Indigestão burocrática

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Em conceituação, narrativa e intento, a Lei de Gestão Democrática em vigência no Rio Grande do Sul está em desacordo ou, no mínimo, em flagrante contradição com o que motivou sua inscrição na Carta Constitucional de 1988 e implica num infeliz “indigestão burocrática”.

Da lei à vida: aquilo antes aprovado agora passa à prática e se veem confirmadas as nossas críticas e preocupações. Quando denunciávamos o teor da nova legislação que versa sobre o princípio constitucional da Gestão Democrática, não o fazíamos por desagrado, veleidade ou oposição pura e simples, mas porque o exame dos pressupostos inscritos na redação do texto indicava um método e sistema estranho e avesso àquilo construído e conquistado historicamente pelo movimento educacional.

Ao tempo da aprovação da nova versão da Lei de Gestão Democrática – no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul sob o Governo Eduardo Leite  – incluída num pacote de propostas e medidas batizado de “marco legal da educação” e que tinha ainda o incentivo à municipalização, a desresponsabilização do entendimento estadual em ofertar ciclo completo do ensino fundamental, mudanças na composição e representatividade no Conselho Estadual de Educação e alterações no Ensino Técnico e Profissional, expressávamos a avaliação de que a mesma seria transformada em algo burocrático, tecnocrático e autoritário.

As exigências não dialogam com a realidade social, muito menos com a concepção política do que representa a escola no sistema de educação ou mesmo no imaginário das pessoas. Cursos prévios obrigatórios – com teor e conteúdos discricionários, prazos exíguos e condições precárias de acompanhamento e realização – são apenas a primeira parte de um rosário de imposições e dificuldades.

A aplicação – em caráter excludente – de prova de conhecimentos pode parecer inquestionável, afinal quem pode ser contra uma seleção que distingue e separa “melhores vs. piores” ou “preparados vs. inaptos”. Volta-se à carga: condições de estudo, conteúdo exigido (que circunscreve e aponta para determinado conceito e prática educacional), anulação da dimensão intrinsecamente relacional e humana da gestão político-pedagógico de um educandário. É a substituição da democracia pela burocracia, com óbvios caracteres tecnocráticos e riscos autoritários.

Ainda que vencidas estas etapas problemáticas, restam como obstáculos e impeditivos a própria eleição (e o fato de que se reduz ano a ano a disponibilidade de habilitados ao cargo na medida em que quase 60% dos professores e mais do que isso entre os funcionários não são servidores de carreira e não se realizam concursos públicos conforme a necessidade de preenchimento das vacâncias). E cumpre registrar que o texto legal conserva o absurdo dispositivo de proibição a detentores de mandatos sindicais em concorrer ao cargo (derrubado em caráter liminar pelo Sindicato).

Resta como outro aspecto equivocado e deletério do novo procedimento a exigência de apresentação e aprovação de Plano de Gestão que acompanhe e obedeça estritamente as

diretrizes e ordenamentos da SEDUC, verdadeira afronta a um dos pilares da Gestão Democrática, o a autonomia e que faz letra morta do Projeto Político-pedagógico da escola.

Em conceituação, narrativa e intento, a Lei de Gestão Democrática em vigência no Rio Grande do Sul está em desacordo ou, no mínimo, em flagrante contradição com o que motivou sua inscrição na Carta Constitucional de 1988 e implica num infeliz “indigestão burocrática”.

Apesar dos pesares, Sindicato e categoria – de maneira responsável e inteligente – participarão do processo realmente existente como forma de resistência e construção de bases concretas que possam num momento futuro reaver as máximas de uma Gestão Democrática de verdade em todo o Rio Grande do Sul.

Autor: Alex Sarat, Diretor do CPERS Sindicato, da CNTE e da CT. Estreia hoje sua primeira coluna no site.

Edição: A. R.

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