Quanto mais cedo começar a
educação para uma cultura não machista,
mais possibilidades teremos de os meninos
tornarem-se adultos que respeitam as mulheres.
Os índices de violência contra a mulher seguem aumentando mesmo quando os demais delitos diminuem, como os dados do início desse ano no Rio Grande do Sul: 233%de aumento do feminicídio no mês de janeiro! Fica muito evidente que não avançamos na percepção das suas causas, ou sabemos e subestimamos, continuando a reproduzir o sexismo – tratamento desigual de homens e mulheres – ou então, que são profundamente enraizadas na formação dos sujeitos e para alterar é preciso políticas públicas em larga escala, que cheguem nas escolas e nas famílias, nas relações trabalhistas e sociais, nas igrejas e nos meios de comunicação.
Quem pode conviver e naturalizar 116 feminicídios em 2019, 1714 estupros, 20989 lesões corporais e 37.381 ameaças de violência contra mulheres, considerando apenas o que foi registrado? Ninguém. No entanto, as explicações ainda tem muitos subterfúgios: ou passam pela responsabilização da vítima, ou são tratados da mesma forma que qualquer outra violência, ou, principalmente, a cultura conservadora que informa a visão da mulher, é defendida e reproduzida desconectada, sem relação com a violência.
Não há outro jeito: se não transformar a cultura machista através da educação. Fica evidente que trabalhar apenas na repressão não resulta em redução da violência contra a mulher e as meninas quando, pelos dados do balanço do Estado do Rio Grande do sul de 2019, aplicou-se mais na Segurança do que na Educação. Os números mostram a redução da maioria dos delitos, porém no caso da violência contra mulheres, não.
É fundamental conseguirmos trabalhar nos fatores geradores da violência. E todos os estudos apontam para a construção cultural dos papeis de homens e de mulheres que coloca essas em posição inferior, a destina a espaços privados e a atividades consideradas de menor complexidade e poder, ao mesmo tempo em que concede ao homem papel superior, de liderança, de liberdade e de poder.
O que chamamos de machismo está aí produzido diariamente nos costumes, nas práticas sociais, no âmbito das famílias, atingindo fortemente a construção das subjetividades.
A exemplo da recente conquista em Porto Alegre, onde pelo mandato de vereadora, aprovamos a Lei 12507/19, protocolamos na ALRS o Projeto de Lei que leva para o âmbito estadual, e seu sistema de ensino, o desafio de transformar a educação no sentido de identificar, problematizar e superar todas as manifestações de discriminação e violência contra mulheres e meninas.
A educação cumpre um papel fundamental para mudar comportamentos machistas e discriminatórios em relação às mulheres e às meninas. Quanto mais cedo começar a educação para uma cultura não machista, mais possibilidades teremos de os meninos tornarem-se adultos que respeitam as mulheres.
A Rede Estadual de Educação pode cumprir função importante e decisiva para a difusão de comportamentos não machistas e de respeito às meninas e às mulheres, desde que profissionais tenham suporte e formação isso.
“Meninos e meninas que recebem orientação adequada têm mais chance de se tornarem homens e mulheres civilizados, tolerantes e fraternos”. (Nota CPERS Sindicato)
A proposta traz diretrizes como:
- O estímulo ao registro e à socialização de práticas pedagógicas que atuem no sentido da erradicação de todas as formas de discriminação e violência contra mulheres e meninas;
- A valorização do protagonismo das/dos adolescentes e jovens nas estratégias de reflexão e ação que problematizem manifestações de violência;
- O incentivo o trabalho integrado com as diferentes linguagens artísticas e tecnológicas que favorecem o envolvimento e a reflexão de temas delicados e a desconstrução de tabus;
- O favorecimento da manifestação estética de cada estudante e de coletivos, oportunizando a vivência de identidades, papéis, ideias e o confronto saudável de pontos de vista, comportamentos e concepções divergentes;
- A identificação e problematização das violências que ocorrem contra professoras e funcionárias de escola e que residem no fato de serem mulheres.
O referido projeto de Lei está na última comissão para ser votado – exatamente a da educação – e irá depois a plenário. A par disso, estamos publicando uma cartilha que traz dicas (pesquisadas em sites sobre a temática) para professoras e professores, pais, mães e estudantes e problematiza práticas usuais que sem perceber naturalizamos. Vejam algumas:
- Atividades domésticas para todos: marido não “ajuda” nas tarefas domésticas, divide. A responsabilidade é de ambos. Práticas como: vai sentar no sofá com seu pai, enquanto eu e sua irmã lavamos a louça” tornam verdade essa cultura onde só as mulheres da casa são responsáveis pelas atividades domésticas. Tem louça na pia? Juntem-se todos e organizem! A casa tá bagunçada além da pia? Então, dividam as tarefas! Ensine desde a infância os seus filhos, independente do gênero, a organizarem suas coisas, arrumarem seus quartos e a fazerem atividades de casa, colaborando assim com o coletivo! Os meninos e meninas devem ser estimulados sem os rótulos de atividades de: “meninos” e “meninas”.
- Pais e mães são exemplos que produzem verdades. As funções do pai só são diferentes das da mãe em alguns momentos por questões biológicas, como o amamentar, no mais, os cuidados com a reprodução da vida deve ser de ambos, compartilhados.
- Meninos choram. O machismo roubou do homem o direito de ser sensível (Ana Luiza Garcia). Ser humano fica triste, sente medo ou se emociona independentemente do sexo. E inibir sentimentos pode causar reflexos negativos no futuro.
- O tom da voz não diz alguma coisa sobre ser homem ou mulher. Mas é comum se ouvir a repreensão:não fale com voz fina! Já paramos para pensar que em momentos de insegurança, nervoso, medo e carência o timbre de voz da criança pode mudar? E, além disso, a criança vai passar por todo o processo de desenvolvimento da fala e amadurecimento da voz. Ainda, parecer mulher por ter afinado a voz não deve ser colocado como “defeito”, pois passa a idéia de que ser mulher é ser menos que homem. É assim que o menino cresce se achando superior e se torna um adulto que acredita que destratar a mulher o afirma como homem.
- Meninas gostam e tem aptidão para o esporte SIM! Incentive o Esporte. Inserir as meninas no contexto esportivo – estimulando a prática e levando a jogos é um dos caminhos para mudar esse quadro.
- Brincar sem Tabus. Deixe seus filhos e filhas à vontade para brincar com carrinhos e bonecos. Usar as cores que quiserem usar. Assim serão criados para serem felizes e livres.Por que o menino não pode brincar disso tudo quando criança? Porque só as meninas é quem devem e podem brincar de casinha, boneca e ter filhos imaginários? Muitas das experiências da infância é que vão formar o adulto que a criança será. Isso não significa que influenciará seu gênero.
- Sexualidade não está à prova. Independentemente da orientação sexual (que vai se manifestar a seu tempo), meninos e meninas devem ser gentis, meninos e meninas devem experimentar autonomia e devem ter uma infância plena.
- Meninos e Meninas não são pequenos adultos. Puxar o canto “com quem será” em um aniversário de crianças, estimular beijinhos entre os bebês ou chamar a filha do amigo de “minha norinha” coloca os pequenos num papel que não lhes cabe e distorce precocemente a formação da sexualidade e o condicionamento a ela.
- O respeito ao corpo. Profetizar que o menino vai ‘destruir corações’, enquanto ela quando crescer ‘vai dar trabalho’: expressões como essas acabam por legitimar o assédio masculino e a impor culpa a quem é vítima, no que se refere à exposição da beleza feminina. Para mudar esse quadro, é preciso desenvolver entre as crianças conceitos de integridade corporal e consentimento.
- Sem essa de provedor e princesa: A figura da princesa à espera do príncipe encantado (o provedor) sugere fragilidade. Ou, ainda, que uma mulher só se realiza com casamento e maternidade – que podem sim ser aspirações, desde que pautadas em cumplicidade, não em dependência.
- Empoderar para igualar: Muitos homens se sentem acuados e até ofendidos por pautas feministas, porque não entendem que o machismo oprime mulheres. O empoderamento feminino busca igualdade, não inverter a opressão.