Não é errado a criança sentir raiva

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A raiva é uma emoção necessária ao desenvolvimento da criança que precisa expressar o que sente e não fingir que tudo está bem quando ela própria não sabe como lidar com certas emoções que a frustra e causa medo.

É com alegria que trago o nosso amado poeta português Fernando Pessoa para abrilhantar o início deste meu texto com os seus versos:

 “A criança que fui chora na estrada. / Deixei-a ali quando vim ser quem sou. / Mas hoje, vendo que o que sou é nada, / Quero ir buscar quem fui onde ficou.”

Que nenhuma criança seja largada em uma estrada ou cantinho de castigo. É preciso respeitar o direito de ser criança.

O ser humano é feito de sentimentos e emoções. Muitas vezes ficamos tristes e nos recolhemos num canto para chorarmos as nossas dores e mágoas, noutras explodimos e somos tomados pela raiva quebrando tudo o que está à nossa frente, chutando o pau da barraca e xingando quem nos provoca. Cada um reage do seu jeito a sua raiva. E com as crianças não é diferente.

As nossas emoções sempre nos surpreendem e nunca sabemos como vamos reagir diante de alguém que nos grita ou diante de uma vitória. É por isso que as crianças são pegas de supetão quando sentem raiva por coisas que elas não conseguem compreender e precisam de cuidados para aprenderem que a raiva é algo que precisa ser compartilhado com os pais para que não se repita de novo.

A criança tem todo o direito de sentir raiva e jogar seus brinquedos para tudo quanto é canto, se jogar no chão ou até mesmo gritar. Elas também precisam expressar as suas fúrias ou ficarão com aquelas raivas presas dentro de si que mais tarde não saberão como resolver. Toda emoção deve ser extravasada para que não vire doença.

Existem aquelas crianças quietinhas e dóceis que nunca perdem a calma, que quando sentem raiva simplesmente se recolhem e não dizem nada para quem as machucou e devemos compreendê-las também. Mas, falar sobre o que fizeram com a criança é uma tentativa de aliviar a raiva que está presa no seu pequeno espírito e não consegue ser expressa em forma de explosão.

É preciso cuidar da criança que sente dificuldades de expressar as suas emoções, pois pode combinar junto com outras em situações delicadas de ansiedade e depressão mais tarde.

Todos nós sentimos raiva alguma vez na vida. Seja porque alguém não nos compreende ou porque não fazem o que desejamos. Mechem nas nossas coisas sem que autorizemos ou nos dizem coisas desagradáveis. A raiva das crianças deve ser respeitada. Assim como as suas formas de as expressarem. Tem criança que com tudo fica zangada e isso precisa ser investigado por que pode ser alguma falta ou excesso de cuidado por parte dos pais.

Quando ficamos com raiva de alguém ou de alguma coisa só queremos ir para bem longe daquilo, por isso as crianças devem ser respeitadas e quando pedirem para ir embora de um determinado lugar onde sentiram raiva e não tiveram os seus direitos respeitados os pais devem escutá-las e atendê-las, imediatamente. É desconfortável para criança ficar fingindo que tudo está bem para quem lhe provocou uma raiva mesmo porque criança não sabe lidar bem com mentiras e fingimentos.

As crises de raiva são frequentes na infância e podem surgir por vários motivos: cansaço, fome, frustração. Elas também podem sentir raiva por falta de atenção, cuidados ou por desejarem algo que os pais não as podem dar naquele momento.

Os pais, geralmente, se culpam por essas frequentes crises na tenra idade que vai diminuindo com o passar dos anos, trazendo para si uma responsabilidade que não lhes cabe por completo, pois faz parte do desenvolvimento da criança.

Algumas crianças podem prender a respiração voluntariamente por alguns segundos e depois voltar a respirar normalmente. Tudo o que elas querem é demonstrar as suas raivas. E para alcançar isso elas vão fazer as mais diversas formas que encontrarem para demonstrar que as suas raivas são importantes e que precisam de cuidados. Muitas delas se jogam no chão e fazem aqueles escândalos de gritos em meio a um público de pessoas estranhas que logo as vão chamá-las de mimadas.

As pessoas adultas não compreendem que se pudessem fariam a mesma coisa que as crianças quando estão com raiva. A gente só tem vontade de se jogar no chão e gritar bem muito, não é mesmo? Assim são as crianças. Elas não sabem o que fazer com as suas raivas e precisam colocá-las para fora de algum jeito. Externalizá-las é a melhor forma para não adoecer de raiva.

Apesar de muitas crianças conseguirem acalmar a si mesmas em alguns minutos quando colocadas em algum lugar confortável há outras que não sabem como lidar com a raiva e ela se prolonga por mais tempo. Na maioria dos casos, concentrar-se na origem da crise de raiva somente a prolonga. Assim, é preferível redirecionar e distrair as crianças oferecendo uma atividade alternativa na qual se concentrar. É possível que a criança se beneficie ao ser fisicamente removida da situação.

A raiva é uma emoção como qualquer outra, e o que é mais importante é conversar com a criança, saber quais os gatilhos que a fazem ocorrer com mais intensidade, acalmar a criança no momento certo e ouvi-la sempre que necessário. O impulso da raiva precisa ser controlado, pois a criança muitas vezes não sabe sozinha como lidar com essa emoção que desencadeia sempre que é contrariada.

Não é errado a criança ter raiva. Os pais devem aprender a lidar com essas situações. Errado é ignorar a raiva da sua criança. Fazer de conta que ela está sendo mimada ou birrenta por demais. A raiva pode demonstrar uma falta ou excesso de alguma coisa que está desagradando a criança. A raiva é o sintoma de algo que não está indo bem e preciso ser investigado pelos pais junto com a criança.

Quando a criança sente muita raiva provoca o surgimento do hormônio chamado de cortisol que é responsável pelo estresse. Geralmente, tem um motivo ao fundo, que pode ser totalmente diferente daquele que ativou a explosão. É o que estava alimentando antes que precisa ser investigado com atenção. A criança pode apresentar raiva até mesmo para se defender de algo.

O simples fato de saber que vai ficar sozinha com uma pessoa estranha ou que lhe faz mal pode desencadear na criança uma raiva que explode com gritos e esperneios porque é assim que ela sabe explodir a sua emoção. Os pais sem saberem que essa pessoa traz mal para a criança acabam achando que ela está sendo mimada por demais quando na verdade deveriam conversar com ela e procurar saber o motivo que a leva a ter tanta raiva de ficar ao lado daquela pessoa.

Durante a crise de raiva, a capacidade de compreensão fica muito prejudicada. Aí, qualquer explicação, sermão ou censura coloca ainda “mais lenha na fogueira”. Mas o que fazer durante a explosão? Como passar por esse momento sem reprimir as emoções?

Não adianta querer castigar a criança no momento de raiva. O ideal é que esperemos ela se acalmar para só depois conversarmos com ela sem julgamentos ou ameaças. A criança precisa o tempo todo saber que pode confiar em nós.

Uma coisa que podemos combinar com a criança é pedir para que ela extravase a sua raiva dentro de limites, ou seja, ela pode dar socos num pufe, numa almofada, numa poltrona confortável, desde que não se machuque e nem machuque ninguém. Outra forma de mostrar à criança que você se importa com as suas emoções é validar o que ela sente se permitindo conversar francamente e até mesmo dizer que entende o que ela está sentindo e tentar acalmá-la com carinho e cuidado.

Não é colocando a criança de castigo que vamos resolver a sua raiva. Ao contrário, isso provoca mais raiva nela que será desencadeada a qualquer momento ou que a levará a custar mais ainda a se curar da sua raiva.

Se a criança for acolhida com carinho e uma boa conversa essa raiva logo passará, mas se ao invés disso ela for abandonada num canto de parede, for tirado os seus brinquedos preferidos ou for impedida de fazer a sua alimentação isso só trará mais desconforto para ela.

Mudar o foco da raiva da criança é uma boa sugestão para que ela esqueça aquela emoção mais rapidamente. Pode ser um momento para se sentar no tapete da sala e respirar devagarzinho, ficar em silêncio total ouvindo os sons da rua ou da natureza. Ouvir uma música instrumental de ninar, brincar com um brinquedo que ajuda a acalmar a raiva, como massinhas de modelar, desenhar, pintar ou colar figuras. Se a raiva ainda continuar a criança pode ser convidada a fazer uma atividade física como nadar, correr, pular corda, brincar de amarelinha.

Sentar-se com a criança e perguntar se ela quer verdadeiramente dizer o que está sentindo para você, de repente falar sobre os seus sentimentos pode ser uma tarefa terapêutica para a criança. Ela vai se sentir aliviada falando das suas dores, medos e frustrações. Os pais podem pedir para elas falarem o que acham deles, do que fazem por ela, da forma como cuidam dela e do que ela gostaria que eles fizessem mais para que ela se sentisse feliz e nunca tivesse raiva.

Se a criança ainda estiver com muita raiva e não quiser falar neste momento, diga para ela que tudo bem, você vai aguardar o momento da raiva passar e dela querer conversar. Mostre para ela que o importante é o seu bem-estar, que você se preocupa com a felicidade e saúde dela. Deixe-a perceber o quanto é importante para você saber o motivo da raiva na tentativa de ajudá-la a nunca mais passar por aquela emoção tão fortemente.

Aqui vem uma dica valiosa para os pais de como lidar com as suas próprias raivas, vergonhas e decepções em relação as suas crianças quando fazem escândalos de raiva em público. Primeiro, aprender a lidar com a sua agressividade, você pode não perceber, mas muitas vezes um grito, uma ameaça, um pegar mais forte no braço da criança podem ser gestos agressivos que machucam não somente o corpo, mas o espírito do seu pequenino. Se for o caso se afaste por alguns minutos da situação, respire fundo, se tranquilize e peça para alguém da sua confiança ficar com a criança enquanto a sua raiva passa.

Alguns estudos mostram que, a partir dos 4 anos de idade, a criança tende a diminuir as crises de raiva. Se continuarem muito frequentes, pode ser um indicativo de que algo não vai tão bem. É difícil especular uma causa e vale avaliar o entorno das relações, na escola e na família.

Algumas condições neurológicas também podem provocar maior irritabilidade. É o caso do TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), do TOC (transtorno obsessivo compulsivo), da depressão infantil, da síndrome de Tourette, do TOD (transtorno opositor desafiador) e de autismo. O importante é tentar não tirar conclusões precipitadas. Todo e qualquer diagnóstico precisa ser dado por um profissional da saúde, que pode acompanhar o processo de pertinho e ajudar com mais eficácia.

Na inteligência emocional, existem algumas técnicas que ensinam aos pequenos a lidarem melhor com as suas emoções. O diálogo é sempre muito importante. Ele nos ajuda a colocar para fora o que sentimos com alguém que confiamos. Incentive a fala da criança.

Mostre que o diálogo é a base de tudo. Reconhecer os nossos sentimentos e emoções é importante até mesmo para o nosso crescimento e para quando acontecer novamente algo que nos deixou muito aborrecidos uma vez, que não nos aborreça mais com tanta força. Afinal, errar é humano, mas devemos aprender com os nossos erros.

Reconheça as qualidades do seu filho e incentive que ele faça o mesmo: adquirir esse hábito ajuda a aumentar a autoestima, além de estimular a criança a reconhecer seus defeitos e trabalhá-los de forma saudável.  Evite cobranças excessivas, para a criança não se sentir pressionada: isso pode afetar um pouco da autoestima também. É claro que é preciso impor limites e regras, mas o tom com que isso é passado faz toda a diferença.

Para esclarecer mais uma vez que os gritos, o castigo e a ameaça de bater na criança não resolvem a raiva, mas só desencadeiam mais medo e angústia e que é preciso evitar esse tipo de comportamento para educar a sua criança. Não é como um tirano que você educará a sua criança para o bem-viver. Saiba que tudo começa a partir de você, da sua compreensão e do seu jeito de lidar com os diversos momentos da sua criança.

Permita que a sua criança brinque mais e possa espalhar os brinquedos no meio da sala durante um horário que tem pouco movimento, que ela possa fazer o que gosta. Claro que tudo isso com limites. O pediatra Donald Woods Winnicott criou um termo bastante importante para o cuidado com os bebês que trago para as crianças de todas as idades chamado de holding.

O holding segundo Winnicott envolve um padrão empático e uma rotina nos cuidados do bebê e se expressa como um conjunto de comportamentos afetivos relacionados ao alimentar, limpar, proteger, uma vez que o bebê precisa estar fisicamente seguro e psicologicamente acolhido. Assim como os bebês são protegidos nos braços dos pais, devem ser também as crianças que só cresceram um pouco mais.

No holding de Winnicott a proteção e o cuidado deve ser uma permanente vigília para com o bebê e essa vigília eu peço que os pais a mantenham com suas crianças.

Afinal, a raiva é uma emoção necessária ao desenvolvimento da criança que precisa expressar o que sente e não fingir que tudo está bem quando ela própria não sabe como lidar com certas emoções que a frustra e causa medo. A criança pode e deve sentir raiva quando algo lhe desagradar ou lhe for negado e os pais precisam estar preparados para saberem o que fazer nestes momentos.

Abro um pequeno parêntese para pedir aos pais que não castiguem os seus filhos quando eles sentirem uma raiva prolongada, como também não os gritem ou os ameacem. Eu tenho tanto medo de pais que fazem isso com as suas crianças porque nas minhas andanças pelas cidades do nosso país já ouvi muitas crianças receberem gritos, serem xingadas e jogadas brutalmente em cantos de paredes porque simplesmente ficaram com raiva. Não façam isso com as suas crianças, eu lhes peço.

Para finalizar, deixo vocês com as palavras de Winnicott que já citei acima, mas para enfatizar o quanto o cuidado com os nossos pequenos deve ser sempre colocado em primeiro lugar, assim ele nos diz “quando o ato de segurar o bebê é perfeito (e de um modo geral assim é, já que as mães sabem exatamente como fazê-lo), o bebê pode adquirir confiança até mesmo no relacionamento ao vivo, e pode não integrar-se enquanto está sendo seguro.

Esta é a experiência mais enriquecedora. Freqüentemente, no entanto, o ato de segurar o bebê é irregular, e pode até mesmo ser desperdiçado pela ansiedade (o controle exagerado da mãe para não deixar o bebê cair) ou pela angústia (a mãe que treme, a pele quente, um coração batendo com muita força, etc.), casos em que o bebê não pode dar-se ao luxo de relaxar. O relaxamento acontece então, nestes casos, apenas por pura exaustão. Aqui, o berço ou a cama oferecem uma alternativa muito bem-vinda.”

Que toda criança continue a ser protegida e ninada nos braços dos pais com esse cuidado que Winnicott nos descreve logo acima por que amar uma criança é compreendê-la em todos os momentos da sua vida passando pelas emoções, sentimentos e curiosidades de quem cresce observando um mundo que todos os dias tem uma coisa nova para nos mostrar.

Amemos as crianças sempre!

Autora: Rosângela Trajano

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