“A intolerância assume vários matizes,
seja a falta de diálogo, a crença de portar ‘verdades’,
de odiar o diferente, de compartilhar ódio em
soluções simplistas para problemas complexos”.

 

Ivan Dourado traz uma reflexão sobre a onda de intolerância que estamos vivendo e que se manifesta, principalmente, nas redes sociais. No artigo, ele aborda os razões e soluções para esse comportamento que desrespeita tudo o que é diferente do eu.

O Brasil vive uma crescente onda de intolerância, seja por motivos étnicos, políticos, religiosos ou ideológicos, estamos em um momento onde o diálogo parece ser algo cada vez mais raro. Temas cotidianos que nos faziam pensar e repensar posturas, que brotavam em conversas informais, nos últimos anos, tem se transformado em discussão e brigas.

Redes Sociais são campos minados, familiares “se revelam” em mensagens prontas e frases clichês em grupos de WhatsApp, perdemos a paciência com amigos e nos distanciamos de vizinhos que pensam diferente de nós. A intolerância assume vários matizes, seja a falta de diálogo, a crença de portar “verdades”, de odiar o diferente, de compartilhar ódio em soluções simplistas para problemas complexos.

O que é intolerância?

Quando passamos a discutir a humanidade dentro de um paradigma filosófico chamado de Condição Humana, é que reconhecemos um ponto fundamental: não nascemos humanos, nos tornamos humanos. Assim é preciso compreender que a cultura e a experiência social cotidiana em que cada ser é submetido, dará ou não condições deste se humanizar.

A filósofa Hannah Arendt, em sua obra A Condição Humana resgata a ausência da capacidade de pensar dos Alemães Nazistas durante o Holocausto, demonstrando onde a falta de humanização pode conduzir um povo.

Desde a Segunda Guerra, o mundo passou a responsabilizar a educação, não apenas pela formação social, cultural, política e profissional, mas também responsável pela humanização. Não basta apenas uma “formação para o trabalho”, mas uma formação para a vida.

As Redes Sociais deram ainda maior amplitude para essas e outras posturas. O que antes era possível escutar de algum familiar ou colega de trabalho, em ambientes privados (piadas racistas, homofóbicas e machistas) com pouco alcance, agora com a internet, essas posturas viram piadas, correntes de pensamento, muitas delas baseadas em fofocas e notícias falsas (as chamadas fake news).

Humberto Eco bem definiu: “As redes sociais deram voz aos imbecis”. Cabe notar, imbecis que advém de todas as classes sociais, de todas as regiões e níveis de formação. No meu entendimento, o intolerante é como um idiota, ambos são os últimos a perceber que são.

Mas preciso indicar um caminho importante para reversão deste quadro de intolerância. Parece pouco responsável identificar o problema, aproximar ele do leitor e não propor um caminho.

Existe um risco muito forte da nossa própria cultura nos conduzir a um caminho de intolerância, um tipo de intolerância cultural. A formação cultural de um povo, por criar regras e costumes e reproduzir esses de geração para geração, tende a formar seres que acreditam que apenas a sua cultura é correta as demais erradas. Vemos isso com hábitos alimentares (onde achamos nojento povos que comem insetos e carne de cachorro, mas não gostamos que esses mesmos povos tenham nojo ou indiquem ser um desrespeito nosso hábito de comer carne de boi).

Essa tendência automática de toda cultura ensinar seus praticantes a ver o mundo com “as lentes” fornecidas pela sua cada cultura, leva a cegueira em relação a diferença, podendo originar intolerâncias.

Fé e liberdade no Brasil (Arlindo Cruz)

A antropologia, ciência responsável pelo estudo das culturas, assim define essa postura como etnocêntrica. O etnocentrismo, leva o sujeito a dizer e sentir um amor, um sentido para sua cultura e suas tradições, construindo um mecanismo de identidade cultural. Normalmente, para fazer isso, o sujeito fortalece seus traços culturais se opondo a outra cultura ou traço cultural distinto. Fazemos isso com clubes de futebol, partidos políticos, entre culturas diferentes. Esse “reforço” de identidade cultural, leva muitos indivíduos a ter posturas intolerantes.

Imagine contextos culturais, onde o homem se constrói em oposição ao homossexual, que o rico constrói sua identidade em oposição ao pobre, que uma religião se constrói em oposição a outra. Esses exemplos poderiam ser, em parte, explicados pela formação cultural de um grupo ou sociedade. Posturas que se radicalizam facilmente, transformam a identidade cultural etnocêntrica, em intolerância.

A intolerância precisa de diversos fatores para ser superada na sociedade brasileira. Mas podemos começar reconhecendo que superar o etnocentrismo, a identidade cultural radicalizada, é necessário recuperar a essência do papel educativo na formação da conduta humana. Propondo posturas mais sensíveis a diferença, que constitui um traço essencialmente humano.

Ser diferente é próprio de cada ser humano. Mas em um país onde a maioria da população sobrevive, para se humanizar, não basta apenas desejar, ela precisa ter acesso a condições mínimas de vida, acesso a saúde, moradia, alimento e educação. Não existe mérito individual na humanização, esse compromisso precisa ser de cada um e de todos. Sem esse compromisso, continuaremos a aceitar a intolerância, como algo comum, em um cotidiano menos humanizado, onde fugimos para nossa “bolha” de amigos que pensam e compartilham da mesma realidade. Aceitamos que intolerância será sempre o ingrediente principal responsável por manter a percepção da realidade da maioria assim limitada, fechada para o processo contínuo e infinito que chamamos de ser em busca da humanidade, ou seja, ser-humano.

 

Ivan Dourado é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em Educação. Atua como Professor de Sociologia na Universidade de Passo Fundo e como Palestrante e Assessor pedagógico em prefeituras da região sul do RS.
Este artigo foi publicado originalmente na Revista impressa Contato Vip, março 2018. Conheça mais aqui.

 

DEIXE UMA RESPOSTA