Maniqueísmo é utilizado como estratégia de marketing político, como modo eficiente para arregimentar multidões e aniquilar controles críticos, filtros e produzir barreiras para outras possibilidades, num jeito de sequestrar de consciências, intelectualidades e liberdades.
Passadas as comemorações alusivas ao dia da independência do Brasil e expectando sobre os desdobramentos dos movimentos e ações que marcaram essa data, compartilho uma reflexão sobre um tema que tem me intrigado e provocado inquietações. Uma singela análise sem muitas pretensões, a não ser estimular reflexões e debates.
Com propósito crítico, com abordagem aberta e construtiva, convido a tratar sobre alguns sentidos dos conceitos maniqueísmo ou maniqueísmos. Filosofia ou concepção sobre o mundo, surgida no século III, de origem religiosa; sincrética e dualista e que vê e concebe o mundo dividido em duas partes: o bom e o mau, Deus e o Diabo.
Se as palavras surgem num contexto, ou se dá nome as coisas a partir de uma determinada realidade, é fato que, sem muita demora, o nome das coisas servem para definir e reconhecer outras tantas, se incorporam e se aplicam em tantas outras realidades e segmentos da vida social.
Na política, maniqueísmo tem sido associada a extremismos e polarizações, até mesmo a expressão tem sido estimulada, desenvolvida e empreendida, como ferramenta para marcar e destacar essa divisão entre o bem e o mal, entre nós e eles, quem concorda ou discorda com este ao aquele ato ou situação fatalmente será enquadrado ou marcado em um desses mundos ou nos dois mundos: ou será de Deus ou discípulo do demônio como resultado ou produto de idolatrias, endeusamentos e demonizações.
A propósito, maniqueísmo não reconhecido, mas efetivo, tem sido utilizado como estratégia de marketing político, como modo eficiente para arregimentar multidões e aniquilar controles críticos, filtros e produzir barreiras para outras possibilidades, num jeito de sequestrar de consciências, intelectualidades e liberdades, ao meu ver.
A quem interessa isso? A quem serve essa simplificação perigosa da vida e da política?
Muitos movimentos de massa comprometem a consciência individual e aniquilam, como dito, o senso crítico, desencadeando verdadeiros oportunismos e iniciativas diversionistas com o firme propósito de afastar da sociedade a análise e discussões sobre temas essenciais e decisivos para o aprimoramento do convívio, para a vitalidade da vida democrática e para o respeito às diferenças.
Quando expressões elementares da nossa vida são invocadas a todo o instante, os sinais é de que o que vemos e constatamos é a sua efetiva falta, a ausência, a reclamar que as invoquemos, como um esforço indispensável de que as mesmas e a civilidade não sucumbam.
Equilíbrio, ponderação e lucidez nunca foram tão necessários, assim como estabilidade, segurança e confiança nas instituições democráticas. Todas necessitam de narrativas e ações adequadas, críticas e responsáveis.
Num ambiente de instabilidade e desorientação há quem tenha vantagens econômicas e até políticas, alimentando e estimulando conflitos, promovendo e propagando o ódio e a intolerância, mas não tenho dúvidas que a maioria, a grande maioria, é e continuará sendo prejudicada.
Como a vida é mais rica do que os extremos e não é recomendável que não se construa e se estimule outras possibilidades do que essa visão e estratégias maniqueístas, num dualismo danoso e perigoso, podemos cogitar e buscar a vida e possibilidades ricas que estão entre esses extremos? A virtude está no meio, como já afirmou no passado o sábio Aristóteles.
Em introdução na obra O maniqueísmo em nossas vidas: a bondade dos maus e a maldade dos bons, Editora Movimento, 2015, Jorge A. Salton afirma: “o pensar maniqueísta, a divisão entre nós, os bons e eles os maus, é sinal patognomônico do surgimento da maldade – no sentido de sinal ou sintoma que por si só afirma a presença de algo. Ao dissecar o fenômeno, encontraremos, em sua base, o reducionismo, a generalização, a dogmatização, uma forma de pensar que, a partir de uma suspeita qualquer, já salta para a conclusão, a ausência de autocrítica, a inexistência de empatia e a necessidade de inimigos”.
Autor: Alcindo Batista da Silva Roque
Edição: Alex Rosset
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