O sistema educacional é visto como algo
isolado como se não fizesse parte da
organização geral do país, juntamente
com as questões sociais e econômicas.
Apesar de vivermos no Século XXI, em que a evolução em vários aspectos como acesso à educação, à saúde e outros direitos sociais deveriam ser ampliados a impressão que dá é que estamos retrocendo. Afirmo isso porque participo de um grupo de estudos da Universidade de Passo Fundo, Língua e Discurso, Coordenados pelas professoras, Doutoras Marlete Sandra Diedrich e Patrícia Valério e analisamos o documento: O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932 e tivemos a impressão de que estamos vivenciando um discurso em 2019 que se assemelha a um discurso anterior a 1932, com relação à educação que querem implantar, infelizmente. Será que não está na hora de reelaborarmos o nosso manifesto? Até quando vamos permitir o retrocesso ser efetivado?
Esse documento é muito atual do ponto de vista do discurso político que vigorava, que levou um grupo de intelectuais renomados do país como: Anísio Teixeira, Cecília Meireles, Afranio Peixoto e outros a realizarem esse manifesto. E hoje estamos observando alguns discursos políticos que merecem nosso olhar crítico e não sei se não é momento de organizarmos nosso repúdio público.
O que estamos esperando? O que mais precisa ser feito nesse país, para que, de fato, acordamos? Avante educadores!
Nesse sentido, quero trazer muitos discursos políticos que atacam a educação como direito primordial do cidadão e fazer um comparativo ao documento de 1932. O primeiro discurso que me atenho é do “Escola sem Partido” que na verdade deveria ser escrito “Escola com partido”, remetendo a ideia que todo discurso não é neutro, nem subjetivo. Com isso, o que se quer é destruir a imagem do professor, dando-lhe toda a culpa do fracasso da educação, porém esse discurso vem carregado de ideologia generalizando que a educação não tem importância alguma e, por isso, não cabe ao governo valorizá-lo, já que a educação não cumpre o papel de “fazer ciência, mas sim de fazer lavagem cerebral”. Assim, fica fácil culpar a própria escola pelo fracasso e ausentar a responsabilidade do estado, como já dizia o Manifesto de 1932, p.407:
A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e frequentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes…
Percebemos que o documento traz uma ideia atualizada, que perfeitamente podemos usar para as situações recentes que atacam à educação. Pois a cada dia lançam um discurso de ataque isoladamente para desestruturar o sistema educacional, ao invés de encontrar soluções para o problema. E, ainda, o sistema educacional é visto como algo isolado como se ele não fizesse parte da organização geral do país, juntamente com as questões sociais e econômicas. E, aí, preciso trazer mais uma parte do Manifesto de 1932, p.407,
Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos,…
Um discurso que tem chamado atenção, que vem do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que chega a ser cômico, o Ensino Domiciliar, permitindo que pais optem por ensinarem seus filhos em casa.
Pergunto: Quais pais têm condições psíquicas, em primeiro lugar, docente e tempo para isso? Isso é uma ideia imediatista de resolver um problema tão complexo que é o sistema educacional. Ah, o sistema está com problema, vamos editar uma medida que solucionará o problema, ao invés de investir na escola, se é visto que ela está deficitária. Isso seria como lavar o filho na bacia e jogar não só a água suja, mas o filho junto.
Se a escola está mal, se destrói ao invés de consertá-la. Cuidado com os eufemismos, ou para usar um termo benvenistiano “Eufemia” que anda junto com “Blasfemia”, porque é uma “Blasfemia” o que estão fazendo com a educação, pois para enganar o povo transformando a expressão “Educação Domiciliar” amena, eufêmica, usam uma expressão em inglês “homeschooling”. Isso porque a maioria da população não entende de fato a significação da palavra. Dessa forma, nos reportamos ao documento novamente:
Já se despertava a consciência de que, para dominar a obra educacional, em toda a sua extensão, é preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre bases sólidas e largas, a um conjunto de ideias abstratas e de princípios gerais, com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda dos problemas sociais, horizontes mais vastos. (Manifesto, p.409)
Ainda, falando sobre a educação domiciliar, quem não terá problema, será quem tem dinheiro, pois as famílias pagarão um professor que ensinará em casa, mas me pergunto: E a filho do empregado, que mal tem tempo de tomar um banho e deitar no final do dia cansado? E é para essa classe que precisamos pensar a educação de qualidade, senão estaríamos infringindo um princípio básico da Constituição federal que explicita que a educação é dever do Estado.
A verbalização da fala de um aluno da escola pública de Alvorada, RS, explicita a importância da escola na vida de uma criança, inclusive em termos de alimentação, a fala nas redes sociais de um menininho dizia o seguinte:
“Oh, meu… Tu ‘rateou’ em ter faltado a aula, ‘parça’. Tu ‘rateou’ muito, muito, muito, muito, meu. Oh, logo hoje que tu faltou, filho, foi chuchu ao molho branco, iscas de frango, arroz e feijão, salada de tomate e banana na sobremesa”, diz Pierre no áudio. https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2019/04/10/menino-viraliza-com-frase-tres-conchadas-de-galinha-ao-enviar-audio-sobre-merenda-escolar-em-alvorada.ghtml
Isso fica claro que a escola só precisa melhorar em alguns aspectos e que ela vai muito além de ensinar o conteúdo, fica explícito no discurso do aluno que a “escola domiciliar” é uma ideia retrógada de educação, pois o verdadeiro papel está no convívio social, de suprir carências básicas como a alimentação. E, aí, revisitamos novamente ao Manifesto de 1932, p. 411:
A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes e, em parte, da variedade de conteúdo na noção de “qualidade socialmente útil”, conforme o ângulo visual de cada uma das classes ou grupos sociais. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação.
A educação não deve ser restrita a uma classe, em detrimento de outra. Ela precisa ser abrangente na horizontalidade de concepção básica de um direito e que tem sim a responsabilidade do Estado Brasileiro. Por isso, devemos estar muito ligados nos discursos que vem com soluções pontuais e estanques para os problemas e ainda prometem resolvê-los.
Devemos tomar cuidado com eufemização dos termos, dos conceitos, porque eles vêm com propostas implícitas que na prática se demonstram a destruição de forma dominó. Sugiro que quem não leu o documento na íntegra, O Manifesto dos Pioneiros de Educação Nova de 1932, leia para entender questões atuais da educação no Brasil.