“Onde há amor e sabedoria, não há medo e nem ignorância”. (Francisco de Assis)
Paz e bem!
Fiz uma breve passagem numa casa de formação franciscana, mais especificamente, dos Freis Capuchinos, que neste ano completam 125 anos de presença no RS. Os primeiros Capuchinhos Franceses chegaram em Garibaldi no ano de 1896. Veja mais aqui.
Esta experiência de formação humana e cristã, de apenas um ano, foi importante para experimentar e vivenciar aspectos da vida e do cotidiano que os irmãos de congregação vivenciam como teoria e como prática.
Passaram 25 anos desta rica experiência. Na época, tinha 23 anos de idade. Fiz parte de uma pequena comunidade, inserida numa paróquia, com a presença e convivência de dois freis, o que me marcou profundamente até hoje e, talvez, para o resto da minha existência.
Francisco de Assis sempre foi, para mim, uma importante referência de vida e de espiritualidade. Me marcou e ainda marca, profundamente, a sua simplicidade, sua relação de irmandade com os demais seres humanos e a sua relação amorosa com os demais animais.
Uma das coisas que logo incorporei na minha vida é a simplicidade e o uso de sandálias. O uso de sandálias, para além do conforto em dias de calor, representa a humildade de caminhante, a necessidade de se colocar a serviço dos demais e de reconhecer que a sabedoria é um processo que está em curso; jamais está pronto.
Outro hábito que herdei desta breve experiência de formação cristã franciscana foi a apreciação de vinhos. Como descendente de imigrantes alemães, não tinha o hábito de apreciar um bom vinho. O vinho não faz parte da vida e da espiritualidade franciscana, mas é um bom hábito que vem sendo perseguido pelos descendentes dos imigrantes italianos (a maioria, na Ordem dos Frades Menores, OFM). Além de apreciarem bons vinhos, os freis Capuchinhos tornaram-se referência na produção e venda desta bebida no RS e no Brasil. O vinho é uma bebida citada biblicamente, incorporada ao ritual da Santa Ceia e faz parte da cultura dos descendentes de italianos no RS e no Brasil.
“Portanto, vá, coma com prazer a sua comida e beba o seu vinho de coração alegre, pois Deus já se agradou do que você faz”. (Eclesiastes 9:7)
Guardo também como grande aprendizagem o cuidado recíproco exercido entre os membros desta comunidade franciscana. Num grupo de 7 pessoas, éramos convidados, diariamente, a nos cuidar, a nos fortalecer como irmandade, a nos respeitar, a valorizar os dons e as habilidades individuais e a exercermos a confiança nas nossas capacidades (individuais e coletivas). Não éramos estimulados a disputar com os demais a partir de nossos conceitos e habilidades, mas éramos reconhecidos pelas qualidades e alertados de nossas fragilidades e imperfeições.
A espiritualidade franciscana é muito intensa e rica ao invocar o cuidado de si, o cuidado dos outros, o cuidado com a natureza e o cuidado com a Transcendência. Inspirados em Francisco e Clara de Assis, os confrades vivem uma espiritualidade viva, renovada e cultivada cotidianamente. Renovam sua fé e seus desejos de mudança no mundo, a partir de sua presença e testemunho de vida, todos os dias, em comunhão na oração e na vida fraterna de suas pequenas comunidades.
Vivi, também, o protagonismo da experiência pastoral inserida na comunidade, através da catequese, das visitas às famílias, da inserção e animação das comunidades através de encontros ou celebrações semanais. Foi uma experiência única, exercida com protagonismo pessoal e muita confiança dos freis que conviviam comigo e eram os responsáveis pela formação cristã franciscana.
Sou muito grato pela oportunidade que a vida me propiciou, mesmo que de forma bem breve, de conhecer e viver intensamente o ideário franciscano. Além de admirar, nutro profunda reverência aos irmãos e irmãs que decidiram consagrar sua vida a esta proposta de vida e de humanidade.
“Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado…
Resignação para aceitar o que não pode ser mudado…
E sabedoria para distinguir uma coisa da outra”.
Passados 25 anos, tive o prazer de reencontrar, em fevereiro de 2021, frei Gilmar Zampieri, responsável pela formação religiosa e espiritual desta breve experiência de formação cristã franciscana. Este reencontro me encorajou para escrever breve memória desta vivência tão marcante em minha vida.
Transcrevo aqui de documento da Ordem dos Frades Menores (2017 algumas das lições aprendidas e vivenciadas nesta breve passagem de formação cristã franciscana.
“Viver o dom do irmão comporta:
>> uma relação com os outros encharcada de humildade, sem procurar ter razão com suas próprias ideias, antes de qualquer coisa, por melhores que sejam, e muito menos impô-las aos outros irmãos. O espírito fraterno pressupõe uma mútua e recíproca acolhida que não se baseia no domínio de um irmão sobre o outro. A humildade nas relações permite que haja uma descentralização de si para dar mais espaço ao Senhor e a uma melhor disposição à acolhida do irmão diferente de mim;
>> o gosto pela escuta recíproca, pela partilha de vida e pelas comunicações fraternas que favorecem o crescimento da comunidade e de cada um dos irmãos. Um desejo de construir junto com os outros, na dinâmica da busca do Reino de Deus que se chega a conhecer no cotidiano. Uma alegria que se reconhece num modo simples de viver relações justas e sadias, consigo mesmo, com os outros e também com os mais pobres. O alegre saborear a beleza do perdão, dado e recebido, através da simples e franca correção fraterna.
Missão evangelizadora
A missão evangelizadora, realizada sempre como Fraternidade e como íntima necessidade de ir e anunciar aos outros tudo o que Senhor nos deu comporta:
>> o desejo ardente de testemunhar aos nossos irmãos e irmãs do mundo aquilo que nos faz viver, para que possam beber na mesma fonte; uma real disponibilidade de partir em missão; um profundo desejo de anunciar o Evangelho e o apelo para vivencia-lo. É a audácia evangélica que nos impulsiona a viver esta aventura no seguimento de Cristo; uma relação viva com Cristo que se encarna na mútua e benevolente ajuda fraterna;
>> uma adequada preparação antes da missão, assim como uma proveitosa colaboração entre os diversos protagonistas>> a entrega e avaliação regular de nossas jornadas diante de Deus e sob o olhar benévolo dos próprios irmãos. A partilha do Evangelho, depois de um tempo de atividade intensa, é um meio formidável para este restituição; isto permite uma tomada de distância daquilo que é vivido e um recentrar-se em torno da Palavra de Deus, prontos para acolher aquilo que o Senhor diz”. Veja mais direto da fonte.
Atreva-se a ser mais humano. Veja!
Autor: Nei Alberto Pies
Edição: Alex Rosset