Getúlio, como ninguém,
aperfeiçoara dois atributos fundamentais
para todo o homem público:
a paciência histórica e o
senso de oportunidade política.
Há 65 anos, em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas suicidou-se, pondo fim a uma extraordinária carreira política que o transformou no personagem mais importante da história brasileira do século 20.Seus biógrafos revelam que desde muito jovem ele demonstrou qualidades excepcionais.
Uma reminiscência familiar dá conta de certa visita do senador Pinheiro Machado a São Borja, quando Getúlio ainda não passava de um menininho a brincar, no chão, com soldadinhos de osso de boi.
Conta-se que Pinheiro ficara tão impressionado com a curiosidade e a inteligência precoce do garoto que teria comentado com o pai de Getúlio, o velho, Manuel Vargas – natural de Passo Fundo: “ Este menino vai longe! Talvez chegue à presidência da República”. A cena parece circunscrever-se àqueles casos em que a história é escrita com o propósito de fabular uma suposta predestinação do personagem.
A verdade é que Getúlio logo cedo demonstrou interesse pela vida política. Como acadêmico de Direito, em Porto Alegre, foi um dos fundadores do Bloco Acadêmico Castillhista, que pelo nome explicitava claramente sua matriz ideológica. Em 1909, aos 26 anos, Getúlio foi eleito deputado estadual pelo Partido Republicano. Sua eleição foi tranquila uma vez que, na época, as urnas rio-grandenses jamais reservavam más surpresas aos amigos do governo. Em 1913 Getúlio foi reeleito.
A exemplo da vez anterior, com o devido aval de Borges de Medeiros, a eleição foi garantida antes mesmo das mesas receptoras procederem à contagem das cédulas eleitorais. Ele foi o candidato mais votado. Entretando, para o espanto de seus pares, decidiu renunciar à cadeira de deputado, alegando deslealdades políticas ocorridas dentro do Partido Republicano. Somente em 1917, Vargas voltou à política estadual ao ser eleito deputado pelo PRR, ocupando o papel de líder natural entre os colegas de bancada republicana.
O crescimento do prestígio de Getúlio no seio do seu partido, fez com que em 1922 ele fosse indicado para a Câmara Federal e, com a ajuda da máquina estadual republicana foi confirmado nas urnas, por uma eleição extraordinária, para cumprir um mandato-tampão, uma vez que o titular havia falecido. Assim, Vargas teria um período de pouco mais de um ano na Câmara Federal. No Rio, abriu portas, estabeleceu relações, conquistou interlocutores.
Quando Washington Luis foi eleito para a presidência em 1926, Vargas foi convidado para ocupar o Ministério da Fazenda, o que pareceu irônico, uma vez que, na época, o Rio Grande do Sul estava imerso em grave crise financeira. Entretanto, a imagem de austeridade que o castilhismo-borgismo havia cultivado anos a fio – controlando até mesmo a quantidade de lápis na prestação de contas de cada secretaria de estado – obtivera ressonância para além das fronteiras regionais.
Aqui no estado, o último quinquênio de Borges de Medeiros estava chegando ao fim, como previra o acordo de Pedras Altas,que fora celebrado no final da Revolução de 1923. Getúlio, de imediato, surgiu como nome mais indicado para o governo gaúcho. Borges, depois de alguma relutância, assentiu. No papel de candidato único, Getúlio nem precisou fazer campanha para se eleger, em novembro de 1927, o novo presidente gaúcho.
Adotando uma política de conciliação, Getúlio passou a construir as bases para uma grande aliança estadual, algo decisivo para as pretensões de uma candidatura rio-grandense a presidência da República. A conciliação foi facilitada quando reunidas sob uma nova legenda – Partido Libertador – e lideradas por Assis Brasil, as oposições gaúchas decidiram oficializar a trégua em relação ao governo estadual, o que abriu caminho para uma gradativa reconciliação entre as oligarquias regionais no Rio Grande.
Ao final do governo de W. Luiz, mineiros e paulistas, não chegaram a um acordo quanto ao candidato à sucessão do presidente que deixava o poder.
Vargas apareceu como uma alternativa, lançado à presidência pela Aliança Liberal, formada por Minas, Paraíba e o Rio Grande, para enfrentar Júlio Prestes, candidato de São Paulo. De São Borja Getúlio acompanhou com a conveniente distância a crônica sangrenta que marcou o último mês de campanha. Como era esperado, a candidatura oficial venceu em todas as unidades da federação, com exceção dos três estados que compuseram a Aliança.
Entretanto, a vitória nas urnas não representou a ascensão de Júlio Prestes ao poder. Uma revolução, iniciada em outubro de 1930, levou Vargas ao Catete, para governar o país por 15 anos e iniciar um grande processo de modernização. Para tanto usou de toda a sua habilidade política e, não teve dúvidas, em enveredar até mesmo para uma ditadura. Em 1945, foi obrigado a se retirar para a sua região natal pelos mesmos militares que haviam apoiado o seu projeto nacionalista de poder.
Ao ex-ditador, convertido num modesto estancieiro, apenas restaram as distrações das cavalgadas, do mate e dos charutos. Mas isto seria por pouco tempo. Em 1951 ele estaria de volta, “nos braços do povo”.
Getúlio, como ninguém, aperfeiçoara dois atributos fundamentais para todo o homem público: a paciência histórica e o senso de oportunidade política. Há 65 anos,acossado por uma grave crise , fez aquilo que em muitos momentos de sua jornada política, disse que faria: cometeu o suicídio e, assim, transformou-se em um verdadeiro mito.