Seremos capazes de assumir todos os resíduos,
inclusive aqueles que “incomodam muito mesmo sem aparecer”?
Está mais difícil viver e conviver em nossas cidades. O trânsito agitado e massacrante, a correria cotidiana, o stress e a pressão por produtividade em todas as áreas e atividades vêm tirando o nosso bem-estar e nos deixando estafantes, tensos e insatisfeitos.
Neste mesmo ritmo, temos consumido a natureza, tirando-lhe muito além do que a mesma pode nos oferecer, gratuitamente. Já construímos uma consciência pela necessidade definitiva de uma vida sustentável, mas ainda agimos diante dos recursos da natureza mais por etiqueta do que por ética. Construímos o inferno, pensando que podemos viver um paraíso mesmo que seja transitório e momentâneo.
Realizamos regularmente grandiosas conferências, importantes encontros de discussão e de debates, assinamos protocolos politicamente corretos, mas não somos ainda capazes de promover posturas e atitudes gratuitas e comprometidas com a nossa sobrevivência e a sobrevivência planetária.
Até quando deixaremos escapar, nos interstícios de nossos discursos, o compromisso ético em defesa de todas as formas de vida antes de qualquer outra questão? Aliás, para viver eticamente nem precisaríamos de discursos, precisamos enfrentar a coerência de nossas ações e pensamentos.
“Há o suficiente no mundo para todas as necessidades humanas; não há o suficiente para a cobiça humana”. (Mahatma Gandhi, hinduísta)
Afirmações como “avançamos muito pouco” ou “erramos mais do que acertamos nos últimos anos em relação ao cuidado do meio ambiente e o destino dos resíduos” parecem ser insuficientes para despertar na gente cobranças e responsabilidades mútuas: do poder público, dos cidadãos e da sociedade.
Água, solo e alimentos saudáveis são a tríade sagrada que está na base da sobrevivência humana e planetária, mas o nosso discurso e prática ainda não incorporou a ética do cuidado, nem o respeito ao sagrado (porque gerador de vida) que se manifesta nestes.
“Não é a terra que é frágil. Nós é que somos frágeis. A natureza tem resistido a catástrofes muito piores do que as que produzimos. Nada do que fazemos destruirá a natureza, mas podemos facilmente nos destruir” (James Lovelok).
A afirmação: “o lixo é nosso e é um problema social” parece dizer tudo, em todos os sentidos. Quanto ao lixo material, já descobrimos destinos como a reciclagem e o reaproveitamento, na medida em que ele pode gerar algum dinheiro.
Quanto ao lixo da mente e dos nossos pensamentos, ainda não sabemos o que fazer. Reciclar ou reaproveitar, neste caso, não vai muito efeito.
Seria o caso de nos reinventar, concebendo-nos pertencentes às mesmas matrizes que originam e permitem a vida? Como sugere Leonardo Boff, “queremos (e precisamos) de uma justiça social que combine com a justiça ecológica. Uma não existe sem a outra”.
“A diferença está entre os que pregam a ética e os que pregam a etiqueta como formas de colaborar com a sobrevida do planeta, entre quem se dispõe a promover mudanças na organização econômica e social e entre aqueles que buscam compensar o planeta com “atitudes politicamente corretas”.
Como alguém já sugeriu, a saída deveria ser a redução da produção dos resíduos. Resta saber como fazer isto, sem mudar o nosso modo de viver. Estaríamos dispostos a diminuir o consumo, vivendo e sobrevivendo com o “essencial que a vida e a natureza naturalmente estão sempre dispostas a nos oferecer, gratuitamente”?
Seremos capazes de assumir todos os resíduos, inclusive aqueles que “incomodam muito mesmo sem aparecer”? O meio ambiente, no entanto, precisa mais de nossas respostas do que de nossas perguntas.
Leonardo Boff e o conceito de sustentabilidade.