Matam os professores, aos poucos!

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A maldita polarização política nos escolheu como doutrinadores, fanáticos, pedófilos, frustrados, massa de manobra e outros pejorativos.

Sou professor da rede pública estadual há 18 anos. A cada governo, implementam um novo modo de ver a educação. Nenhum tem sequência: conceitos, seminários, preparação para o trabalho.

Todo mundo quer palpitar na nossa profissão de uma maneira absurda como não vejo em mais nenhuma. Ninguém diz para advogados, engenheiros, médicos, como eles devem trabalhar, o que devem ler ou como conduzir suas rotinas.

A cada ano, mais arrocho, perda de poder aquisitivo, salários atrasados, parcelados, mais regulamentações, falta de profissionais melhor qualificados pois não há concurso.

A pressão psicológica sobre quem precisa de tranquilidade para formar os ditos cidadãos do futuro do país não chega às escolas: nas redes sociais, na mídia, tudo é vomitado contra nós.

“Educar sempre foi e será uma grande arte, um grande desafio, que sofrem influências de cada momento histórico. Neste momento histórico, o conceito de rede também pode ser aplicado aos desafios da educação, cada vez mais complexos, o que não permite quaisquer simplificação”. (Nei Alberto Pies)

Deixem a gente em paz, amparem que a gente precisa muito.

A maldita polarização política nos escolheu como doutrinadores, fanáticos, pedófilos, frustrados, massa de manobra e outros pejorativos.

E hoje chega mais uma paulada no RS: o fim da licença-prêmio, que eram três meses de afastamento remunerado a cada cinco anos, caso você não tenha faltas ao trabalho. E dava pra vender e conseguir uns trocos. Agora querem que seja licença-capacitação. “Mas só no serviço público tem isso!”, alguém dirá. Pois bem, no dito serviço público não tem FGTS, não tem dissídio.

Ah, nem a inflação, há tempos, é dada. Sabe as promoções? Também não.

“Procura outra coisa pra fazer!”, exclamam. Claro, diante das baixas condições de infraestrutura, penúria salarial e da enorme responsabilidade em educar quem chega com fome/frio/agredido/a pé/etc, quem você acha que vai querer ser professor?

Respondo: pobre que possa pagar a faculdade mais barata, a licenciatura com 50% de desconto, ofertada como fruto de fim de feira. Só para ter ideia, tem áreas que nem curso abre mais por falta de interessados. Geografia, por exemplo.

Meu, tem cada anta sendo contratada de qualquer jeito pra dar aula que eu tenho até vergonha de chamar aquilo de “professores”.

Nota: contratado e mesmo concursado que dá sua aula, com qualidade, não vai se ofender com o parágrafo anterior. O resto é carapuça.

Par quem defende “melhor ter algum emprego que emprego nenhum”, saibam que a teoria de o governo ter que pagar melhor por risco de ficar sem profissionais nunca vai acontecer, há sempre alguém desesperado que vai aceitar trabalhar por trocados. A educação de verdade desaparecerá.

Mas fique tranquilo, pais poderão, em breve, educar seus filhos em casa! E pais com qual formação/poder aquisitivo você acha que poderão fazê-lo?

Maioria dos pais da rede pública, sim, maioria, não sabe nem a turma do filho. No Ensino Médio não aparecem para reuniões ou pegar boletins. Mas já vi muitos deles palpitando sobre economia, política, blá, blá, blá, nas redes sociais. Santa Paciência, olhai por nós.

Maldita hora que partidarizaram Paulo Freire, a ponto das pessoas não quererem/conseguirem entender como ele denunciava que o oprimido tem sido educado como boi no pasto, sem questionar diante do opressor.


“Educar já foi instrumento de dominação e legitimação de violências – e isto está na base do muito do que somos. Já o conhecimento usado como ferramenta de reflexão, só pode ser transformador”. (José Ernani de Almeida)

Pausa pra explicar: opressor pode ser um governo com projeto de poder, um grupo empresarial ou de fanáticos religiosos, não necessariamente o rico, embora dinheiro, poder e sexo mandem nessa bagaça toda.

Gente, tá difícil. E se a gente reclamar, não pode fazer greve: é egoísmo nosso.

Pátria Educadora ou Brasil acima de tudo.


Autor: Douglas Pereto, professor.
Douglas Pereto, junto com Laércio Fernandes dos Santos, Clodoaldo Cirello Casagrande, Roberta Salinet e Janaína Britto de Castro, do Curso de Letras, e professor Eládio Vilmar Weschenfelder ajudaram a criar o Bando de Letras da UPF (Universidade de Passo Fundo).


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