Novo bispo missionário em Santa Cruz do Sul, RS

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Com carinho e muita alegria, publicamos esta entrevista exclusiva ao site do novo bispo da Diocese de Santa Cruz do Sul, RS, Itacir Brassiani. Conhecemos e reconhecemos sua trajetória religiosa na Congregação Missionários da Sagrada Família e desejamos que, passada sua perplexidade inicial (como afirmou em entrevista à Rede Vida de Televisão) agora possa viver um intenso e bom período de doação, entrega e serviço à Igreja, atuando como bispo em Santa Cruz do Sul, RS.

Conheça um pouco mais de Itacir Brassiani, por ele mesmo.

Conte-nos um pouco da sua história de vida.

Nasci no dia 28 de dezembro de 1959 no povoado de São José do Herval, município de Soledade/RS, o segundo de três filhos de Segundo Brassiani e Gema Vêscovi Brassiani. Fui batizado no dia 10 de janeiro de 1960 na Paróquia Nossa Senhora do Rosário (São José do Herval), até hoje animada pelos Freis Capuchinhos. No mesmo ano, fui crismado, conforme costume daquele tempo, aproveitando a visita do bispo. Na época, a paróquia pertencia à recém-criada diocese de Santa Cruz do Sul. Meus pais eram pequenos agricultores e diaristas. Minha mãe teve 1 ano de escola, e meu pai nunca frequentou os bancos escolares. Mas ambos aprenderam a ler e a escrever.

Em meados de 1962 migrei com a família para Anchieta/SC, em busca de melhores condições de vida. Lá minha família dedicou-se à agricultura. Ali cresci, frequentei os primeiros anos de escola, e participei da Comunidade Nossa Senhora do Caravágio. Fiz minha primeira comunhão aos 6 anos de idade, tendo minha mãe como catequista. Em 1970 passei a estudar na Escola Básica Professor Osni Paulino da Silva, na sede do município. Em 1975 iniciei a ensino médio no Colégio Cenecista Pe. José de Anchieta, obtendo, em 1977, o título de Técnico em Contabilidade.

Em julho de 1976, com 16 anos de idade e frequentando o segundo ano do curso técnico em contabilidade, deixei a roça e mudei-me para a cidade, começando a trabalhar como balconista numa empresa varejista. Um ano depois, na mesma empresa, passei a trabalhar como auxiliar de contabilidade. Nesse período, participei do grupo de jovens da paróquia Santa Lúcia (Juventude Unida a Serviço da Amizade). No ano seguinte, integrei a organização regional da juventude (Liga de Jovens do Oeste Catarinense).

Como surgiu a vontade de servir a Deus, pela vida consagrada?

No final do ano de 1978, participei de dois eventos que mudaram o rumo da minha vida. O primeiro, foi o TLC (Treinamento de Lideranças Cristãs), que me colocou frente a frente com a superficialidade da minha fé e com as incoerências daquela fase da minha vida. O segundo, foi a ordenação presbiteral do Pe. Loacir Luiz Luvizon msf, que suscitou em mim um turbilhão de questionamentos sobre meu projeto de vida e minha vocação. Busquei orientação vocacional e comecei a atuar como catequista de crisma. No início de 1979 busquei ajuda do Serviço de Animação Vocacional dos Missionários da Sagrada Família, que atuavam em Anchieta desde os primórdios, decidi deixar meu trabalho e iniciar a caminhada de formação para a vida consagrada e ministerial.

Em fevereiro de 1980 ingressei no aspirantado e, depois, no postulantado dos Missionários da Sagrada Família junto ao Escolasticado São José (Passo Fundo/RS). De 1980 a 1982 frequentei o curso de licenciatura em Filosofia na Universidade de Passo Fundo. Em 1983 fiz o ano de noviciado canônico em Caibi/SC. Emiti os primeiros votos, tornando-me Missionário da Sagrada Família no dia 29 de janeiro de 1984. Uma semana depois, iniciei o curso de Teologia no recém-criado Instituto Missioneiro de Teologia (Santo Ângelo/RS), residindo com os colegas e o formador em uma casinha de madeira no Bairro Braga. Fui ordenado presbítero em minha paróquia de origem, por Dom José Gomes, Bispo Diocesano de Chapecó, no dia 21 de fevereiro de 1987, ainda durante o 4º ano de teologia.

Nos meses seguintes, ainda em 1987, concluí o curso de teologia, e atuei como formador do Juniorado e Vigário paroquial da Paróquia Sagrada Família (Santo Ângelo/RS). Em 1988 e 1989 prossegui na missão de formador e vigário, e comecei a lecionar Introdução à Teologia e Pneumatologia e Graça no Instituto Missioneiro de Teologia, no qual fui o primeiro aluno a ser ordenado presbítero. Em 1990 e 1991, a pedido da Província e do Instituto Missioneiro de Teologia, fiz o curso de especialização em Teologia Dogmática no Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus (Belo Horizonte), obtendo o título de Mestre, em maio de 1992. Durante esse período, fiz parte da equipe da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte e desenvolvi trabalhos na Paróquia Rainha da Paz (Bairro JK, Contagem).

O que gostaria de destacar do seu trabalho como religioso e sacerdote, ao longo de 40 anos?

Nesta caminhada de 40 anos como religioso e 37 anos como padre, atuei em vários campos e regiões. Nos primeiros anos, duas experiências me marcaram profundamente: a atuação nas comunidades dos bairros periféricos de Santo Ângelo, de 1984 a 1989; o trabalho com os moradores de rua, em Belo Horizonte, em 1990 e 1991. Os anos em que estive à frente dos trabalhos paroquiais (paróquia Sagrada Família e Paróquia Santo Antônio, ambas em Santo Ângelo) também foram importantes no sentido de ensaiar caminhos novos para a organização paroquial.

Também foram significativos os desafios de coordenar os Missionários da Sagrada Família da Província Brasil Meridional (RS, SC, RJ, GO, AM) e, posteriormente, da América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile e Moçambique), missão que se estendeu por 15 anos. Não menos desafiadora foi a missão de seis anos como vice-superior geral da Congregação, quando vivi em Roma e tive oportunidade de acompanhar os trabalhos dos Missionários em mais de 20 países. Mais exigente e complexa, mas igualmente enriquecedora, foi a missão como formador dos seminaristas, em três diferentes períodos (1987-1989; 1997-1998; 2014-2017).

Como encara agora o desafio de servir a Deus como Bispo da Igreja Católica?

Depois de mais de 20 anos nos serviços de animação e coordenação, alimento um intenso desejo – que é também uma necessidade – de voltar ao trabalho na base eclesial. Alimentava a disponibilidade para servir à missão em Moçambique, mas o pedido da Igreja está me levando a Santa Cruz do Sul, como futuro bispo diocesano. Essa mudança de ministério é o primeiro grande desafio, pois nunca me imaginei atuando fora dos quadros e prioridades dos Missionários da Sagrada Família.

Veja também matéria e entrevista: https://youtu.be/FErnwAl0ZbA?t=96

Iniciar uma missão diferente, numa posição diferente, numa diocese da qual ainda não conheço absolutamente nada, com um clero e com comunidades sobre as quais não sei nada certamente vai exigir uma profunda humildade: deixar-me conduzir, aprender com os outros, pedir licença para entrar numa Igreja que ainda não é a minha. Além disso, os desafios que interpelam hoje toda a Igreja: confirmar o trabalho generoso de tantos padres, diáconos e lideranças leigas; dinamizar um processo sinodal baseado na comunhão, na participação e na missão; assegurar a equidade das mulheres nos espaços e serviços de animação; aprofundar a consciência sobre a responsabilidade coletiva em relação ao cuidado da “casa comum”; abrir os olhos e o coração dos cristãos para a necessidade de combater as injustiças a desigualdade social e econômica.

Como avalia o momento histórico que passa a Igreja Católica, sob a liderança do Papa Francisco?

A Igreja Católica vive um momento histórico crítico e cheio de possibilidades. Ela não pode cair na armadilha de competir com outras denominações pela “posse” de fiéis, mas centrar todas as suas forças no anúncio do Evangelho do Reino de Deus, com a humildade de quem sabe que propõe algo esperando uma adesão livre e adulta, mas também como quem tem a convicção de que é algo que contribui decisivamente com o progresso e o bem-estar das pessoas e da humanidade inteira.

Papa Francisco tem exercido uma liderança corajosa nesse processo, chamando-nos a sair dos espaços fechados, a dialogar e cooperar com as demais denominações cristãs, a curar feridas causadas pelos próprios membros da hierarquia, a tratar com severidade as práticas abusivas na área do poder, da sexualidade e da consciência.

Qual a mensagem aos amigos, aos coirmãos da tua Congregação e aos leitores do site?

Aos leitores do site: Vocês que lutam pela paz e pela justiça, pela emancipação dos homens e mulheres e pela humanização das relações, não estão fora da Igreja nem longe de Jesus Cristo e seu Evangelho, mas são parte integrante da grande caravana dos homens e mulheres de boa vontade, daqueles humanos seres dos quais Jesus Cristo se orgulha de chamar de irmãos e irmãs.

Aos cristãos católicos: Vivam e testemunhem a alegria do Evangelho, a impagável felicidade de ser povo de Deus, de ser semente de uma nova humanidade. Ousem propor o Evangelho de Jesus e chamar à comunidade de fé, fazendo dela uma escola na qual aprendemos a ser irmãos e irmãs sem fronteira. Cresçam na convicção de que, seguindo Jesus Cristo, ninguém perde ou sacrifica nada de verdadeiramente importante, e recebe gratuitamente tudo o que necessita para ser gente.

Aos coirmãos Missionários da Sagrada Família: Sentirei saudades do espírito missionário, da convivência cotidiana, das buscas feitas lado a lado, do desejo de coerência e criatividade, das tensões e discussões acaloradas. Quero continuar crescendo e amadurecendo em sabedoria, graça e testemunho. Com a graça de Deus, continuaremos próximos e com a possibilidade e o desejo de encontros frequentes. E peço a Deus que me conceda a graça de, mesmo que depois dos 75 anos, estar com vocês em alguma missão de fronteira.

Entrevista à Rede Rede Vida de Televisão: https://www.facebook.com/joao.ebertz.14/videos/466402499461826

Fotos: divulgação/arquivo pessoal

Edição: A. R.

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