Mães e pais pela democracia nas escolas?

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Cresce, no seio das escolas particulares e algumas escolas públicas, um movimento de mães e pais que defendem o que nem deveria estar sendo colocado em xeque: a autonomia das escolas, a liberdade de cátedra dos professores e professoras, o conhecimento como forma de emancipação e libertação dos adolescentes e jovens, a pluralidade de pensamentos.

Em Porto Alegre, a partir de um movimento espontâneo de alunos de escolas particulares, inicialmente, mães e pais criaram uma Associação de Mães e Pais pela Democracia, no final de 2018.  Esta associação vem se tornando uma importante referência na defesa da democracia a partir das escolas, justamente deste lugar que deveríamos esperar a formação de cidadãos críticos, participativos e com disposição de construir a humanização, a partir do conhecimento.

Nesta entrevista, conheceremos um pouco mais desta história a partir de uma da Presidenta da Associação que hoje também já tem atuação fora da região metropolitana de Porto Alegre, a socióloga Aline Kerber.

Nei Alberto Pies: Aline Kerber, em que contexto surgiu a ideia de uma Associação de Mães e Pais pela Democracia?

Em razão da manifestação de alunos em algumas escolas de Porto Alegre, implicados com o discurso de ódio de grupos que apoiam o atual Presidente, sobretudo contra a população LGBT, organizamos um movimento para proteger os nossos filhos e para lutar por uma escola livre, plural e democrática.

Cada vez mais mães e pais começaram a se dar conta, muito rapidamente, diga-se de passagem, da importância de estarem integrados nesta luta pela segurança do direito à educação, à democracia e à liberdade desde a escola, pais de vários espectros político-ideológicos, democratas, e passaram a nos procurar com as demandas mais diversas.

Nosso movimento ganhou bastante força e legitimidade porque conseguimos construir uma comunicação assertiva junto aos tomadores de decisão e formadores de opinião, criamos canais de comunicação nas redes sociais, passamos a participar de Fóruns como o Fórum contra a Intolerância do MPF e, a partir disso, resolvemos constituir a Associação para termos formalidade para agir com mais eficácia, efetividade e eficiência para dar conta da demanda e do momento político atual que tem afetado as nossas escolas, a liberdade de cátedra das professoras e a liberdade de expressão e de aprender dos nossos filhos e filhas.

Queremos sair do debate puramente ideológico e das polarizações do momento e partir para proposições de políticas públicas que impactem positivamente o aprender e a prevenção da violência.

Nei Alberto Pies: Qual é a natureza e quais são os objetivos desta associação?

Somos uma Associação, suprapartidária e que busca a defesa de uma escola sem censura, sem livros retirados de escolas, como aconteceu no final do ano passado em uma escola particular de Porto Alegre, com bases nos princípios da Constituição Federal, ECA, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, convenções internacionais, como a CEDAW, e nas evidências científicas que aponta, por exemplo, importância da educação sobre gênero e sexualidade na escola, já que 70% dos abusadores sexuais de menores são pessoas da própria família e na escola as crianças conseguem reconhecer as violências sofridas e encontrar apoio e proteção.

Nei Alberto Pies: Na sua visão, porque é tão importante que mães e pais façam a defesa de uma escola onde exista pluralidade de ideias, liberdade de cátedra dos professores e autonomia pedagógica das escolas?

Nós temos um papel, segundo o ECA, um papel importante na educação dos nossos filhos, juntamente com a escola. Portanto, temos que lutar pelos direitos deles de terem um leque vasto de possibilidades de aprendizados, de conhecimento da história, dos direitos, das lutas sociais, e da escola como um lugar de formação da cidadania, para além da formação técnica, e já estamos lutando.

Não vamos recuar nenhum milímetro em relação ao cerceamento de liberdades. Não vamos aceitar que professores sejam perseguidos e gravados, porque acima de qualquer coisa há uma questão de propriedade intelectual e liberdade de cátedra que precisam ser garantidas para se ter uma escola com potência, sem doutrinação e sem pensamento único, com possiblidades de impactar positivamente a sociedade tão desigual e injusta que vivemos.

Nei Alberto Pies: Quais são os riscos das escolas (particulares e públicas) serem tomadas pela onda de intolerância e fascismo pregada por algumas autoridades e também por parte da sociedade que parece não tolerar a democracia e a diversidade nem na escola e nem na sociedade?

Isso já está acontecendo. Censuras de todos os tipos, diretas e indiretas. As escolas estão acuadas e com medo. Estão evitando o confronto e deixando de fazer atividades, como no 8M, inclusive para não expor as crianças. Livros foram retirados de escolas, livros foram censurados. Diariamente recebemos denúncias desse tipo.

Mães e pais que não aceitam que se fale em livros infantis em sofrimento no trabalho, diferenças salariais entre homens e mulheres com as mesmas habilidades e competências, já que não querem contar para os seus filhos que há também na sociedade exploração do trabalho, mais valia, desigualdades de gênero, racismo, machismo, sexismo,  lgbtfobia, etc.

Se a escola não reconhecer esses preconceitos e violências, por exemplo, como teremos uma sociedade saudável, consciente e pacífica? Os pais não ensinarão isso para os seus filhos…

Nei Alberto Pies: Quais são as estratégias que a Associação de Mães e Pais pela Democracia está tomando para divulgar seu trabalho e alertar outros pais e mães para a defesa desta causa?

Temos cafés democráticos quinzenais para mães, pais e professoras com diversos temas que afetam a dinâmicas das escolas, sexualidade, gênero, psiquiatria, o que é doutrinação, censura, democracia, liberdade, astronomia X teoria terraplanista, defasagem de aprendizagem, distorção série-idade, valorização de professores, entre outros. Além disso, fazemos rodas de conversas sobre segurança e prevenção da violência em escolas públicas, a convite das direções das escolas.

No dia 28/04, teremos o Festival da Democracia e da Liberdade com show do Nei Lisboa e outras atrações no Vila Flores em Porto Alegre. Pretendemos reunir pelo menos 500 pessoas afim de pensar a democracia e a liberdade e virar este jogo de censura nas escolas. Fazemos um trabalho forte de advocacy (defendendo a causa sem censura) na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, na Assembleia Legistiva e no Fórum de Combate a Intolerância do MPF que reúne o PJ, DPE, DPU, sindicatos e organizações da sociedade civil.

Fizemos pesquisas com professoras no 8M para entender o clima nas escolas atualmente em um contexto de cerceamento de liberdades e de escola do pensamento único (mesmo que só simbolicamente). Em abril lançaremos. Participamos de formação de candidatos ao conselho tutelar de Porto Alegre em fevereiro. Em breve, divulgaremos um importante canal de denúncias e constituiremos um Observatório da Educação Democrática para avançarmos na gestão da informação e do conhecimento e nos encaminhamentos das violações.

Nei Alberto Pies:  O que senhora gostaria de dizer aos pais e mães do RS e do Brasil, aos estudantes, aos professores e professoras, aos gestores e gestoras das escolas, às autoridades deste estado e de nosso país?

Nós estamos juntos e juntas. Vamos enfrentar essa onda de intolerância e ódio que tem afetado o dia-a-dia da escola com muita força e resistência.

Não podemos aceitar que as professoras estejam com medo de contar a nossa história e de fazer pensar. É imoral não poder pensar, não poder aprender, não poder refletir e não poder sonhar com uma sociedade melhor e mais justa para todos.

 Vamos defender a Constituição, que ainda está em vigor, já que o óbvio precisa ser dito, para garantir uma educação com amor e liberdade. Essa onda de “partido sem escola” vai passar e nós estaremos em um outro patamar de integração e engajamento social com os sofridos possíveis aprendizados. Não podemos mais ficar em cima do muro. Temos que nos unir e avançar com ou sem partidos e com ou sem as tensões da política.

Pelas mãos dos nossos filhos chegamos neste movimento e por eles estaremos resistindo e lutando pela diversidade e pela pluralidade de ideias e modos de ser e estar neste cenário tão adoecido e irracional, em que triunfa o símbolo da arma (violência) e o antiintelectualismo. Pedimos que a corrente de apoio de pessoas públicas e artistas ao movimento mães e pais pela democracia continue. Já recebemos vídeos de apoio com o do Luis Fernando Veríssimo, Evandro Mesquista, Gabriel Grancindo, entre outros. Faça seu vídeo e nos mande pela nossa fanpage no Facebook! Vamos juntos virar este jogo!

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