Inclusão e cultura de paz na escola pública

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Se a Educação já vem enfrentando dificuldades, imagina o que não está dentro de um parâmetro da normalidade. Para o desenvolvimento de um trabalho escolar que esteja permanentemente de portas abertas para a inclusão, é interessante pensarmos sobre o momento que estamos vivendo.

Há 30 anos professora, 10 anos em Sala de Recursos, com experiência em direção e supervisão em escolas públicas e particulares, professora por 12 anos em Ensino Superior, Universidade, Sinara Cecilia Librelotto Busatto traz, em sua bagagem e experiência, a firmeza e a ternura necessárias para exercer uma educação de qualidade social, que interessa a todos os envolvidos nela.

Com maestria, inteligência e sabedoriaexerce a função de professora de Sala de Recursos, onde atende 42 alunos incluídos no Ensino Médio do Instituto Estadual Cecy Leite Costa, em Passo Fundo, RS. Mas também usa a sua experiência profissional e de vida para atuar no conjunto da escola, dando os suportes necessários para que nela se promovam a construção do conhecimento aliados à socialização (através da inclusão de todos e todas) e a perspectiva da escola como um lugar de vivências de tolerância e cultura de paz.

Acredita no poder da humanização, na possibilidade do conhecimento nos tornar pessoas melhores. Tem muito a nos ensinar, como veremos na entrevista que segue. Sinara Librelotto Busatto, com certeza, é Destaque na Educação.

Nei Alberto Pies: Professora Sinara, a partir de sua rica e vasta experiência na escola pública, qual são, na sua visão, os desafios da educação no Brasil?

Tenho certeza que a educação Brasileira já evoluiu muito, quando temos como referência os padres jesuítas catequizando índios e os filhos da monarquia frequentando escolas na Europa ou até mesmo fundando escolas para os filhos dos imperadores. Com o passar do tempo, melhorou bastante, mas não considero o ideal ainda. Penso que a EDUCAÇÃO é um direito de todos, mas como normalmente está atrelada à politica, isso não acontece na realidade. Considero que avançamos muito, mas pontuo alguns desafios principais que dificultam que a educação alcance seus fins.

1º) Falta de professor
Por causa dessa desvalorização do profissional nenhum jovem quer se tornar professor, os jovens preferem enfrentar outros cursos e outras profissões. São poucas as pessoas que se interessam pela profissão de professor e se arriscam fazendo um curso superior na área.

2º) Salário do professor
A educação brasileira também enfrenta o desafio com os professores, eles estão cada vez mais desvalorizados e sofrem muito com isso. O salário do professor brasileiro é baixo, a média dos docentes no país é cerca de 2.400 reais, isso não quer dizer que todos os professores recebem esse salário, pois o valor é diferente em cada estado. Mas com a média já é possível perceber a desvalorização do profissional.

3º) Jovens não sabem ler
Muitos alunos brasileiros têm uma grande dificuldade de ler, eles não conseguem estabelecer relações ao ler um texto e por isso encontram uma grande dificuldade de entender o que estão lendo. Quase 50% dos alunos brasileiros não são capazes de fazer uma boa leitura e esse é um grande desafio do ensino brasileiro, até porque faz parte da educação básica.

4º) Desinteresse
O desinteresse, a falta de objetivos e a falta de perspectiva de futuro de muitos alunos os impedem de ver na Educação uma possibilidade de mudança, de um futuro melhor do que vivem hoje.

5º) Infraestrutura
São poucas as escolas brasileiras que conseguem oferecer uma boa infraestrutura para o ensino, muitas vezes falta quadras de esporte, biblioteca, laboratórios, cantina e outras estruturas que os alunos precisam para ter uma boa educação.

6º) Desafio da educação básica: Idade certa
Muitos jovens e adolescentes demoram, por inúmeros motivos,para entrar na escola ou até mesmo desistem e por isso muitos estão nas escolas com a idade errada. Existem crianças mais velhas ainda fazendo a quinta série e até jovens de 15 anos nessa série. Esse é um grande problema enfrentado pela educação brasileira atualmente, muitos desses jovens acabam saindo da escola e desistindo ou optando pelo ensino EJA que não é o mais adequado e os jovens não são tão cobrados como na escola normal.

7º) Violência Escolar
É comum as notícias de brigas entre alunos, tráfico de drogas dentro da escola, agressões a professores e destruição do patrimônio das escolas. Infelizmente esse é um desafio que requer não só do governo, mas também dos pais dos alunos. A educação nesse caso não é ensinada apenas na escola, mas deve ser ensinada principalmente dentro de casa.

Nei Alberto Pies: Como é fazer inclusão, hoje, nos limites e nos potenciais de uma escola pública de Ensino Médio como o Cecy Leite Costa?

Se a Educação já vem enfrentando dificuldades, imagina o que não está dentro de um parâmetro da normalidade. Para o desenvolvimento de um trabalho escolar que esteja permanentemente de portas abertas para a inclusão, é interessante pensarmos sobre o momento que estamos vivendo

Segundo a filósofa Hannah Arendt: “a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele”. É, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, preparando-as, em vez disso, com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.

Hoje sabemos e entendemos que todos somos diferentes. A diferença é o que, de certa forma, nos humaniza. Percebê-la como valor é um processo que se estabelece em todas as esferas da vida e que legitimamos individual e socialmente.

Na articulação desses dois princípios pode-se concluir que todos têm direito às condições de vida digna e às oportunidades de realizar seus projetos de vida.

Qual o papel da escola tendo a diferença como valor?

A escola como instituição social tem como tarefa a transmissão e a veiculação de saberes e práticas para todos (qualidade social). Por meio das relações de diálogo e da criação de vínculos e tendo a diversidade como valor, trabalha no sentido de romper com a lógica da exclusão e da homogeneização. Ou seja, seu papel principal é preparar os alunospara a tarefa de renovar um mundo que está ainda repleto de situações de exclusão. Nessa perspectiva, são pressupostos que o processo de aprendizagem de cada criança é singular, que toda a criança aprende e que todas são importantes para o processo de construção de conhecimento no ambiente escolar. A educação inclusiva diz respeito a todas e todos!

Os avanços nos marcos legais são inegáveis e apontam para a necessidade de mudar a escola para além de modelos “engessados” que são geradores de exclusão. A Declaração de Salamanca (1994)  tem como diretriz que “as escolas regulares com orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular”. Na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) , que não fala apenas sobre educação e sim sobre todos os direitos humanos, é apresentado um novo conceito de pessoa com deficiência. Ela diz que “são consideradas pessoas com deficiência aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

A escola deve se abrir para atender estudantes com e sem deficiência e não somente àqueles que se adaptem a sua estrutura, dado que a deficiência é resultante da combinação entre barreiras existentes nessa mesma estrutura e impedimentos humanos.

Somos diferentes, temos os mesmos direitos e a escola é para todos. Sabemos e concordamos com esses princípios. Entretanto, quando estamos envolvidos nas tarefas cotidianas na escola, às vezes nos sentimos impelidos a repetir repertórios e ferramentas com os quais nos sentimos mais seguros, pois fomos forjados a partir deles. Nesse sentido, vale dizer que os estudantes público-alvo da modalidade de educação especial estão em desvantagem porque em nossa formação foram raros os momentos que pudemos conviver e estudar com pessoas diferentes.

Trabalhar com Educação Inclusiva numa Escola como o Instituto Cecy Leite Costa vem me fazendo repensar em vários aspectos. Pois nele existe um espaço e uma proposta de inclusão que abrange todos os aspectos e onde os educadores têm de reorganizar as escolas com o objetivo de garantir e qualificar socialmente o acesso de todas e todos às oportunidades educacionais e sociais. Os desafios aparecem nas relações entre pessoas diferentes convivendo no espaço comum. Fazer a escola para todos é aceitar o desafio de reinventar cotidianamente o mundo em que vivemos!

Nei Alberto Pies: Como vês a percepção dos pais e mães sobre a inclusão? O que eles mais esperam da escola?

Quando a família já viveu o luto de ter um filho com deficiência, o processo é mais fácil, mas quando essa tristeza não foi vivenciada temos que trabalhar para que esses alunos desenvolvam suas potencialidades sem a superproteção ou a exclusão pela própria família. Estes pais e mães vêm de uma vida sofrida, com marcas que dificilmente se apagarão, esperam que seus filhos sejam aceitos como eles são. Noto que na maioria das vezes eles valorizam muito a afetividade sendo que as limitações da aprendizagem ficam em segundo plano.

Nei Alberto Pies: Como vês a percepção dos alunos e alunas sobre a inclusão? O que eles mais esperam da escola?

Os alunos com deficiência já vem de uma caminhada bem dolorosa de rejeição e superação, o que mais esperam é aceitação e serem tratados como os outros.

Nei Alberto Pies: Como o Serviço de Orientação Educacional pode atuar integrado ao trabalho de inclusão na escola?

A Orientação Educacional tem um papel fundamental na inclusão dos alunos e não digo só dos alunos com deficiência, mas da inclusão social. Hoje os jovens estão buscando adrenalina, tudo o que deixe eles ligados e aceitos pelos grupos que querem fazer parte. Os primeiros a notarem isso são os professores no dia a dia, logo eles encaminham para a Orientação Educacional que tem todo um cuidado e olhar para que os problemas sejam encaminhados da melhor forma possível.

Nei Alberto Pies: O conhecimento pode ajudar na humanização?

Vejo o conhecimento como poder e poder tem os dois lados: assim como pode humanizar, pode também escravizar quem não o tem.

Nei Alberto Pies: Os jovens estudantes do Ensino Médio estão em busca de sentido de vida, preocupados em escolher sua profissão e em projetar o seu futuro. Como entendê-los e como ajudá-los a enfrentar esta etapa da vida de maneira mais segura e consistente?

A melhor forma de entendê-los e ajudá-los é a aproximação sem julgamentos, normalmente eles não tem um amparo emocional na família, e buscam no grupo, na escola ou nas amizades. Precisam de limites e de segurança, se a família não dá isso alguém ou alguma coisa ocupa este espaço.

Nei Alberto Pies: Episódios de violência também afetam a vida dos jovens e a rotina das escolas. Como abordar o tema da violência na escola e na sociedade?

Temos que trabalhar esses assuntos com transparência, de forma clara e objetiva. Às vezes, a falta de conhecimento das consequências gera enfrentamentos e atitudes imaturas.

Nei Alberto Pies: Uma frase que te define.

Fazer o bem sem olhar a quem.

Nei Alberto Pies: Uma mensagem aos professores, pais, mães e especialistas da educação.

A Educação é o bem maior que podemos deixar para as gerações futuras, sem elas nossos jovens serão fáceis de manobra. É nosso dever como educadores, sejamos pais ou professores oportunizar o desenvolvimento do senso crítico e a diferença do bem e do mal.

Nei Alberto Pies: Um sonho de Sinara Librelotto Busatto.

Sonho com um dia em que todos possamos viver em harmonia, considerando todas as nossas diferenças e escolhas.

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