou a homossexualidade uma patologia. Entretanto, o último capítulo da estigmatização dos gays pelo discurso médico viria em 17 maio de 1990, quando a Organização Mundial da Saúde retirou o “homossexualismo” da lista de patologias relacionadas na Classificação Internacional de Doenças.
A partir de então, na data passou a ser celebrado o Dia Internacional contra a Homobofia. Me parece que muitos, cegados por seu conservadorismo, desconhecem tal fato.
A bandeira do moralismo passou a ser adotada por políticos, pois tem muito mais eco do que o neoliberalismo de gabinete.
Você sempre vai encontrar setores muito grandes da sociedade que te apoiam quando o foco passa a ser a sexualidade, porque são pautas que ainda têm questões transversais de racismo e classismo que são complicadas de vencer. É o marketing do moralismo.
É preciso entender que tratar da questão de gênero na escola é tratar da diferença. Professores e funcionários podem possibilitar espaços de experiência para alunas e alunos, ou reproduzir situações de violência e discriminação. Eis a escolha!
Para os reacionários, o termo carrega um caráter ideológico. Falar em gênero, para essas pessoas, equivale a incentivar o fim da família tradicional, pois reforçaria a ideia de que cada sujeito pode ser o que quiser, independentemente do seu sexo biológico – este sim, um desígnio divino.
Tal raciocínio, pautado na defesa de uma família específica e das regras de gênero, ignora que ele próprio está imerso em uma ideologia, ou seja, carrega valores social e historicamente construídos. O ato de nomear está imerso nas relações de poder: implica hierarquias que sustentam relações de discriminação com tudo o que difere dos nossos pressupostos.
Aí está a importância de tratar desta temática na escola, em um contexto tão hostil às questões de gênero e às múltiplas formas de entendimento da sexualidade.
A escola não é um espaço neutro. Toda a comunidade escolar estimula determinadas práticas, reforça discursos, fala de sexualidades, desejos e afetos.
A vida escolar referenda o nosso agir no mundo. É fundamental para a consolidação das nossas personalidades, identidade e subjetividade. É imprescindível que este exercício seja o de conviver com a diversidade e com as diferenças.
É preciso considerar que nem todos se reconhecem na anatomia de nascimento nem se sentem atraídos pelo diferente. Simone de Beauvoir escreveu, em 1949, que não se nasce mulher. Torna-se. Falava Simone dos papéis sociais.
A escola pode se consolidar como um lugar acolhedor, ou pode se converter em um ambiente onde se reproduzem preconceitos, silêncios e formas de discriminação. A escola não deve servir somente para ensinar línguas, geografia, história e matemática!
A “ideologia de gênero”, inventada pelo catolicismo neoconservador nos 1990-2000, não só faz eco a discursos dos anos 1920-1930 na Europa, como, sobretudo, foi habilmente enxertada sobre os extratos recentes de repúdio ao chamado marxismo cultural. (Sônia Corrêa) Leia mais!
Autor José Ernani de Almeida
Edição: Alex Rosset