Sim, é difícil para nós humanos identificarmos o belo das árvores vestidos de arrogâncias e de conceitos estipulados pela sociedade mesquinha e que não é igualitária uma com as outras, criando guerras de intensa batalha entre o bem e o mal.
É com alegria que trago o nosso querido poeta Manoel de Barros com os seus neologismos e exercícios de ser nos versos em que nos diz:
“Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa / Com janelas de aurora e árvores no quintal – / Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores / E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.”
Sim, árvores belas não porque estão cobertas de flores, no que concerne a beleza exterior, mas na sua essência e ideia de bem e justa para com os que dela necessitam e as olham como se fossem pequenos investigadores a descobrirem pela primeira vez uma coisa que sempre esteve ali e nunca foi percebida.
Temos o costume de passar pelas árvores e ignorá-las porque não falam como nós, mas esquecemos que elas têm os seus próprios sentimentos e emoções. Ai de quem faz mal a uma árvore e ai de uma árvore que é machucada pelos “cegos” da beleza.
O mundo é belo e ponto final. Poderia dizer isso e não mais continuar a escrever, mas há particularidades na beleza do mundo. No que diz respeito a natureza, é verdade, tudo é belo e tudo se constitui de um segredo maravilhoso que cuida dessa beleza como quem cuida de um filho. Vale a pena contemplar a beleza da natureza só por alguns instantes do seu dia.
No caso da etimologia, a palavra “belo” vem do latim “bellus”, que significa “lindo, bonito, encantador”. Muito usado na época clássica apenas para mulheres e crianças, enquanto para os homens tinha sentido pejorativo e um ar apolíneo, de Apolo, o deus da beleza e da guerra.
Contudo, o termo, antes de sua definição latina, pode ter vindo também do indo-europeu DW-EYE, aproximando-o de outros termos, como bônus, de “bom”, e bene, de “bem”.
Nos dias atuais, o dicionário “Houaiss” da Língua Portuguesa define o belo como algo “que tem forma ou aparência agradável, perfeita, harmoniosa. Que desperta sentimentos de admiração, de grandeza, de nobreza, de prazer, de perfeição.” Ao longo do texto discutiremos mais esse conceito de belo com outros teóricos e filósofos.
E essas são as principais ideias que vêm à mente da maioria das pessoas em relação ao significado de beleza. Termos como beleza, estética, harmonia, proporção, equilíbrio entre outras, são vocabulário permanente no discurso e trabalho de muitos, inclusive os profissionais da indústria da moda.
Tire um tempo para estar entre o verde, de preferência, as árvores e olhe para elas não como quem olha apenas para ter a certeza de que algo existe, mas com a alma limpa e pronta para enxergar o belo dos troncos, das raízes, das folhas caídas no chão, dos galhos e dos seus frutos, o belo das árvores que estão nos roubando pouco a pouco com a chegada da tecnologia nas grandes cidades.
Experimente conhecer este belo das árvores que nos tranquiliza o espírito e nos acalma diante dos problemas do cotidiano.
Respire profundamente e deixe que o ar anime todos os órgãos do seu corpo. O belo das árvores é que elas sabem como ninguém nos amar sem nos pedir nada em troca, elas são humildes e solidárias às nossas necessidades de amor, cuidados, atenção e gratidão.
A estética das árvores é toda representação de belo que pode ser sentida através da audição, olfato, paladar e visão. Sendo um ramo da filosofia que estuda a beleza das coisas não poderia deixar de falar da estética das árvores uma vez que poucos ainda as olham com esse olhar curioso e resplandecente que identifica beleza e singularidade nos seus troncos grossos, nos seus galhos que se estendem pela terra e saem invadindo corpos externos do outro lado do muro que tenta impedir o crescimento da árvore, mas ela é maior do que o cimento e tijolo feitos pelo homem.
Os filósofos da Grécia antiga costumavam contemplar o belo nos seus jovens assim como podemos ver no diálogo platônico “Hípias Maior”. Hípias é um livro em diálogos que tem como objetivo a investigação sobre a natureza do belo. Este diálogo escrito por Platão, mas que tem como principal interlocutor e personagem o filósofo Sócrates, pretende através do princípio da dialética definir o belo em si. No entanto, o que se percebe é que essa possibilidade se frustra, pois um dos interlocutores, o sofista Hípias, procura estabelecer a questão do que é belo pelo particular e as questões sobre o belo desembocam em um relativismo e em aporias, até mesmo porque, Sócrates também não tinha uma teoria sistematizada como, muito depois, Aristóteles apresentará.
Considerado um dos grandes sábios da Grécia, Hípias tinha grande fama por onde passava. Ganhou popularidade e muito dinheiro, como era de praxe entre os sofistas. A cidade de Lacedemônia foi onde resolveu as questões mais importantes. “Hípias Maior” relata o debate entre Sócrates e um dos sábios mais bem pagos dentre os sofistas da antiguidade. Uma “luta” dialógica em torno da questão do belo.
A questão principal, o foco da discussão, é apresentada quando levantada a questão a Sócrates: “Mas como é que tu, Sócrates, distingues o que é belo do que é feio? Olha lá, saberás tu dizer-me o que é o belo?” Esta questão leva Sócrates à procura de um dos maiores sábios para desenvolver e definir o problema da beleza. É em Hípias que Sócrates buscará uma interlocução para tal questão.
A primeira definição apontada por Hípias é de que o belo é uma bela rapariga. Hípias não vê nessa definição nenhum problema, pois se tal definição fosse apresentada a uma assembleia não haveria objeção, pois toda gente pensa assim. No entanto, Sócrates rejeita tal definição, pois para ele a questão do belo não pode ser respaldada por uma questão de caráter particular.
Algo particular não pode ser belo. Para Sócrates uma coisa particular seria relativa. Por exemplo, uma bela rapariga é feia perante uma deusa ou “o mais belo macaco não passa de feio, comparado com a espécie humana”.
Uma segunda definição para Hípias é a de que o belo é o ouro. Mas novamente Sócrates refuta dizendo que a estátua da deusa de Atenas que foi esculpida por Fídias, portanto bela, é feita de marfim. Uma terceira definição é de que o belo é aquilo que é apropriado.
Mais uma vez o sofista é ridicularizado, neste momento aparece o exemplo da colher de madeira. O que seria mais conveniente, ou seja, apropriado para cozer um purê, uma colher de ouro ou uma colher de madeira? Sócrates demonstra que em se tratando de cozinhar um belo purê de legumes, a colher de madeira seria mais apropriada e, portanto, mais bela. Lembrando que para o sofista, o apropriado tem a ver com o aparecer, com o sensível. Sendo assim, o apropriado é o que faz parecer belo. Em todas as definições do belo apontada pelo sofista Hípias, o belo é perpassado pelo sensível.
Depois de todas as rejeições das definições sofísticas, Sócrates então parte para sua definição do belo.
O belo, afirma o filósofo, é aquilo que é útil, portanto o inútil é feio. O belo é aquilo que tem dýnamis, isto é, potencialidade. Nesta altura do diálogo de Sócrates, percebe-se que o belo se relaciona ao que é ético, pois é só quando a dýnamis é usada para o bem que se pode dizer que há o belo, logo o feio é a falta ou mal uso de dýnamis. O belo então é aquilo que pode ser entendido como vantajoso e proveitoso.
Como podemos ver sobre a diálogo de Hípias com Sócrates o belo é aquilo que pode ser entendido como vantajoso e proveitoso e então as nossas árvores podem ser consideradas com estas duas definições, pois além de nos serem vantajosas são por deveras proveitosas chegando a nos proporcionar momentos de êxtase e saída do mundo externo para o particular quando aproveitamos para descansarmos nossos corpos em seus troncos largados das nossas gravatas, sapatos de salto altos e batons. Ali experimentamos o que há de proveitoso nas nossas árvores.
Ao perceber as insuficiências dos conceitos elencados por Hípias, e após várias abstrações, Sócrates define o belo como aquilo que provoca prazer pela visão e audição. Ou seja, o belo é aquilo que é atravessado pelos sentidos, em especial, pela visão e audição. Portanto, se conhece o que é belo pelos sentidos. E, eles existem porque existem a música, a arte plástica, a arquitetura, etc.
No finalzinho do diálogo, no desfecho, o leitor é surpreendido e a questão não se resolve, pois nas palavras de Sócrates “o que é belo é difícil”. Sim, é difícil para nós humanos identificarmos o belo das árvores vestidos de arrogâncias e de conceitos estipulados pela sociedade mesquinha e que não é igualitária uma com as outras criando guerras de intensa batalha entre o bem e o mal.
Se comparamos as árvores como uma arte da natureza poderemos chegar próximos do conceito de belo mesmo sendo este difícil aos nossos olhos e sentidos, segundo Sócrates.
E se costumamos apreciar obras de artes com o olhar de quem critica e sabe diferenciar o feio do belo veremos nas árvores a mais perfeita definição de belo, pois assim como nós homens e mulheres elas são dotadas de partes que as constituem necessárias para o seu bem-viver quer sejam elas: raízes, tronco, galhos e folhas. Sendo cada uma dessas partes necessárias à vida da árvore.
A estética que procura enxergar o belo nas obras de artes caracteriza-se pelo olhar diferencial de cada homem que contempla o objeto a ser aclamado pela crítica valioso ou não dependendo da sua beleza. Sim, as árvores não vão à leilões. Não se compram árvores, pelo menos nunca vi. O que se pode comprar é o chão onde elas vivem e aí se ganha de presente uma delas.
Na essência e subjetividade das árvores, elas nunca terão um só dono, mas pertencerão à humanidade, aos deuses, aos animais que precisam delas para se alimentarem ou construírem as suas casas.
As árvores são o belo que se metamorfoseia todos os dias dependendo da estação do ano em outras linguagens que vão além dos nossos sentidos respondendo a indagação de Hípias com Sócrates que não é somente pelos sentidos que descobrimos o belo, mas também pela alma despida de todos os pré-conceitos que nos constituem o ser enquanto presente neste lugar de ódios e malvadezas.
Em “Hípias Maior”, Platão expõe as suas concepções estéticas sobre o belo e as artes, que, em “A República” (livro sobre política que demonstra um modelo utópico de cidade ideal), serão rechaçadas pelo filósofo e retiradas de seu modelo ideal de cidade.
O escritor italiano Umberto Eco fala o conceito de belo em seu livro “História da Beleza” e, lá, ele nos diz que o belo junto com gracioso, bonito ou sublime, maravilhoso, soberbo e expressões similares é um adjetivo que usamos frequentemente para indicar algo que nos agrada.
Assim sendo poderíamos dizer que aquilo que é bonito é igual àquilo que é bom e, de fato, em diversas épocas históricas criou-se um laço estreito entre o belo e o bom, como vimos pela própria origem da palavra.
As reflexões do autor sobre o belo ao longo da história nos convidam para uma viagem para além do entendimento entre beleza e bondade, como idealização de uma perfeição estética. Antes, abre caminhos para entendermos como o belo é importante nas relaçõesartísticas, sociais, políticas, religiosas, espirituais etc.
Como podemos constatar as coisas podem ser belas e boas ao mesmo tempo, logo as árvores são bonitas porque também são boas para nós. Elas nos dão frutos e sombras, embelezam as nossas casas e ruas, deixam o ar mais puro retirando dele toda a sujeira e alimentam os pássaros e outros animais. Logo, podem ser consideradas boas e se assim as são tendem a ser belas.
Quem olha para uma árvore com o olhar de uma criança vai enxergar nela muito mais beleza porque as coisas boas que podem ser encontradas ali são muito maiores do que o olhar de um adulto. Na verdade, as árvores são belas porque são criações da natureza que tudo o que faz é bom, justo e belo.
Sim, para ser belo algo tem que ser bom e justo. Não consideramos bonita uma pessoa que pratica maldades ou que agride outras pessoas inocentes e indefesas. O justo deve sempre ficar do lado do que praticou o bem, do que é certo, mesmo que este não seja o seu amigo.
Assim é a justiça, e com ela caminha também a ideia do bem que, numa sentença transitada em julgado, pode ser tida como ideia de belo se a pessoa acusada foi inocentada ou não, dependendo das provas e do pensamento do juiz.
Como podemos ver falar da estética das árvores nos leva a diversos caminhos investigativos. Primeiro nos compomos com as ideias já existentes dos filósofos e teóricos da antiguidade e da contemporaneidade para descobrirmos as nossas próprias ideias.
Uma vez imbuídos do nosso pensar, acreditamos que o belo está nas árvores assim como elas estão no belo. Não é à toa que elas estão nos desenhos da maioria das crianças e nas pinturas de diversos artistas assim como o pioneiro do impressionismo, Monet criou sua própria abordagem para a pintura de paisagens. Amante da natureza, inspirou-se em árvores e plantas ao longo de sua vida.
Não há dúvidas de que as árvores são belas e possuem uma estética própria. Com isso, podemos fotografá-las, pintá-las ou desenhá-las como se fossem deusas ou personagens que precisam ser imortalizados para guardarmos a ideia de bem não somente no nosso pensamento, mas nas diversas formas materiais onde elas podem ficar registradas.
Sendo esse belo das árvores o que as constituem nas mais complexas investigações a respeito das suas vivências e experiências de estarem sempre ali no mesmo lugar, no entanto terem conhecimentos e sapiências de mestres e doutores sobre o mundo através das suas raízes que se interconectam com outras e formam essa rede que troca conhecimentos e nos ajuda a identificarmos o segredo das suas relações íntimos com a Terra. Do chão vem o mundo que não podemos enxergar a olho “nu”.
Para finalizar, deixo vocês com o poema do meu querido poeta português Fernando Pessoa que nos diz:
“Segue o teu destino…
Rega as tuas plantas; / Ama as tuas rosas. / O resto é a sombra
de árvores alheias”.
Que nesta sombra de árvores alheias possamos enxergar o belo em tudo o que está nas árvores e as constituem não somente fisicamente, mas subjetivamente, naquilo que é impossível absorver sem o desejo de encontrar-se com o espetáculo da sua essência.
Autora: Rosângela Trajano