O melhor que se pode fazer ao longo da existência é viver em função da vida. E melhor ainda é pautar-se pelo bem viver.
Viver para pensar ou pensar para viver? Apenas viver por viver ou tão somente pensar por pensar? Se pensar, refletir e imaginar é bom, viver bem é ainda mais importante. Mas, se conseguirmos pensar para viver melhor, será bem mais interessante.
A pergunta é recorrente a quem pensa: Qual o objetivo desta vida? Viver com intensidade ou viver unicamente para estender a vida o máximo que se puder?
Quando se trata de viver com intensidade, é preciso também definir com intensidade em que. Ademais, quem viver com o objetivo de existir por mais tempo, precisa pensar a que preço e com que qualidade.
Seguem as indagações na cabeça de quem vive a pensar: Quem viver para si somente, que sentido fará? Se viver for em primeiro lugar para pôr-se a serviço dos outros, com que objetivo o será? Em vista de reconhecimento e recompensa ou por pura abnegação e altruísmo? Quem assenta seu viver só no passado, que significado lhe terá o futuro? E se viver só para o futuro, que valor lhe fará o passado? Se, ao invés, viver no estrito momento presente, não lhe será por demais fugaz esta vida? Quando se vive apenas com vistas a conquistar outra vida, que gratuidade e espontaneidade terá esta vida de agora?
O filósofo e matemático francês René Descartes sentenciou: “cogito, ergo sum”, isto é, “penso, logo existo” ou “penso, logo sou”. Ser é mais do que simplesmente existir ou estar no mundo. Ser diz respeito à essência, enquanto que existir pode não passar de uma ocorrência factual. É complexo ser o que se deve ser neste mundo marcado pela constante destruição do que é essencial e necessário para viver.
Na clássica obra “O Pequeno Príncipe”, Antoine de Saint-Exupéry afirma que o “essencial é invisível aos olhos”. Mas, o que é o essencial e o que é o necessário? A resposta tende a ser muito relativa a cada um/a, a cada grupo social, categoria ou segmento. Muitas vezes o que é tido como necessário orienta-se pela via volátil do desejo. E quando o desejo é o parâmetro único da necessidade, este se torna insaciável.
Assista: 10 grandes lições do livro o pequeno príncipe
Na sociedade consumista, por exemplo, o ponto de equilíbrio entre necessidade e desejo é sempre uma incógnita.
Entretanto, uma necessidade constante na sociedade desigual e excludente em que vivemos é a da organização sistêmica da justiça, da democracia e da solidariedade. Esses princípios constituem-se em caminho necessário para o bem viver, como afirma o político e economista equatoriano Alberto Acosta. O bem viver representa uma mudança de paradigma em relação à corrida capitalista pelo bem estar. Enquanto o bem estar traduz a compreensão de um modo de vida individualista e efêmero, a dinâmica do bem viver prima pelo coletivo, pelo duradouro e pela visão ecossistêmica da sociedade e da natureza.
O bem viver apresenta-se como uma proposta de vida enraizada no bem comum.
Corresponde a um modo de pensar e a um jeito de viver integrado, equilibrado, respeitoso, sem carências e sem excessos, a fim de que todos/as possam ter o suficiente para uma vida digna. Implica ser e estar no mundo em sintonia e corresponsabilidade com os outros e com o meio ambiente.
Assista: Cosmovisão indígena: uma alternativa a ideologia de desenvolvimento colocada pela modernidade, que junto ao individualismo extremado tem transformado nosso mundo em uma verdadeira distopia.https://youtu.be/i9CoYWtemr0?t=568
O melhor que se pode fazer ao longo da existência é viver em função da vida. E melhor ainda é pautar-se pelo bem viver. O bem viver incorpora racionalidades, pedagogias, teologias e espiritualidades libertadoras capazes de pôr em curso uma nova sociedade. Equivale a um caminho possível e necessário para enfrentar as patologias, as pandemias sistêmicas e as diversas expressões de barbárie atual.
Autor: Dirceu Benincá
Edição: Alexsandro Rosset