As crianças sabem bem o que é serem amadas, principalmente as que ouvem contos de fadas. Não as deixemos nas mãos de qualquer pessoa e nem as entreguemos em creches sem que saibamos que são especialmente cuidadas, pois os primeiros amores marcam o espírito em formação.
Alguns educadores, psicopedagogos e teóricos da infância preferem falar mais na razão do que no imaginário; eu sinto-me mais à vontade em falar desse outro mundo que cada criança tem dentro de si e o povoa como deseja: o mundo imaginário.
Esse mundo que está se perdendo aos poucos, deixado de lado, esquecido, muitas vezes substituído logo na tenra idade por jogos e produtos eletrônicos. As nossas crianças já não têm mais tempo para imaginarem outros mundos e o mundo real vai se tornando cada vez mais insuportável de se viver sem com isso ter outro lugar para fugir quando ele não for mais capaz de atender as expectativas da criança.
Diziam que o filósofo Tales de Mileto vivia no mundo da lua, mas ninguém sabia que ele tinha o seu mundo imaginário cheio de criatividade e ideias que mais tarde serviram para torná-lo o pai da filosofia grega. Não se preocupem se as suas crianças passam a maior parte do tempo nos seus mundos imaginários, melhor do que ficarem tanto tempo presas a computadores ou celulares.
Claro que tudo o que é demais é prejudicial, mas a criança dá sinais quando algo está errado com ela. Converse com a sua criança e procure descobrir sobre o que ela pensa, quais seus sentimentos em relação ao mundo real e como ela faria para tornar o mundo mais bonito, assim você saberá se ela está com o mundo imaginário fértil ou não.
Antigamente, as nossas crianças ouviam histórias e eram felizes, não tinham traumas, não tinham medos, não perdiam o sono à noite, dormiam no escuro e nem faziam xixi na cama.
As nossas crianças ouviam histórias de dragões, fantasmas, bichos do nosso folclore, outros bichos inventados pelas contadoras de histórias e ficavam assustadas, maravilhadas, coraçãozinho parecia que ia sair pela boca, mas eram outros tempos aqueles. Tempos em que a violência quase não existia, em que os jogos eletrônicos não eram de combates e muitas mortes, tempos em que ir e voltar da escola era o melhor passeio do mundo. Nesses tempos, as crianças tinham outros mundos, os seus mundos imaginários.
A criancinha ouvinte de histórias ama e é amada. Ao abrir o coração e a fantasia, ela deixa-se envolver pelo momento em que está ouvindo a história, aprendendo tanto com o conteúdo da história quanto pela forma pela qual é narrada, que é a grande arte do contador de histórias que seria o amante principal. Leia mais!
Nem é preciso jogar para vermos tantas mortes violentas, pois na vida real, em alguns bairros de periferia, as crianças convivem com a morte todos os dias, e isso é assustador. Muitas delas são obrigadas a carregarem armas pesadas desde cedo e como num jogo eletrônico precisam vencer o inimigo de qualquer jeito. Essas crianças precisam de contos de fadas, mesmo que sejam considerados bobinhos, eles podem ajudá-las a sonharem com um amanhã melhor.
O mundo real mudou. Exige da criança hoje que ela aprenda programação de computadores logo cedo, seja uma expert em robótica, matemática, lógica e estão esquecendo de contar histórias fantásticas às nossas crianças. Estão esquecendo de que os contos de fadas salvam as crianças dos seus medos e traumas que a vida todos os dias lhes apresentam.
Estão esquecendo que o melhor mundo para a criança é aquele em que ela tem o domínio e os acontecimentos são conforme o seu desejo. Não façam isso com as suas crianças. Não lhes tirem o direito de imaginar, a imaginação é o que há de melhor para o bem viver. No mundo imaginário a gente esquece as perdas, as tristezas, as doenças, os medos, as angústias.
Não vemos mais crianças dizendo que criam dragões ou que serão felizes para sempre. Estamos trocando os contos de fadas por histórias realistas, histórias que quase nada acrescenta ao imaginário das crianças.
Aos poucos, as nossas crianças estão deixando de dizer que querem ser príncipes ou princesas, isso a gente pode ver nos seus desenhos que estão cada vez mais reais, principalmente nas crianças que vivem nas periferias do nosso país.
As crianças pobres e negras são as mais afetadas, pois não têm acessos a livros de contos de fadas e não têm quem se preocupe com os seus mundos imaginários. Essas precisam sair cedo de casa para trabalhar e ajudar seus pais nas despesas de casa. Também são as crianças de periferias vítimas de violências com trocas de balas entre a polícia e traficantes. Vivem assustadas e são as que mais precisam ouvir contos de fadas para fugirem desse mundo cruel e habitarem nos seus mundos inventados por si próprias.
Faço aqui um apelo às Secretarias de Educação, dirigentes de escolas, professores, psicopedagogos para retomarem o estudo dos contos de fadas às salas de aulas. Eles são o que há de melhor para se cuidar de uma criança. Eles ensinam às crianças a como lidarem com seus medos e aflições, a como vencerem os obstáculos, os monstros e os sofrimentos diversos da vida real.
Os contos de fadas também fazem parte do mundo imaginário das crianças, principalmente daquelas que moram longe de uma floresta, da vovó e dos animais.
A menina que ouviu o conto de fada da Chapeuzinho Vermelho em algum momento da sua vida criou um mundo imaginário onde se viu sendo uma menina na floresta indo à casa da vovó e enfrentando o lobo mau. Esse lobo mau pode ser considerado como as muitas formas de violência que temos no mundo real e que a menina consegue enfrentá-lo com a ajuda do caçador que pode ser uma pessoa próxima que passa segurança à criança.
As pessoas reais também fazem parte do mundo imaginário das crianças, tanto as boas quanto as más, precisamos para isso cuidar para que as nossas crianças guardem em seus mundos imaginários apenas as pessoas boas para crescerem seguras e saudáveis.
Toda criança deve ter seu mundo imaginário e nunca ser criticada por isso, ao contrário, se os pais ouvirem as crianças falando sozinhas enquanto brincam não é motivo para pânico. E toda criança tem um amiguinho imaginário com quem brinca, conversa e conta sobre os seus medos e angústias. Esses amiguinhos não tendem a ficar muito tempo, com oito ou nove anos eles costumam desaparecer.
O que chamo a atenção é para que o mundo imaginário seja habitado por coisas maravilhosas que só são encontradas nos contos de fadas, como a bondade e gentileza dos sete anos em cuidar da Branca de Neve. Mas também temos nos contos de fadas a maldade das madrastas e das bruxas que mostram às crianças o cuidado que elas devem ter com as pessoas da vida real e a aprenderem a enfrentar, sozinhas, seus medos.
Os contos de fadas são o que de mais belo há na literatura infantil. O que de mais belo pode ser usado para incentivar o mundo imaginário da criança a tornar-se grande o bastante onde ela possa sentir-se confortável e protegida.
Quando uma criança sofre uma dor é para o seu mundo imaginário que ela corre se não tiver a mamãe ou o papai por perto e nesse mundo onde tempo é uma preciosidade para os pais, as nossas crianças estão quase sempre sozinhas, ou seja, aos cuidados de alguém que não lhes passa tanto amor e confiança.
As crianças sabem bem o que é serem amadas, principalmente as que ouvem contos de fadas. Não as deixemos nas mãos de qualquer pessoa e nem as entreguemos em creches sem que saibamos que são especialmente cuidadas, pois os primeiros amores marcam o espírito em formação.
Sim, os contos de fadas devem ser lidos para as crianças ainda em berçários de forma leve e suave. Enfatizando-se a coragem do príncipe, a beleza do dragão, o amor dos irmãos e tantos outros sentimentos bons que a criança possa experimentar no seu dia a dia para um viver melhor. Até mesmo os adultos deveriam ouvir contos de fadas e continuarem alimentando os seus mundos imaginários, mas isso é motivo para outro artigo.
Penso que todos nós devíamos conservar o imaginário de alguma forma para podemos ter um lugar só nosso quando a vida doer fortemente na gente. Por que não permitir isso às crianças?
Autora: Rosângela Trajano
Edição: Alex Rosset
Não se vive apenas do real e exato. Precisamos de uma dose de imaginação até mesmo para explicar o que de fato existe. Incrementemos uma pitada de imaginação nas crianças para ajudá-las a conviver com a dura realidade.