Eu estava com a bola do meu time. Ele pediu para olhar. Havia uma parte que a tinta havia descascado. Vendo-a, ele se exasperou: — Você acha que meus atletas vão jogar com bola rachada!
Conheci, pelo Rudi Armin Petry, como era ser dirigente de um grande clube e ter relações educadas, afáveis, amigas com aqueles que labutavam nos clubes pequenos. Lembro-me da vez que fui com meu pai, Wolmar Salton, receber a delegação do Grêmio no nosso aeroporto. Petry fez questão de vir até a cidade no carro do meu pai.
Queria saber das dificuldades de comandar um time do interior como o S.C. Gaúcho. Inspirava amizade, era bom estar com ele. Mesmo que em campo a disputa fosse forte, muito forte, a gentileza, a civilidade nunca foram sequer arranhadas entre ele e meu pai.
Pois, quando chego com a equipe dos meninos de dez anos do S.C. Gaúcho às finais do campeonato estadual da categoria, encontro, como diretor do Grêmio, alguém no mínimo o oposto. Mais que o oposto: assustador.
Tivemos uma reunião no meio do campo antes de a partida iniciar. Ele me disse, de saída, que nossa disputa nem graça teria. O único time que poderia confrontar o Grêmio, “dar jogo”, eram os próprios reservas do Grêmio.
Eu estava com a bola do meu time. Ele pediu para olhar. Havia uma parte que a tinta havia descascado. Vendo-a, ele se exasperou:
— Você acha que meus atletas vão jogar com bola rachada!
Ato contínuo, jogou a bola ao chão com tanta força que ela picou e passou por cima do alambrado. Um dos nossos atletas, menino de dez anos, correu atrás e conseguiu recuperá-la. A nossa bola era mesmo “rachada”, reconheci, mas só por fora.
Como não estava a tratar com um Rudi Amim Petry, preferi ficar calado, aguardar o início do jogo. Se não levássemos uma goleada acachapante, como o diretor assustador havia afirmado que levaríamos, já estava bom.
Havia a nosso favor o fato de nossos meninos terem vencido vários quadrangulares disputados em inúmeras cidades até chegarem à final. Fora uma maratona de jogos vencidos, sempre com placar apertado.
Tínhamos contra nós os poucos recursos, as chuteiras humildes, a torcida composta apenas por três mães – o Grêmio contava com carros, ônibus, charanga – e a bola rachada. Só por fora, mas rachada.
Futebol é futebol: vencemos o jogo por 2 x 1 e conquistamos o título de Campeão Estadual do Rio Grande do Sul. Sim, ganhamos, apesar de tudo. Tivemos de sair de lá fugidos, nosso adversário estava incrédulo e – pior – raivoso.
Acredito firmemente que, vendo aquilo tudo, Rudi Armim Petry torceria por nós.
Em outro ano, com o mesmo grupo de meninos, cruzamos com o Internacional numa semifinal.
Havia uma abertura no alto da parede que separava os dois vestiários. O treinador do Inter falava tão alto que ouvíamos a sua preleção:
—Vocês vão jogar com um time do interior, nem bola direito tem, não tem noção do que é futebol de alto nível como o nosso! No mínimo seis a zero é o que eu espero hoje!
Não me lembro tudo o que ele disse, mas esculhambou com o nosso time. Éramos, segundo ele, do interior do interior. Do mato!
Bem… final do jogo: Gaúcho 2 x 0 no Internacional. Nossos treinadores, Moacir Della Valentina e Adair Bica, aproveitaram a escuta da preleção infeliz para motivar o nosso grupo. A prepotência tira nossos pés do chão…
Felizmente, encontramos “Rudis Amins Petrys” no Grêmio, no Internacional, no Caxias, no Juventude. E boas amizades foram construídas.
O documentário de 98 minutos narra histórias reais de superação e pergunta: “O que é a vida?”. Título da canção-tema de Paulo Reichert e da banda PRR.
Quando não encontrarem filme para assistir à noite, convido-os a darem uma espiada no nosso documentário. Basta entrar no Youtube e escrever: Oito Quatro: a afirmação de uma possibilidade” ou usar o link de acesso: https://youtu.be/ZN1v9rvWMRQ?si=R2Uy9UVH9IAMu705
Autor: Jorge Alberto Salton. Também escreveu e publicou no site “Os sons dos nossos recreios nos acompanharão para sempre”: www.neipies.com/os-sons-dos-nossos-recreios-nos-acompanharao-para-sempre/
Edição: A. R.