A diferença de preço no ingresso das festas é reflexo de uma sociedade que
fomenta a cultura machista, reforçando papeis de gênero e a relação de poder.
O homem é o provedor e por ter independência financeira, deve pagar mais.
Oferecer preços mais baixos e até gratuidade para as mulheres nas baladas é prática comum em todo o território brasileiro e virou pauta de discussão nas últimas semanas, quando a juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Caroline Santos Lima, declarou não haver dúvida de que “a diferenciação de preço com base exclusivamente no gênero do consumidor não encontra respaldo no ordenamento jurídico”.
A magistrada afirmou ser inadmissível que os empresários usem a mulher como espécie de “insumo” para a atividade econômica, “servindo como ‘isca’ para atrair clientes do sexo masculino para seu estabelecimento”.
Como há muito tempo as feministas já alertavam, essa prática é ofensiva à dignidade das mulheres.
Em outro artigo publicado no site, a autora descreve situações rotineiras onde a mulher ainda é vista como objeto sexual dos homens, sendo constrangida e desvalorizada na sociedade pelo simples fato de ser mulher.
Essa diferença de preço no ingresso das festas é reflexo de uma sociedade que fomenta a cultura machista, reforçando papeis de gênero e a relação de poder. O homem é o provedor e por ter independência financeira, deve pagar mais. Ele ainda é estimulado a conquistar várias mulheres, “pois esse é seu instinto natural”.
A mulher seria o produto pelo qual o homem está pagando e do qual pode usufruir durante a festa. Vale lembrar que é esperado que a mesma aceite os carinhos/bebidas/contatos oferecidos pelo homem, que pagou a mais para estar naquele lugar e inclusive permite que ela esteja ali.
As desculpas são várias. Elas bebem menos. Elas gastam mais para se arrumar. Elas precisam ser valorizadas…, mas a verdade é que as mulheres servem sim como isca para encher o estabelecimento de homens, já que se parte do pressuposto que quanto maior o “leque” de mulheres disponíveis nas festas, melhor para atrair muitos homens que querem tentar levar alguma para casa.
De fato, boa parte das mulheres não se importa com a diferenciação de preços e muitas defendem o valor diferenciado. Todavia isso só acontece por não terem a consciência de que essa é uma forma de perpetuar a desigualdade e a objetificação da mulher.
Essa diferenciação de preço é um efeito de algo muito maior e só faz sentido porque existe a naturalização do sexismo dentro da sociedade.
Em artigo publicado no site, professor Nei Alberto Pies afirma: “Sou solidário das lutas feministas. Além de solidariedade, quero dividir convicção de que o conhecimento, a valorização e a participação ativa na vida da sociedade são as mais importantes ferramentas para enfrentar a discriminação e a violência a que são injustamente submetidas mulheres do Brasil e do mundo.
O Ministério Público do Distrito Federal abriu inquérito civil público para apurar a prática e poderá promover uma ação coletiva.
Ao instaurar a investigação, o promotor de Justiça Paulo Roberto Binicheski se pronunciou referenciando de um debate semelhante que ocorreu no estado norte-americano de Nova Jersey, nos anos 1990, e que o caso foi pacificado com a criação de uma lei para proibir os preços diferenciados com base no gênero.
Ao mesmo tempo já tramita no Congresso Nacional um projeto de lei apresentado pelo deputado Marcelo Squassoni (PRB-SP) que prevê a punição para empresas que tiverem variação do preço de entrada e de consumação em boates e eventos com base em sexo, gênero ou identidade. O projeto está em fase inicial de tramitação e, se aprovado, ainda precisa passar pelo Senado.
A criação de uma jurisprudência sobre o caso se mostrou a forma mais eficaz de combater as práticas abusivas há tanto tempo apontadas pelas feministas.
Um grande passo.
Sigamos.