Chegamos à terceira edição da série “Profissões Educadoras”, e nesta abordagem, vamos conhecer o trabalho realizado pela psicóloga Ana Manoela Detoni.
Formada em Psicologia pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Ana Manoela conta que, desde criança, sempre teve uma empatia muito grande pelas pessoas e foi com o intuito de ajudá-las que escolheu a profissão. Mas a inquietude da psicóloga levou-a além, e na busca por respostas para suas indagações, foi cursar Filosofia, que confessa ser sua “grande paixão”.
Tal como a paixão, Ana Manoela, tem um espírito inquieto e provocador, que busca movimento e, nesta busca constante, foi levada pela filosofia à trilhar o caminho da educação. Ela enfatiza que a educação é responsabilidade de todos os profissionais, independente da área que atuam, pondera que “não somos indivíduos soltos no mundo, mas fazemos parte dele e nossas ações podem transformar o todo”. É esse anseio por mudanças e o constante questionamento que fazem da psicóloga e futura filósofa, uma educadora.
Márcia Machado: Você foi da psicologia para a filosofia, trajeto que te levou à educação. Como analisa essa “conversa” entre as profissões que escolheste?
Ana Manoela: Independente da profissão que se exerce, a educação permeia todas as profissões de alguma forma. Antes de ingressar na Psicologia, cursei um ano de Filosofia, e mesmo optando por outro curso, a questão da filosofia sempre ficou presente na minha vida, assim como a educação, pois a minha mãe é professora, minhas tias são professoras, outra tia é psicóloga, e a educação sempre esteve presente. Também trabalhei numa escola como psicóloga no projeto Mais Educação. Não fui em busca da educação, fui em busca de uma paixão que me levou à outra.
“Não fui em busca da educação, fui em busca de uma paixão que me levou à outra”.
Márcia Machado: No seu entendimento qual a contribuição de sua profissão para a sociedade?
Ana Manoela: Meu sonho é que toda a escola pudesse ter um profissional da psicologia, para atender alunos e professores, seria fundamental para que as coisas fluíssem de maneira mais adequada. Eu não acredito em aluno que não tenha vontade de aprender, acho que não é uma questão de vontade, acho que por alguns motivos essa criança está impossibilitada de despender energia para o estudo. Nós temos o hábito de pensar que só as crianças de periferia têm dificuldades de aprendizagem, mas não é a realidade, as dificuldades emocionais são inerentes a qualquer classe social. Não tem criança que não queira aprender, que não tenha inteligência para aprender. É preciso pensar aquela criança, em como fazer com que ela se apaixone pelo aprender, algo que deve ser iniciado já na Educação Infantil. A questão do aprender é algo que deve ser trabalhado desde do início e deve ser a valorizado pela sociedade, pela família, o que já não ocorre tanto.
“Não tem criança que não queira aprender, que não tenha inteligência para aprender. Épreciso pensar aquela criança, em como fazer com que ela se apaixone pelo aprender, é algo que deve ser iniciado já na Educação Infantil”
Márcia Machado: Quais os desafios da sua profissão hoje?
Ana Manoela: Há muitos! Primeiro a dificuldade que as pessoas têm em aceitar um profissional no espaço educacional, tem muitas práticas consolidadas no ambiente escolar que o profissional da psicologia percebe e ao buscar algumas mudanças estas muitas vezes não são bem aceitas, pois o profissional desacomoda e, na maioria dos casos, não é o que se deseja, pois as pessoas se habituam como estão. Ao despertar o desejo de aprender numa criança, vamos torná-la um indivíduo crítico e ela vai tirar toda uma estrutura da zona de conforto, pois vai questionar, vai querer ir mais a fundo sobre várias questões. Indivíduos críticos mobilizam toda uma estrutura, não só dentro da escola, mas como um todo, e as vezes, não sei o quanto isso é interessante para aquele contexto.
“Indivíduos críticos mobilizam toda uma estrutura, não só dentro da escola, mas como um todo, e as vezes, não sei o quanto isso é interessante para aquele contexto”.
Márcia Machado: Um grande desafio hoje é a humanização, no sentido da busca do indivíduo em se tornar um ser humano melhor, como sua profissão colabora com essa humanização?
Ana Manoela: Só colabora! Até porque não tem como você pensar no outro, sem pensar em si mesmo. Para eu pensar a educação, ou, para pensar a questão dos meus pacientes na área clínica, eu tive que me pensar muito antes e vou ter que me pensar pelo resto da vida. Não existe forma de pensar a questão da humanização sem, antes disso, questionar as tuas próprias posturas. Não adianta eu querer ajudar de um lado, sem ter a consciência do todo, e não ajudar do outro. Você não é um indivíduo aos pedaços, você é inteiro! Portanto, ou você é humanizado por inteiro e tem uma preocupação social com você e sua vida cotidiana ou vira uma prática vazia.
“Você não é um indivíduo aos pedaços, você é inteiro! Portanto, ou, você é humanizado por inteiro e tem uma preocupação social com você e sua vida cotidiana, ou, vira uma prática vazia.”.
Márcia Machado: Como a sua profissão colabora com a educação e formação humana?
Ana Manoela: Eu fiquei por um período trabalhando com o projeto Mais Educação. Atuava como psicóloga dentro da escola, acompanhando alunos e professores, atuei por dois anos no programa. Hoje minha contribuição é através de palestras, com participação por exemplo, no Saberes em Ciranda, realizadas pelo Centro Municipal de Professores (CMP) de Passo Fundo, debatendo sobre relações humanas na escola.
Márcia Machado: Como a sua profissão pode ser educadora?
Ana Manoela: As pessoas têm que se sentir responsáveis pelas coisas, não somos indivíduos soltos no mundo, mas fazemos parte dele e nossas ações podem transformar o todo. Temos que pensar a educação como responsabilidade de todos. Os pais dentro de casa têm que ter essa preocupação, não só como questão de formação, mas de formar um cidadão, um indivíduo. É preciso assumir as questões da escola, não deixar a educação como responsabilidade só do professor. De maneira alguma a escola é a segunda casa. A função da escola é muito específica, a função de educar o indivíduo é da família, a escola vem como um complemento, mas não é uma segunda casa, de certa forma toda a sociedade é responsável por isso. Quando os professores reclamam dos salários, toda a sociedade tem que se fazer presente nessa discussão, fica tudo muito isolado, como se os setores não se conversassem. Eu sou psicóloga e trabalho com clínica, então, se essa é minha função, não posso pensar nada além disso? As pessoas devem sentirem-se responsáveis pelo todo, pensar, ler, interagir, sobre o assunto.
“De maneira alguma a escola é a segunda casa. A função da escola é muito específica, a função de educar o indivíduo é da família, a escola vem como um complemento, mas não é uma segunda casa, de certa forma toda a sociedade é responsável por isso”.
Márcia Machado: Uma análise da educação no atual momento político e econômico que vivemos. O que deveria melhorar e o que deveria ser priorizado?
Ana Manoela: É uma questão de paixão. Sem sombra de dúvida, o professor devia ser muito melhor remunerado pelo trabalho que faz, o que não ocorre, por isso digo que realmente é uma questão de paixão. O professor tem todas a as ferramentas de transformação do sujeito nas mãos, mas ele pode optar em fazer o “feijão com arroz”, ou então, se apaixonar por isso, e, fazer disso uma possibilidade de transformação indo além da profissão. A dificuldade não é só do professor, é também das instituições, pois às vezes, o professor tem toda essa paixão e muita vontade de realizar a transformação, de que as coisas mudem, acreditando no poder da educação, mas não tem o apoio da instituição. Dificuldades existem em todas as profissões, porém, é preciso encontrar uma forma de superar tudo isso. Acredito que a paixão é o caminho, independente das dificuldades, é preciso continuar tentando e crendo que a educação é possível.
“Acredito que a paixão é o caminho, independente das dificuldades, é preciso continuar tentando e crendo que a educação é possível”.
Márcia Machado: Uma frase para definir a missão de sua profissão na sociedade.
Estou aqui para contribuir com as pessoas, para que se sintam melhor, para que pensem de forma diferente e espero que tal atitude contribua para melhor conduzirem suas vidas.
Fotos: Divulgação/CMP