O amor e a perdição

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A estátua da mulher nua suscita, nos portugueses, um sentimento básico: vergonha! Aí me vem um questionamento: os nus masculinos são tão admirados sempre, por que mulher não pode?

Deparei-me com ela em uma manhã de março, na cidade do Porto. Havia um nevoeiro. O frio do inverno ainda castigava o início da primavera e a névoa persistia. A escultura, belíssima, obra do português Francisco Simões, foi feita em homenagem a Camilo Castelo Branco, um dos maiores escritores da literatura portuguesa do século XIX.

Localizada em frente à antiga Cadeia da Relação, em um espaço hoje chamado “Largo Amor de Perdição”, há uma mulher desnuda, nos braços de seu amante, representando todas as mulheres envolvidas em amores proibidos.

A arte passional deixou-me extasiada. Ah! Não conseguia despregar os olhos. Como de praxe, pensei: “uma inspiração para minha escrita”.

Lembrei-me de nosso Euclides da Cunha, quando escreveu sobre “A vida das estátuas”. Elas almejam a eternidade e, a cada olhar, ganham vida, além da existência forjada no metal.

Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa, no ano de 1825. Foi o primeiro escritor profissional em Portugal e sua obra mais famosa, publicada em 1863, chama-se “Amor de Perdição”, inspirada em sua própria vida, quando esteve preso na Cadeia da Relação do Porto, cumprindo pena pelo delito de amar uma mulher casada.

O escritor levava uma vida conturbada, pautada por tragédias e paixões avassaladoras. Seu grande amor foi Ana Plácido, cujo marido, sentindo-se traído, moveu um processo de adultério. Os amantes ficaram presos por alguns meses, na mesma penitenciária. Foram absolvidos do processo no ano seguinte, por D.Pedro V.

O romance escrito por Camilo relata a paixão entre Simão e Tereza. Filhos de famílias inimigas, eles preferem morrer a desistir do amor que os une. Uma versão portuguesa de “Romeu e Julieta”. Um apelo à liberdade do amor contra as exigências sociais do século XIX.

No Brasil, o adultério deixou de ser crime somente há 18 anos. Desde 2005 que a traição não tem mais essa conotação. Contudo, algum prejuízo poderá ocorrer para o traidor, como perda da pensão alimentícia pelo cônjuge infiel, indenização por traição, multas, ação por danos morais, etc…

Cada país com suas regras, normas e leis. Não sei lá em Portugal como funciona, mas parece que tem um processo tramitando na justiça, de moral e bons costumes, para a retirada da escultura.

A estátua da mulher nua suscita, nos portugueses, um sentimento básico: vergonha! Aí me vem um questionamento: os nus masculinos são tão admirados sempre, por que mulher não pode?

Traição é deslealdade? Por certo que é.

É um ilícito civil? Por certo que é.

O que será que dói mais? Um ato de infidelidade ou o desencanto no relacionamento amoroso?

Penso nos amores proibidos e na pobre sina de vida de Camilo Castelo Branco, que teve um final muito triste. Infeliz no amor, angustiado com a vida que levava. Ficou cego e, impossibilitado de escrever, suicidou-se com um tiro de revólver, em 1890.

Penso, também, em Euclides da Cunha, um dos maiores nomes da literatura brasileira e sua trágica morte motivada pelo romance extraconjugal de sua esposa.

Triste fim dos amores de perdição!

Autora: Elenir Souza

Edição: A. R.

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