Normal: curso que forma professores/as na fase inicial da docência

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A formação inicial de professores e professoras é um componente fundamental para a qualidade da educação.  No RS ainda se mantém o Curso Normal (também chamado Magistério) para estudantes que se formaram no Ensino Fundamental e passam a ingressar no Ensino Médio, há 150 anos.

Conforme dados do Censo Escolar 2020, no Rio Grande do Sul, 108 instituições de ensino ofertam o Curso Normal, das quais 99 são escolas Estaduais, 04 Municipais e 05 Particulares, em um total de 10.871 matrículas.

Com as mudanças previstas na Reforma do Ensino Médio, este Curso corre o risco de ser extinto ou ser descaracterizado na forma com que vem sendo oferecido há 150 anos no RS, o que tem preocupado muitos especialistas e estudiosos da educação no RS e no Brasil.

Procurando valorizar este Curso, destacar a sua importância e justificar a sua existência, conversamos com a professora e diretora Ivana da Rosa Garcia, do Instituto Estadual de Educação Tiradentes, de Nova Prata, RS, que há cinquenta anos oferece o Curso Normal. Ao final, seguem também opinião de 2 especialistas da educação, com larga experiência e reconhecimento educacional, Celso Vasconcellos e Gládis Pedersen de Oliveira.

SITE NEIPIES: Fale-nos do Instituto Estadual Tiradentes e da sua relação histórica com a oferta do Curso Normal para estudantes do Ensino Médio do entorno da Serra.

Professsora Ivana: O I.E.E.Tiradentes completa 92 anos de atividades prestadas à comunidade de Nova Prata e região. Estamos há nove gerações contribuindo na educação da nossa comunidade. Em 1969, abriu a 1° turma de curso normal, que era referência na região e abrangia cerca de 10 municípios, devido à alta procura pelo curso, a seleção dos participantes era feita por meio de uma prova.

Atualmente, é feita a publicação de edital e os interessados fazem sua inscrição no site. Nosso Curso Normal permite que os/as aluno/alunas se familiarizem com componentes curriculares específicos que oferecem um suporte seguro para a realização de estratégias que visam possibilidades para uma nova reflexão-ação. Além das inúmeras aulas práticas, projetos e recursos realizados que auxiliarão no trabalho docente.

SITE NEIPIES: Qual é a situação do Curso Normal na sua escola hoje (procura, número de inscritos, número de alunos Cursando ou fazendo estágio)?

Professsora Ivana: Atualmente no I.E.E. Tiradentes estamos com o 2° e 3° ano do Curso Normal. No total com 20 alunas matriculadas, incluindo as que estão em estágio. Sempre temos alunas procurando pelo Curso Normal, mesmo diante da enorme desvalorização profissional.

SITE NEIPIES: Como é e como se dá a formação dos jovens no Curso Normal? O Curso tem componentes curriculares e professores especializados para atuar no Normal?

Professsora Ivana: A grade curricular do Curso Normal em nível médio, segue a orientada pela Secretária Estadual de Educação e o currículo mínimo da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).

Entre os componentes curriculares ofertados estão as que fazem parte da formação básica, a parte diversificada (seminário integrado, ensino religioso, língua inglesa e língua espanhola), educação e conhecimento (filosofia da educação, história da educação, sociologia da educação, psicologia da educação, estrutura e funcionamento da educação básica e libras) e conhecimentos específicos na educação infantil e ensino fundamental (didática geral, didática da linguagem, didática da matemática, didática das ciências da natureza, didática das ciências humanas, didática da educação física, didática da arte educação e didática do ensino religioso), práticas pedagógicas desenvolvidas na escola em turno inverso e estágio profissional, totalizando 1400 períodos anuais e 1166 horas anuais. No final dos três anos, as alunas totalizam 4265 horas (somando formação básica, práticas pedagógicas e estágio profissionalizante).

O Instituto Tiradentes tem seu quadro completo de professores, com formação específica em seu componente curricular, a maioria com especialização e pós graduação.  Também dispomos de toda estrutura física adequada às práticas do curso, bem como salas de aula exclusivas, biblioteca.

SITE NEIPIES: Qual é a principal motivação dos jovens pelo Curso?

Professsora Ivana: Eu queria apresentar uma reportagem feita pelo Jornal Correio Livre (http://www.jornalcorreiolivre.com/ ), do dia 23/10/2020, onde a estudante Ana Flávia Bueno Fabro fala sobre a importância do Magistério em sua vida.

SITE NEIPIES: Na sua avaliação, por que é tão importante manter e fortalecer o Curso Normal como um Curso específico ou como Modalidade do Ensino Médio, mesmo que outros Estados brasileiros já não o ofereceram mais?

Professsora Ivana: No caso do I.E.E.Tiradentes, ele perde sua identidade, perde na qualidade do ensino, pois somos uma escola de aplicação (onde os estudantes normalistas realizam suas práticas e seus projetos), consequentemente deixa de ser um Instituto.

Outro ponto importante, é que deixamos de capacitar profissionais para lecionar no Ensino Infantil, ou seja, em creches e pré-escolas.

Para muitas de nossas alunas, esta é uma das poucas oportunidades ou talvez a única, de cursar um curso profissionalizante, gratuito e próximo a sua casa e ainda com a oportunidade de ter um estágio remunerado e após um emprego, nas escolas de educação infantil do município e da região. 

Também, na experiência vivenciada que proporciona uma visão ampliada acerca da formação docente e dos elementos constitutivos desse processo contínuo e transformador de sua realidade social.

SITE NEIPIES: Há estudantes que passam pelo Curso Normal, mas seguem outras profissões. O que este Curso agrega para outras e diferentes profissões, para além do Magistério?

Professsora Ivana: O objetivo principal do Curso Normal está na docência, ou seja, habilitar futuros professores a ensinar, nas diferentes fases de desenvolvimento de crianças.

Atualmente, a formação em curso normal nível médio pode cumprir três funções: primeira é o recrutamento para as licenciaturas, a segunda, a preparação de pessoal auxiliar para creches e pré-escolas e a última, servir como centro de formação continuada.

SITE NEIPIES: Como a senhora avalia as atuais mudanças previstas e que vem sendo implantadas no Ensino Médio? Na sua avaliação, teremos um Ensino Médio mais atualizado com as necessidades do jovem estudante e com as demandas do mundo atual?

Professsora Ivana: Na minha opinião, a partir dos resultados das avaliações externas, tais como Prova Brasil, ANA, Ideb, Pisa, entre outras, está claro que a educação brasileira precisa de uma reforma. A arquitetura do novo ensino, onde as aprendizagens são focadas na formação de cidadãos e no desenvolvimento de competências e habilidades, com disciplinas integradas em quatro áreas do conhecimento e itinerários formativos de acordo com áreas de interesse do estudante e projetos de vida que tem como objetivo auxiliar os alunos a refletir sobre o sentido e os diferentes significados da vida social e profissional, parece ser muito adequada.

Porém, alguns pontos ainda me deixam apreensiva e acredito que deveriam ser levados em consideração, como por exemplo:

-Valorização profissional;

-Manter o Curso normal;

-Ensino médio noturno e a evasão escolar (receberão o mesmo tipo de ensino dos estudantes do turno integral?);

-Formação de professores;

-Reais oportunidades de escolhas de itinerários;

– Currículo flexível (nossos estudantes têm maturidade para optar?) ;

– Escola estruturada e eficientemente planejada para que seja capaz de oferecer, mais do que conteúdo, alimentação para cada um dos alunos.   

SITE NEIPIES: Uma mensagem aos colegas professores e professoras que bravamente resistem na profissão, apesar dos ataques a seus direitos e da desvalorização.

Professsora Ivana: Professor, dar aula não é apenas sobre transmitir conhecimentos, também é sobre ensinar o mundo e expandir as perspectivas do aluno. Tenha sempre a certeza de que você é o grande mestre da sociedade!

 “Ninguém nasce educador ou marcado para ser   educador.   A   gente   se   faz   educador, a   gente   se   forma como   educador, permanentemente, na prática e na reflexão da prática”.  (FREIRE, 1991, p. 58).

Conheça também matéria sobre os 90 anos do IEE Tiradentes, uma entrevista com dona Judit Davi Lenzi

Seguem opiniões de 2 especialistas da educação sobre o fortalecimento e manutenção do Curso Normal, na estratégia da formação inicial docente.

“Defendo o Curso do Magistério, em princípio, por duas grandes razões:

  1. Oportunidade de profissionalização da juventude: por exemplo, fiz Curso de Eletrônica (escola técnica) e, aos 18 anos, já me sentia gente com um diploma na mão e um emprego.
  2. Sensibilidade e habilidade para o Ensino que, muitas vezes, a Pedagogia não consegue desenvolver. Minhas hipóteses iniciais são de que isso se dá em função da idade do início do magistério (maior abertura e esperança no mundo) e ao enfoque mais prático do Currículo.

Para formar o professor iniciante ou auxiliar sendo que, no máximo em 03 ou 04 anos, deverá ingressar na Licenciatura”.

(Celso Vasconcellos , Doutor em Educação pela USP, Mestre em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP, Pedagogo, Filósofo, pesquisador, escritor, conferencista, professor convidado de cursos de graduação e pós-graduação, responsável pelo Libertad – Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica). “A experiência nos demonstrou, atuando por anos no Curso de Magistério, dando aulas de Didática, de Filosofia, História e Psicologia da Educação e na Supervisão Pedagógica, a grande importância na formação profissional para o magistério na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. O estágio docente, em classe regular, acompanhada pela professora titular e a supervisão pedagógica era a apoteose desta formação.

Causa perplexidade a proposta de acabar com esta formação porque entra em choque com as orientações propostas pela BNCC que preconiza o desenvolvimento de competências na criança, o ensino por competências, onde os alunos devem ser levados a conhecer suas habilidades, saber e aplica-las, saber fazer, e assim, resolver os desafios da vida cotidiana.

A BNCC preconiza ainda que o professor deve assumir uma visão plural, singular e integral da criança, como sujeito da aprendizagem. Sabemos que a fase infantil é a mais propícia para aprender, para compreender a vida, será a base da personalidade, do caráter. Como se dará esta situação se, em sala de aula, o professor não for preparado adequadamente na sua formação docente?  Se a sua formação for precária, como simples assessor/assistente de educação? 

Parece-nos uma grande incoerência esta proposta de exclusão do curso Normal no Ensino Médio. O correto, lúcido, por parte dos meios competentes, face as excelentes propostas da BNCC, seria propor uma ampla discussão sobre a questão, antes de decisões precipitadas que trarão prejuízos para a Educação no Rio Grande do Sul

(Gladis Pedersen de Oliveira, Pedagoga, Especialista em Educação)

Edição: Alex Rosset

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