A compreensão da política como arte de promover o bem comum é antiga e sempre nova. Uma permanente obra em construção. Já Aristóteles a defendia, dizendo que a política é uma ciência prática e sua finalidade primeira consiste em garantir a felicidade de todos, como grande valor e virtude humana. Necessário, pois, é recuperar o sentido autêntico da política e do seu bom exercício.
Agora, mais do que em outros tempos, os fenômenos sociais e políticos são complexos e associados a vários fatores. A indiferença política, que sobressaiu no resultado das eleições municipais de 2024, é expressão disso. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o índice geral de brasileiros que se abstiveram de votar nessas eleições alcançou 21,71%, superando o percentual das eleições municipais de 2016 (17,58%) e só um pouco menor do ocorrido nas eleições de 2020 (23,15%), em plena pandemia da Covid-19.
Em várias cidades, a abstenção ao exercício do voto nas eleições de 2024 foi superior ao verificado nas eleições de 2020. NoRio Grande do Sul, estão nessa condição cidades como Caxias do Sul (25,13%) e Canoas (31,83%). Porto Alegre aparece como a capital de unidade federativa com maior número de eleitores aptos a votar que se abstiveram (31,51%) de exercer tal direito consagrado pela democracia. O índice representa quase um terço dos eleitores. Em números absolutos, os eleitores que não compareceram para votar supera o total de votos recebidos pelo primeiro colocado na disputa eleitoral.
A indiferença diante da política tem diversas causas. Algumas podem ser oriundas do próprio descontentamento com os caminhos tortuosos da política e outras atreladas às desconexões produzidas pelo sistema econômico neoliberal, para o qual quanto menos democracia e participação popular houver, melhor. Os resultados de abstençõestambém podem ressaltar outro fator diretamente ligado àquilo que alguns denominam de sociedade de mercado, onde as pessoas são levadas a acreditar que o melhor caminho para enfrentar seus problemas é individual.
O período de pandemia contribuiu significativamente e com efeitos em cascata para o aprofundamento da indiferença e do cancelamento social. O isolamento social instalou-se não como mera atitude necessária para o momento, mas como uma forma de comportamento acentuado e crescente. Isso constatamos. Uma vez instaurada nas mentes e nos sentimentos, essa característica se expressa de diversos modos no campo da política, da economia, da religião e da vida social como um todo.
Dizer que as causas desse macrofenômeno estão vinculadas à pós-modernidade e à globalização, com suas múltiplas crises associadas, não é o bastante. Além de ser indispensável essa leitura sobre a mudança de época – mais que época de mudanças – ela é insuficiente e insatisfatória. A questão crucial que nos afeta enquanto sociedade está relacionada aos rumos e ao teor da esperança. Como alimentar o sonho de uma sociedade mais humanizada, justa, democrática e igualitária, quando se desiste de lutar, de se organizar, de participar e de acreditar?
Diante das várias formas deturpadas e doentias de praticar a política, seja como expressão de dominação, de busca de vantagens individuais, de maldade, mentira ou ódio, é compreensível que haja tanto desinteresse e até nojo da política. Mas, não é possível permitir que essa tendência continue a crescer.
Na encíclicaFratelli Tutti(2020), o Papa Francisco conclama todos a revalorizarem a política salutar capaz de produzir um mundo de fraternidade e justiça social. Assim entendida, afirma ele, a política “é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum” (FT 180). E acrescenta que “esta caridade política supõe ter maturado um sentido social que supere toda a mentalidade individualista” (FT 182).
A compreensão da política como arte de promover o bem comum é antiga e sempre nova. Uma permanente obra em construção. Já Aristóteles a defendia, dizendo que a política é uma ciência prática e sua finalidade primeira consiste em garantir a felicidade de todos, como grande valor e virtude humana. Necessário, pois, é recuperar o sentido autêntico da política e do seu bom exercício.
A esperança não pode ser uma utopiafugaz que se abate com os ventos contrários. Ela precisa ser ativa, coletiva, resiliente, sempre refeita e ancorada na realidade dos nossos tempos. Não há outra maneira de suportar a vida se não houver esperança. Sem ela sucumbimos enquanto humanidade e nos desintegramos como pessoas e como sociedade. Daí que a esperança, embora muitas vezes enfraquecida, é-nos uma necessidade vital.
No livro Pedagogia da Esperança, Paulo Freire afirma: “Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico.” Eis nosso desafio contínuo na luta contra todas as indiferenças e insensibilidades!
FONTE: www.ihu.unisinos.br/644560-indiferenca-politica-um-caminho-perigoso-artigo-de-dirceu-beninca
Autor: Dirceu Benincá. Já escreveu e publicou no site “Emergências climáticas e migrações forçadas”: www.neipies.com/emergencias-climaticas-e-migracoes-forcadas/
Edição: A. R.