Quanto mais pessoas se mostram importadas com vidas LGBT+ e negras dentro da sua bolha, mais se fortalece essa ideia utópica e absurda de que ninguém deveria ser assassinado por ser quem é (e lutar pra ser).
Dia 14 de março, segunda-feira, fez quatro anos que a Marielle Franco foi assassinada. Diante da comoção nas redes pedindo justiça por Marielle e respostas que não temos até hoje: quem mandou matar Marielle e por que? – eu iria chegar em casa no fim do dia, fazer uma foto com a camiseta que tem a placa “Rua Marielle Franco”, e postar. Não porque eu seja um grande influenciador digital, longe disso, mas porque quanto mais pessoas se mostram importadas com vidas LGBT+ e negras dentro da sua bolha, mais se fortalece essa ideia utópica e absurda de que ninguém deveria ser assassinado por ser quem é (e lutar pra ser).
Iria postar, mas não postei porque cheguei em casa aumentando a conta dos mortos. Mais um dos nossos se foi. Paulo Vaz, um homem trans, gay, policial civil e ativista de direitos humanos que, ao que tudo indica, escolheu o suicídio a ficar sendo morto aos poucos em meio a pessoas tão cruéis. Nunca conheci o Popo pessoalmente, mas seguia nas redes sociais e admirava demais. Inspirador pra mim, homem cis gay, imagina o que ele representa pra pessoas trans.
O Paulo postou o endereço de onde ele poderia ser encontrado morto, depois de uma avalanche de comentários transfóbicos feitos sobre a relação dele e do seu marido, Pedro HMC, nas redes sociais, por pessoas que fazem parte da própria comunidade LGBTQIA+. Ao que tudo indica, foi gatilho, depois de trinta e poucos anos de agressões, falta de acolhimento, constrangimentos e vergonhas. E assim, a gente que fica, segue contando mortos.
Eu perdi a conta. Tenho 31 anos e já vi tantas pessoas incríveis perderem a vida (assassinadas ou que cometeram suicídio) – conhecidos, amigos de amigos e até amigos queridos. Nessas horas só me resta aquele sentimento de que a humanidade falhou no propósito coletivo.
Se por um lado nós tivemos sucesso evolutivo a partir do momento em que aprendemos a cooperar, por outro conseguimos nos mostrar, milhares de anos depois, nada acolhedores.
Incapazes de discernir o limite entre humor e crueldade, entre a necessidade e a não necessidade de comentar algo sobre o outro. Yuval Noah Harari diz que o sucesso evolutivo é numérico, apenas, ele não mensura sofrimento, se mensurasse, talvez percebêssemos que a nossa espécie não teve tanto sucesso assim.
Divagações filosóficas à parte, o fato é que não há como não entristecer em 14 de março. Não há como não sentir desânimo. Só resta nos fortalecermos no legado de Marielles e Paulos, tenho certeza que eles são eternos.
“É engraçado dizer que não se aguenta mais, porque dia após dia, a gente segue aguentando. Acho que “resistência” é isso: o sentimento de não aguentar mais tanta barbárie, mas continuar aguentando, se opondo, marcando posição, denunciando. Nunca estamos parados, estamos sempre resistindo e isso é um movimento forte o bastante para não deixar que o fascismo prevaleça”. Leia mais: https://www.neipies.com/resistir-a-que/
Autor: Oscar de Souza
Edição: Alex Rosset