“Gente de coração bom sofre mais,
mas também sempre dorme com a
consciência tranquila e acorda em paz”.
(Victor Fernandes)
Doutor Drauzio Varella, me dirijo ao Senhor em solidariedade pelas repercussões negativas depois do seu espontâneo abraço à transexual Suzy Oliveira, revelado durante reportagem exibida no Fantástico.
A reportagem do Fantástico teve a intenção de mostrar a realidade em que vivem pessoas transexuais num presídio. Corajosamente, o senhor também já assumiu todas as consequências pelas repercussões negativas que sua espontânea ação amorosa suscitou.
O abraço de Drauzio foi um ato de amor, caridade e expressão pura de humanidade. Os cristãos que negam e difamam esta atitude do médico não aprenderam nada com a vida e os ensinamentos de Jesus.
Como já escreveu Frei Betto, “todos nós cristãos somos discípulos de um preso: Jesus de Nazaré. Ele chegou a afirmar sua identificação com os encarcerados: “Estive preso e me visitastes” (Mateus 25, 36). Puna-se o crime, salve-se o criminoso. Caso contrário, a indiferença, o ódio, a sede de vingança farão nascer em nós o assassino em potencial. O resto será apenas uma questão de oportunidades”.
Padre Fábio de Mello usou seu perfil no Instagram para elogiar Drauzio por sua postura. Segundo Mello, a atitude foi “verdadeiramente profética”. “Procure não fazer julgamento. Ouse ver o coração solitário, a dor abscôndita que tantas vezes nosso preconceito não nos permite decifrar. Ouça bem o terceiro ‘bastante’ que essa mulher trans, presidiária, diz ao final”, escreveu Fábio de Mello.
Drauzio Varella, como disseste após as repercussões, não és juiz. És médico e repórter. Sua vida, bem como suas posturas depois das repercussões revelam que és uma pessoa de muita sensibilidade e humanidade.
Não conheço suas crenças, mas cultivas atitudes que revelam espiritualidade como cuidado (de si mesmo, dos outros, da natureza). Há muitos, por aí, cheios de religião e vazios de espiritualidade, como já escreveu Reverendo René Kivitz em circunstâncias onde a prática da caridade também foi barrada por conta de cegueira religiosa.
“Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno, ou se Deus é a favor ou contra a prática do homossexualismo, ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar os favores de Deus, você está discutindo religião. Quando você concentra sua atenção e ação em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade que é comum a todas as tradições religiosas”.
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Seu abraço não te condena! As repercussões negativas deste abraço revelam que estamos perdendo humanização na sociedade na medida em que politizamos, julgamos e condenamos os que ainda são capazes de fazer o bem, sem olhar a quem.
Imagino, Drauzio, que seu coração esteja sofrendo muito. Quem faz o bem, de forma espontânea, desinteressada e humanizadora, sofre pela intolerância dos que ainda não são capazes de praticar compaixão, que nada mais é do que “colocar-se no lugar dos outros”.
“Fazer o bem sem olhar a quem” é uma associação ao princípio do amor ao próximo, a quem não posso nem devo escolher ou selecionar, pois nem sempre está revelado em sua totalidade. Não devo me preocupar com o beneficiário de minha ação ou caridade, devo simplesmente fazer o bem. Carrega também um princípio ético de reciprocidade e ensinamento de uma lei universal de retorno (quem faz o bem, colhe o bem. Já quem faz o mal, …)
Antonio Carlos Barro, professor de teologia, assim problematiza a expressão “fazer o bem sem olhar a quem”.
- “Fazer o bem é uma escolha minha. Intencional. Depende apenas de mim e está em mim fazer isso. Fazer o bem não depende do outro, da circunstância, de nada. Se eu quero fazer o bem, eu o faço. Ponto final.
- Sem olhar a quem expressa o conceito bíblico do amor ao próximo. O meu próximo não é escolhido pelas minhas preferências, predileções ou vontades. Sem olhar a quem expressa uma bondade que não espera retribuições, que não espera favores e nem mesmo um “muito obrigado”. É a expressão suprema da solidariedade da raça humana.
- Fazer o bem sem olhar a quem faz parte também de uma lei universal que precisamos considerar mesmo à vista do que foi escrito acima. É a lei da semeadura e da colheita. Isso é inevitável. Quem faz o bem, colhe o bem. Uma pessoa que pratica o bem nunca se arrepende (diferentemente de quem pratica o mal)”.
Meus irmãos e minhas irmãs, estamos varrendo das nossas relações sociais os valores cristãos fundamentais ensinados e praticados por Jesus Cristo. Jesus, mais do que ninguém, ensinou e praticou o bem, a compaixão e a solidariedade aos que o procuravam, sem prévios julgamentos. Sabia acolhê-los em seus pecados, indicando-lhes caminhos como no caso da mulher adúltera.
“…Ele é o Filho de Deus, santo, puro e mesmo assim não condenou a mulher que foi pega em atitude pecaminosa. Jesus mostra sua compaixão pela mulher, ele quer dar a ela uma oportunidade de ser curada, de crescer. Jesus não a pune, pelo contrário estende a ela uma nova oportunidade para poder consertar, escolher novos caminhos para sua vida. “Vá e não peques mais”. Ele mostra misericórdia e graça. Dá a ela uma nova direção para sua vida. Jesus mostra a compaixão. Ele tem compaixão por nós também! Somos pecadores, não há distinção alguma entre os homens e mulheres. Jesus olha para nós e sabe das nossas fraquezas, mas Ele não aponta o dedo para nos condenar, Ele quer nos ajudar a ter novos caminhos para nossa vida”. (Joice Lima, Igreja Batista de Morumbi)
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Pastor Hermes Carvalho Fernandes, líder da Igreja Reina Brasil, também escreveu após as repercussões negativas do abraço de Drauzio à transexual Suzy:
“Você se recusaria a abraçar uma trans por saber de sua vida pregressa de crimes? Será que temos o direito de condenar um médico ateu por ser mais cristão do que nós? Será que não estamos agindo exatamente como fez o fariseu que questionou Jesus por receber a oferta de uma prostituta? “Quando o fariseu viu isso, pensou assim: Se este homem fosse, de fato, um profeta, saberia quem é esta mulher que está beijando e tocando nele e a vida de pecado que ela leva” (Lucas 7: 39).”
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À prática do bem e da caridade precedem julgamentos? Qual é a diferença entre o abraço a uma pessoa (cuja história não importa -em casos de solidariedade e humanidade) e uma ação de caridade a pessoas que passam fome ou necessidades?
Olhamos o currículo das pessoas que beneficiamos com uma ação de doação de alimentos? Perguntamos sobre a sua ficha criminal na hora de estendermos uma sopa, um alimento ou uma roupa a quem não tem? Ou, simplesmente, fazemos o bem, importando-nos, sobretudo, com a sua humanidade?
Não é justo, razoável e nem sensato que condenemos ações que promovem a humanização. O acolhimento, indispensável na vida de cada e de todo ser humano, deve ser encorajado e estimulado.
Todo ser humano deseja e necessita, imensamente, ser querido, amado e compreendido. Creio que a verdadeira humanização também passa por isso e, com certeza, livraria muitos e muitas dos “encarceramentos”.
Mas a quem interessam as verdadeiras histórias e contextos, se é muito mais fácil simplesmente julgar?
Irmão Drauzio Varella, seu “tão questionado abraço” despertou em mim os melhores sentimentos humanistas e cristãos! Reafirmaste crença de que “o amor cura e o abraço salva”. Sinta-se por mim também abraçado!