A escola pública está perdida. O perigo está anunciado para onde se envereda a educação: o precipício. A escola particular aproveita o momento para se fortalecer no seu lado positivista e conteudista. Em que ao aluno apenas cabe o papel de mero reprodutor.
Há dias quero escrever um texto. Desejo que o meu texto seja algo que chame atenção do leitor e dialogue com ele em questões importantes do nosso tempo.
Sigo as obrigações cotidianas. A principal delas é sentar em frente a um computador. Manter a animação e motivação para representar um profissional que não está decepcionado com a forma educacional que vem sendo adotada. Mais tarde vou ao mercado. Academia para me manter vivo.
Saio no final de semana em contato com um ou dois amigos para desfrutar a natureza. Isso permite uma revitalização da alma. A indignação me empurra para o desabafo. Esse alívio tem de ser pela escrita. Minha mente viaja.
Penso no leitor. Sobre o que o meu interlocutor deva pensar ao ler algo. Resolvo preparar uma aula “top”. Meu aluno merece. Sou impedido por muitas exigências que me são cobradas. Nenhuma delas no foco principal: aprendizagem do aluno. Faço e tomo um suco de maracujá.
Dou aula remota a tarde toda. Pego o meu celular. Muitos recados da coordenação “pedagógica”. Muitas notificações advindas de alunos exigindo resposta. Minha cabeça está exausta. Preciso ir à academia.
Pego o capacete para sair. Nesse momento fui interrompido por uma chamada do colega Nei Alberto Pies…Por acaso, não tens alguma reflexão nova para publicação no próximo final de semana?
Há dias estou pensando num assunto que me tira o sono e permeia meus pensamentos diários. Estou indignado.
O que menos importa é o aluno agora. A aprendizagem não é o foco. O planejamento de uma boa aula que foque em estratégias para o desenvolvimento reflexivo através da linguagem, é o que menos importa.
Você só deve se dedicar para responder mais de 99 notificações dos alunos e da coordenação. Por que quanto tempo leva para pensar uma aula? Você deve planejar. Planejar. Para quê? Para estatística. Não para pôr em prática. O que é prática? Importam os números. Não a aprendizagem ou como o aluno aprende.
Esse planejamento é de dados. Não para futuras práticas de aprendizagem. O aluno não é o centro desse planejamento. É para a Coordenadoria Regional de educação verificar. Para a Secretaria de Estado da Educação monitorar. Monitorar o quê? Se o professor está se ocupando. Com o aluno? Não. Isso não interessa.
Levei uma semana preenchendo tabelas, planilhas. Porcentagem da porcentagem. Daquela porcentagem. Que no montante geral vira porcentagem. Para mandar para a Coordenadoria.
Você dá uma boa aula? Nunca ninguém se interessou. Estratégias para ajudar o aluno a aprender. Não precisa. Preencham as tabelas. E as habilidades que estão no plano anual, no plano trimestral? Enfeitam. São bonitos dizeres pedagógicos.
Para a prática? Não. E também não vem ao caso. O que mais interessa é você imitar a lógica. Assim você é um bom profissional. Olha o whatsapp. Visualiza. Visualiza. Posta. Posta de novo. Refaz. Refaz de novo, mudou a orientação. Não questiona. Remove o aluno da turma tal. Adiciona aluno. Adiciona. Remove. Remove. Adiciona. Posta recado. Preenche. Preenche.
Faz a porcentagem. Porcentagem da aula. Porcentagem dos alunos. Porcentagem das atividades. Porcentagem do geral. Envia. Compartilha. Segue a orientação. Não discuta. Não questione. Tempo pra isso? Não interessa. Isso mais parece sistema capitalista. Beba. Vista. Coma. Compre. A mecanização me assusta.
Escrevo o que não gostaria de estar escrevendo. Minha crônica poderia estar falando do suporte tecnológico e pedagógico para o aluno. Falando de estratégias para tornar a aula remota menos mecanizada. Gostaria.
Queria que minha crônica falasse de alegria de descobrir e ensinar com novas formas. Tanto estudei. Tanto refletimos. Passamos por fases históricas em que o professor era o centro.
Mudamos o foco para o aluno. Enxergamos o aluno como ser aprendente. Evoluímos. Agora estamos com o foco no sistema. Sistema para demonstrar que o governo não desampara. Que a estatística mostra que os alunos foram aprovados. Todos. Dados artificiais.
Professor e estudante são sujeitos aprendentes, mas professor tem a função de organizar processos formativos com intencionalidade de aprendizagem. Reflexão bem atual de Paulo César Carbonari. Leia mais!
A aprendizagem não ocorre. As coordenações, que deveriam ser pedagógicas, hoje exercem um papel paradoxal de meros reprodutores de recados, advindos da mantenedora. Também estão sufocadas e mecanizadas pelo sistema.
A escola pública está perdida. O perigo está anunciado para onde se envereda a educação: o precipício. A escola particular aproveita o momento para se fortalecer no seu lado positivista e conteudista. Em que ao aluno apenas cabe o papel de mero reprodutor.
Queria que minha crônica tivesse o brilho do olho do jovem opinando. Refletindo. Aprendendo. A vitalidade e o entusiasmo do professor fazendo o que lhe cabe. Ensinando satisfatoriamente. Não queria que minha crônica falasse da usurpação do direito da sua profissão que é ensinar.
Esperamos que a presencialidade devolva o espírito da aprendizagem. Que a presencialidade nos devolva a dualidade dos conteúdos x construção de processos de aprendizagem. Assim, outra crônica poderá surgir como o sorriso na face de cada educador satisfeito pela profissão que escolheu. Não pelo choro provocado pelo sufocamento sistêmico.
O Sistema Educacional não está preocupado com a aprendizagem, mas com a estatística. Infelizmente!
Como será a escola do futuro? Deveríamos ressignificar o sentido e o papel da escola na perspectiva humanizante, onde a centralidade da mesma seja a construção permanente de conhecimentos, envolvendo os sujeitos aprendentes: professores e estudantes. Uma escola onde a socialização seja uma dimensão que se incorpora às práticas educativas, de forma permanente, de maneira intencionada e valorizada pedagogicamente. (Nei Alberto Pies) Leia mais!
Autor: Laércio Fernandes dos Santos
Edição: Alex Rosset
Achei muito perspicaz ! Nos resta desobedecer!
Parece capitalismo? É Capitalismo puro, política neoliberal escancarada.
Conseguiu chamar atenção, mas faltou esclarecer a razão desse perigo anunciado? Por que não precisam mais dar aula? Por que o sistema educacional não está preocupado com a aprendizagem?
Fostes, novamente, muito inspirado e autêntico nas tuas reflexões. Estás lapidando o desejo de comunicar, também através da escrita. Parabéns, amigo!